
Por Felipe Gurgel, no Diário do Nordeste
Morreu nesta sexta-feira (29), em um hospital particular de Fortaleza, vítima de Covid-19, o músico compositor, cantor e violonista cearense Evaldo Gouveia. A informação foi confirmada pelo biógrafo do artista, Ulysses Gaspar. O corpo de Evaldo Gouveia foi sepultado, na manhã deste sábado (30), no Cemitério Jardim Metropolitano, com a presença da esposa, a cantora Liduína Lessa, seguindo todas as normas recomendadas para sepultamento nesta época de pandemia.
Autor de “Sentimental Demais” e do samba-enredo “O Mundo Melhor de Pixinguinha”, dentre outras canções que ganharam espaço na memória dos ouvintes dos tempos áureos do rádio até cá, Evaldo Gouveia teve sua obra bastante interpretada e revisitada.
Conforme Ulysses, Evaldo estava com a saúde debilitada desde o fim de 2017, quando apresentou um quadro de pneumonia, em São Paulo. Na época, o artista se internou e no hospital teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC). De volta a Fortaleza, Evaldo ficou em tratamento até contrair o novo coronavírus, que debilitou ainda mais seu quadro.
Com 1.200 composições e cerca de 700 músicas gravadas, o estouro de seu repertório, na frequência radiofônica, foi impulsionado pela voz de cantores como Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Alaíde Costa e Maysa Monjardim. Antes de emplacar carreira solo, o cearense fez parte de formações como a do lendário Trio Nagô, ao lado de Mário Alves e Epaminondas Souza.
A relação com Altemar Dutra (1940-1983), em especial, marcou o ápice da carreira de Evaldo Gouveia. O cearense levou Dutra às boates de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), e o sucesso do cantor mineiro, interpretando as composições de Evaldo, levou ambos ao auge.
Com o capixaba Jair Amorim (1915-1993), parceiro por mais de três décadas, compôs sucessos como “Tango para Teresa”, “Brigas”, “Bloco da Solidão”, “O Trovador”, “Que queres tu de mim”, “Alguém me disse” e “O Conde”. Em “O mundo melhor de Pixinguinha”, a dupla contou com a participação de Euzébio do Nascimento.
Trajetória
Natural de Orós (CE), Evaldo nasceu no dia 8 de agosto de 1928 e tinha a memória identificada com o município de Iguatu (CE), para onde a família do artista se mudou quando ele tinha apenas três meses de idade. O compositor é referência da MPB da era do rádio, período que teve seu auge nas décadas de 1940 e 1950 no Brasil.
A consagração no Rio de Janeiro teve sua base, no fim da década de 1940, na reputação de Evaldo Gouveia pelo circuito de bares de Fortaleza e pelas premiações em programas de calouros da extinta Ceará Rádio Clube. Foi depois dessa fase que o cearense ajudou a fundar o Trio Nagô. Com o grupo, trilhou um amplo circuito de shows.
O trio fez sucesso no programa do radialista César de Alencar (uma espécie de “Faustão” do rádio), na Rádio Nacional (RJ). Nelson Gonçalves deu fôlego à repercussão de “Deixe que ela se vá”, música do Nagô. E nasceram, neste período da primeira metade da década de 1950, composições como “Somos Iguais”, “Serenata da Chuva” e “Sentimental Demais”.
Ulysses Gaspar lembra que a trajetória do conterrâneo inspirou a produção de livros e filmes. Em agosto de 2019, Gaspar escreveu “O que me contou Evaldo Gouveia”, livro de memórias do compositor, finalizado após mais de 400 horas de conversas gravadas, entre Fortaleza e o Rio de Janeiro. A obra foi concluída em 2017, mas o lançamento aconteceu apenas dois anos depois.
O evento, na Livraria Leitura, em Fortaleza, marcou a última aparição pública de Evaldo Gouveia. “Além de ser um grande compositor, ele era um grande contador de histórias. Tinha uma lucidez tremenda e eu queria passar tudo para o papel. O maior desafio é que o livro é como um filho: dá prazer, mas dá muito trabalho. O trabalho de escrever e de pesquisar, porque foram pesquisas de coisas antigas. Se ele falava de Jair Amorim, César de Alencar, precisava explicar para o leitor quem eram esses personagens”, detalha o autor.
Segundo ele, Gouveia tinha uma memória impressionante e, durante o processo de apuração do livro, o papo entre os dois chegava a durar sete horas seguidas. Cerca de cinco anos antes, o produtor lançou uma caixa de DVDs intitulada “Grandes Nomes da Música Cearense”. No material, Gaspar reuniu documentários sobre a estrada de Evaldo, Fausto Nilo, Fagner, Amelinha, Ednardo e Nonato Luiz.
“Foi muito gostoso de fazer também, a edição trouxe imagens ricas e Evaldo me contou uma síntese da trajetória dele. Desde o nascimento, a passagem pela vida artística, até os dias mais atuais”, complementa Gaspar.
“O Mundo Melhor de Pixinguinha”, em parceria com Jair Amorim, virou samba-enredo da Portela em 1974, e Evaldo ainda criou as chamadas “marchas-rancho”, a exemplo de “Bloco da Solidão”, celebrada nos bailes durante os anos de 1970.
O reconhecimento do apelo diverso de suas composições se deu, ainda, pela homenagem recebida na programação oficial do Carnaval de Fortaleza, em 2011. Como o parceiro Fausto Nilo, homenageado no ano anterior, Evaldo foi lembrado e teve sua obra revisitada, na ocasião, por 20 intérpretes nacionais e locais, com o lançamento do CD “Lá vai meu bloco, vai”.
Produzido pelo percussionista cearense Pantico Rocha, o disco reuniu nomes como Elba Ramalho, Jane Duboc, Zé Renato e Dominguinhos, pelo time nacional. E, dentre os locais, o próprio Evaldo participou (com “Canto Cearense” e “Esquinas do Brasil”), além de sua companheira, Liduína Lessa, Kátia Freitas, Marcus Caffé, Waldonys e a bateria do bloco Unidos da Cachorra.
Show
O conterrâneo Marcos Lessa, conhecido pelo Brasil desde o sucesso do programa ‘The Voice’, da TV Globo, em 2013, preparou, em setembro de 2018, um show dedicado à interpretação do cancioneiro de Evaldo Gouveia.
Além de celebrar a amizade e a parceria dos dois artistas – concretizada por meio de canções feito “Entre o mar e o sertão”, o tributo evidenciou como o legado de Evaldo, durante mais de sete décadas de trajetória artística, foi periodicamente “reinventado” pelas novas gerações.
Para montar o show, Lessa deu espaço ao “clássico” e ao “novo” dentre as criações de Evaldo Gouveia. O repertório trouxe a interpretação de canções como “O Conde”, “Bloco da Solidão”, “Alguém me disse” e “O Trovador”, além de quatro canções inéditas do homenageado.


