POR GERSON NOGUEIRA

A convocação era esperada com relativa ansiedade, embora o estilo turrão do treinador não deixasse margem a muita esperança. O Brasil esportivo torcia pela presença de Neymar e Paulo Henrique Ganso na lista definitiva de 23 jogadores pra disputar a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. No fim das contas, a decepção acabou se estabelecendo depois que Dunga e seu lugar-tenente Jorginho deram a conhecer a relação dos escolhidos.
O duo atacante do Santos que encantava o país há cerca de um ano estava excluído da Copa e, embora ninguém soubesse naquele momento, tinha seu futuro na Seleção Brasileira definitivamente comprometido pela decisão do Capitão do Mato que tinha o poder nas mãos.
Inimigo declarado do conceito de futebol-arte, profissão de fé que expressou inúmeras vezes, Dunga foi coerente consigo mesmo ao desprezar Neymar e Ganso, mas desagradou tremendamente a torcida brasileira. Ali, ao tomar aquela decisão que até hoje é discutida, ele também traçou a rota da Seleção em campos sul-africanos.
Com os nomes que preferiu levar ao mundial, Dunga montou uma Seleção Brasileira que iria apenas lampejos da tradição brasileira, sem jamais encantar a torcida e finalmente alcançar o hexacampeonato.
Em retrospectiva, é preciso dizer que a pressão que se estabeleceu pelos meninos malabaristas da Vila Belmiro tornou-se de cara um problema para Dunga, que advogava um “grupo fechado” com convicção de seu papel perante o país, além de um verniz evangélico que excluía atletas de comportamento pouco ortodoxo.
Aos 18 anos, Neymar era então verdadeiramente um menino, ainda fisicamente pouco robusto para o choque, item utilizado por Dunga para explicar a não convocação. Ganso, dois anos mais velho, era o mais cerebral jogador de meio-campo em atividade no Brasil. Funcionava como arco para a flecha que era Neymar, rápido e de drible irresistível.
Dorival Junior, então técnico dos dois no Santos, relatou há pouco tempo que chegou a conversar com Dunga sobre ambos, o que confirma que estavam no radar da comissão técnica do escrete.
O problema é que, além de encantar os sentidos com jogadas de pura arte, ambos se tornaram instantaneamente queridinhos da mídia e da propaganda. Foram chamados para um comercial que remetia à imagem da Seleção Brasileira e eram recebidos como astros pop em todos os aeroportos onde desembarcavam. Todo mundo imaginava como certa a presença dos dois na Copa
Como quase toda a torcida que acompanha o Círio, Dorival não tem dúvida de que Neymar e Ganso teriam sido muito úteis na Copa, caso tivessem oportunidades. Ressalva apenas que Dunga já tinha um trabalho desenvolvido há tempos e observava jogadores com outras características. Trocando miúdos, preferia atleta do tipo pé-duro e que segue ordens.
Gerenciar um grupo que tinha toda noite um culto na concentração, liderado por Jorginho, era tarefa bem mais mansa do que lidar com jovens impetuosos e que nem sempre se adaptam a normas e cartilhas disciplinares.
Em meio ao clima que se criou no país, o Santos produziu um vídeo com vários jogadores do elenco acompanhando nervosamente a convocação. O anticlímax gerado abateu a todos e deixou uma sombra de preocupação quanto ao papel que a Seleção iria desempenhar na África do Sul.
Acompanhei a preparação inicial da equipe, bem diferente do que ocorreu quatro anos antes na Alemanha. Jogadores não davam mole para entrevistas, Dunga controlava tudo com mão de ferro, fiel às exigências da CBF, que não queria ver a repetição da bagunça de 2006.
Os treinos só podiam ser acompanhados à distância e as entrevistas eram verdadeiras batalhas. Quando o time entrou em campo, com jogadores que não vivam o melhor momento de suas carreiras, as desconfianças se tornaram quase certeza quanto ao fracasso.
Felipe Melo foi a bomba-relógio que se esperava, Julio César falhou no momento decisivo, Kaká não era mais o jogador ágil de até três anos antes e Robinho, cria santista, vivia seus últimos momentos de brilho. O Brasil caiu diante da Holanda em Porto Elizabeth e nossa equipe (Tommaso, o saudoso Geo Araújo e eu) vivemos uma jornada cansativa em deslocamentos pelo frio e belo interior da África naquele fim de semana.
Neymar e Ganso poderiam ter sido o diferencial que Dunga não conseguiu ter para virar o chip diante de uma Holanda que nem era tão forte assim, mas jogou organizadamente e com mais sorte na partida decisiva. Triste é que o técnico tinha ainda a chance de uma substituição, mas acabou esquecendo e a Seleção voltou para, de novo de mãos vazias.
Podia ter sido bem diferente para o Brasil e para a dupla Neymar-Ganso, que se separou e nunca teve a chance de brilhar com a camisa do escrete.
A nostalgia como meio e incentivo para salvar carreiras
O veterano Fred, execrado pela torcida após a pífia participação na Seleção que disputou a Copa do Mundo de 2014, vive há uns bons cinco anos do nome que construiu na fase inicial da carreira, como artilheiro no Fluminense e Atlético-MG, principalmente.
Aos 36 anos, acaba de deixar para trás um período decepcionante com a camisa do Cruzeiro, onde continuou ganhando muitíssimo bem (em torno de R$ 850 mil em carteira, fora a remuneração por direito de imagem) enquanto o time afundava miseravelmente.
Com a queda para a Segunda Divisão, o centroavante tratou de ir ao mercado buscar um novo refúgio, mas já se mostra disposto a reduzir sua pedida salarial. O alvo agora é o Fluminense, onde ele firmou nome junto à torcida no tempo em que ainda balançava as redes.
No Cruzeiro, era o campeão em ganhos salariais e o que menos jogava, atuando em média dois em cada cinco jogos durante a última temporada. Bicampeão pelo Flu (2010 e 2012), Fred sonha em reviver momentos grandiosos nas Laranjeiras, mas a torcida se mostra desconfiada com o pacote oferecido.
Com folha salarial de R$ 3,5 milhões mensais, o Flu vive às voltas com uma crise que se arrasta há quatro anos, mas, ainda assim, avalia a ideia de recontratar o veterano. Coisas do Brasil e de seu futebol que adora flertar (perigosamente) com a irresponsabilidade.
(Coluna publicada na edição do Bola desta quarta-feira, 13)