Técio Lins e Silva sobre Silveira: gordo nos músculos, atrofiado no cérebro

Daniel Silveira e Técio Lins e Silva

Um dos maiores advogados do país e considerado o “príncipe dos criminalistas”, Técio Lins e Silva disse à TV 247 nesta quarta-feira (17) que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem razão em determinar e confirmar a prisão do deputado federal Daniel Silveira após o parlamentar ter divulgado um vídeo com ofensas e ameaças contra ministros do Supremo. O especialista criticou o linguajar do deputado, classificando-o como “um tosco, um grosso, uma coisa horrorosa, se achando acima de tudo. Não sei o que pensa esse moço. Ele engordou nos músculos, mas o cérebro parece que continua atrofiado”.

Lins e Silva pediu ainda a cassação do mandato do parlamentar pela própria Câmara dos Deputados. “Ele só faz atividade política para o mal, para falar mal. Fico muito triste em ter um representante nosso, do Rio de Janeiro, na Câmara dos Deputados com aquela linguagem tosca, desabrida. Isso não é um deputado. Duvido que o Conselho de Ética possa deixar esse moço com mandato. Tem que ser cassado pela própria Casa porque ele causa indignação a política e a todos nós, ao país, ao Brasil, a todos nós que acreditamos nas instituições, no Congresso, na Justiça. Fiquei absolutamente triste, em parte com tristeza e com nojo. O Supremo reagiu e não poderia deixar de reagir. É um sujeito que está na contramão de tudo, não só da lei. Vivemos tempos difíceis”.

Sobre a imunidade parlamentar, direito conferido aos deputados e utilizado pelos que defendem Silveira para pedir sua soltura, o advogado esclareceu que o benefício não serve para deixar com que crimes passem impunes. “A imunidade é para assegurar a liberdade no exercício do mandato, não é para acobertar o deputado da prática de crimes, daquilo que é anormal”.

Barragens transformam Amazônia em zona de sacrifício

Por Philip Martin Fearnside (*)

Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia contempla também a maior bacia hidrográfica do planeta, cujo rio principal – o Amazonas – é alimentado por afluentes que ramificam em mais de 1.100 rios e formam um sistema de drenagem sem igual. Cerca de um quinto de toda a água que escorre da superfície da Terra acaba nele. No entanto, toda essa exuberância – responsável por fornecer importantes serviços ecossistêmicos para a humanidade – está ameaçada.

Como os fluxos de água podem gerar muita eletricidade, a bacia do rio Amazonas tem despertado, há muito tempo, o interesse de governos, especuladores e indústrias para a geração de energia hidrelétrica por meio de barragens. De acordo com um estudo publicado em 2019 pela revista Nature Communications, pelo menos 158 barragens, incluindo pequenas barragens, operavam ou estavam em construção na bacia amazônica, e outras 351 haviam sido propostas.

Um dos exemplos mais notáveis é o da barragem de Belo Monte, quarto maior projeto hidrelétrico do mundo. A obra foi responsável pelo bloqueio do rio Xingu, um importante afluente do Amazonas. Seu reservatório inundou 518 quilômetros quadrados, deslocou mais de 20 mil pessoas e causou danos extensos a um ecossistema de rio que contém mais de 500 espécies de peixes, muitos deles não encontrados em nenhum outro lugar e dos quais dependem populações indígenas locais. Para completar, o ciclo sazonal natural do rio Xingu inclui um longo período de baixa vazão que impede Belo Monte de usar muitas de suas caras turbinas durante grande parte do ano.

Outro caso é o projeto Barão do Rio Branco, plano de infraestrutura na região amazônica que prevê, entre outras obras, a construção de uma hidrelétrica de 2 mil a 3 mil megawatts no rio Trombetas, que flui por uma região isolada e rica em minerais. A barragem necessária para essa hidrelétrica poderá inundar terras quilombolas e ameaçar uma das maiores praias da Amazônia, usada para a reprodução de tartarugas.

Esses são dois exemplos de como a bacia amazônica tem sido explorada sem controle pelo governo brasileiro – e de como os limites legais são testados constantemente. Embora essa política tenha se iniciado antes do governo de Jair Bolsonaro, foi com o atual presidente que ela se tornou mais intensa e perigosa, em especial a partir do desmantelamento dos órgãos ambientais e sistemas de licenciamento para projetos de infraestrutura, reduzindo as proteções para a biodiversidade e para os povos tradicionais.

Quando ecossistemas fluviais são transformados em reservatórios, eles prejudicam a diversidade aquática. Barragens podem, por exemplo, bloquear as migrações anuais de peixes, como a do bagre gigante do rio Madeira. Depois que o Brasil construiu barragens no rio Madeira em 2011 e em 2013, a captura de peixes naquela que foi a segunda maior região para a pesca fluvial do mundo despencou no Brasil, Bolívia e Peru. Milhares de pessoas perderam seus meios de subsistência de pesca, e o declínio acentuado desta atividade também gerou tensões sociais que persistem até hoje na região.

As barragens também aprisionam sedimentos ricos em nutrientes, que sem elas seriam transportados pelo curso d’água. A perda de nutrientes prejudica a agricultura e afeta a cadeia alimentar da qual dependem os peixes rio abaixo, comprometendo a pesca ao longo de milhares de quilômetros de rios amazônicos. E não para por aí: como no fundo dos reservatórios quase não há oxigênio, o mercúrio que ocorre no solo, tanto naturalmente como com acréscimos pela atividade garimpeira, pode sofrer uma reação química e ser transformado em metilmercúrio – altamente venenoso. Altos níveis deste componente foram encontrados nos cabelos de pessoas que vivem no entorno da barragem de Tucuruí, no Pará, e de Balbina, no Amazonas.

É preciso ter consciência de que os rios de fluxo livre da Amazônia são a força vital de suas florestas e dos povos indígenas que dependem deles há séculos. Tratar a Amazônia como uma zona de sacrifício para a extração de recursos naturais é injusto e desnecessário. Os custos humanos e ambientais são demasiadamente altos.

*Philip Martin Fearnside é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e membro da Academia Brasileira de Ciências

Daniel Silveira na PM: como licença médica mandrake garantiu o mandato de deputado

Por Sérgio Ramalho – The Intercept_Brasil

A imagem do anabolizado então candidato a deputado federal pelo PSL exibindo pedaços de uma placa em homenagem a Marielle Franco como troféu tirou do anonimato Daniel Lúcio da Silveira. Era quinta-feira, 4 de outubro de 2018, quando a foto ganhou as capas de jornais, sites e revistas. Naquela mesma data, uma outra publicação envolvendo Silveira não viralizou.

Trata-se do Boletim Interno da Polícia Militar nº 45, que trazia no alto da página 15 a exclusão do então soldado Silveira, com data retroativa a 14 de agosto. Chegava ao fim uma problemática carreira de cinco anos, nove meses e 17 dias na PM do Rio de Janeiro. O Intercept teve acesso, com exclusividade, ao histórico disciplinar do ex-policial. Ali está anotado que ele passou, ao todo, 80 dias preso no quartel entre os anos de 2013 e 2017.

A sequência de infrações resultou num processo administrativo disciplinar que Silveira tentou driblar empilhando licenças médicas e que, se tivesse sido levado a cabo, poderia resultar na sua inelegibilidade, de acordo com a Lei da Ficha limpa.

Em 2020, Silveira voltou ao noticiário: desta vez por estar na lista dos parlamentares  investigados no inquérito das fake news e do financiamento de atos contra instituições democráticas que tramita no Supremo Tribunal Federal.

O “mau comportamento” de Silveira já havia sido detalhado oito meses antes da destruição da placa da vereadora assassinada, nas páginas 15 e 16 do boletim nº 23 da PM do Rio. Segundo o relatado por seus superiores no texto, “os atos praticados pelo soldado revelam atitudes incompatíveis com a condição de policial militar”.

O “mau comportamento” de Silveira foi detalhado na pg 16 do boletim nº 23 da PM do Rio.

“Em virtude de numerosas transgressões disciplinares cometidas ao longo de 2013 e 2017, por atrasos e faltas aos serviços”, enumera o documento, além de 26 dias de prisão e 54 dias de detenção, “o soldado acumulou em seu histórico 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências”. Silveira, segundo consta no boletim, deixa “cristalina a sua inadequação ao serviço na Polícia Militar”.

Entre os motivos que levaram o deputado a ser detido tanto tempo estão mau comportamento, faltas, atrasos e, sobretudo, a gravação e postagem de vídeos ofensivos durante ações de patrulhamento. Foram esses mesmos vídeos que lhe deram popularidade e o incentivaram a mudar de carreira. Com 32 mil votos, ele ficou com a última das 12 cadeiras do PSL fluminense na Câmara Federal.

Apesar do currículo na corporação, Silveira só acabou excluído dos quadros da PM quando teve confirmado o registro de candidatura ao Congresso. A Constituição exige que militares com menos de dez anos de serviço sejam afastados caso decidam se candidatar a um cargo eletivo.

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A incompatibilidade entre o aspirante a soldado e as regras da PM já aparecia antes mesmo de seu ingresso na corporação. Silveira passou com louvor pelo teste físico, foi mediano nas provas teóricas e acabou reprovado no exame social por ter “passagem pela polícia”.

Parte fundamental no processo de seleção à polícia, a varredura no histórico do então candidato revelou um registro de prisão por suspeita de venda de anabolizantes em academias de Petrópolis, sua cidade natal, na Região Serrana do Rio. O ano era 2012, e o então candidato a PM recorreu à justiça para conseguir driblar as regras e, assim, ingressar na corporação.

Uma magistrada do juizado especial acolheu o argumento de presunção de inocência e garantiu a vaga a Silveira na corporação. Como ela não tinha atribuição para julgar o caso, que deveria tramitar em vara de Fazenda Pública, a Procuradoria do Estado recorreu, e, em meio ao vaivém no Judiciário, Daniel Silveira acabou integrado à tropa. Os procuradores não desistiram e recorreram ao Supremo Tribunal Federal, o STF, para tentar excluir o recruta.

A investigação da delegacia de Petrópolis foi arquivada, mas o processo para tentar impedir a permanência dele na corporação se arrastou no Supremo até 2014, quando o ministro Marco Aurélio de Mello devolveu a ação ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde ela acabou rejeitada e arquivada. E Silveira, com sua vaga na PM.