POR GERSON NOGUEIRA
O papel dos técnicos nesta quarentena é estratégico para que os times tenham um aproveitamento satisfatório no reinício das competições. Mesmo nos Estados que apressaram o retorno aos treinos, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os treinadores se mostram cautelosos quanto à volta dos jogos. Todos, unanimemente, recomendam que haja mais cuidado e respeito às orientações das autoridades sanitárias.
No futebol gaúcho, foi estabelecido um protocolo com prazos e recomendações antes de retomar o campeonato estadual. A federação se propôs a garantir testes de covid-19 aos clubes do interior. Há a compreensão de que é necessário fazer a testagem dos atletas antes de treinos e jogos. A dupla Gre-Nal já retomou treinamentos, com imagens que revelam pouca preocupação com o distanciamento físico entre os jogadores.

A situação é exemplar para o futebol paraense, onde os grandes da capital vivem uma realidade bem mais crítica que a dos clubes interioranos. Cada município tem situação específica quanto à doença, mas alguns foram mais afetados (Belém, Santarém, Castanhal) pela covid-19, outros nem tanto.
Significa que, por maior que seja a pressão pela volta do futebol, dificilmente a FPF irá autorizar de imediato o recomeço do Parazão. A capital está entrando no pico da pandemia e algumas cidades próximas não teriam como receber jogos. Em previsão respaldada pelo Ministério da Saúde, Hélio dos Anjos (PSC) estima que os jogos só voltarão a partir de agosto.
Nessas circunstâncias, entra em cena o relevante papel dos treinadores quanto ao trabalho de manutenção técnica e física dos elencos. O Campeonato Paraense foi paralisado no dia 19 de março, apanhando a maioria dos times na chamada fase de maturação na temporada.
Um dos times mais prejudicados pela suspensão do torneio foi o Castanhal, dono de consistente campanha – 14 pontos somados, 17 gols marcados e dependendo de uma vitória para garantir presença nas semifinais.
Em entrevista recente, o técnico Artur Oliveira mostrou-se preocupado com a preparação física do time em meio à quarentena. Apesar do empenho de todos os atletas em respeitar as orientações distribuídas pela comissão técnica, não é possível estabelecer com segurança que todos estarão em plena forma quando o campeonato reiniciar.
Artur avalia que será necessário um período de dez dias de trabalho para que o condicionamento físico do elenco volte ao estágio anterior à interrupção do Parazão. Como ex-jogador, o treinador sabe que a parada implica em quebra do ritmo de competição, perda de disciplina e pouca obediência a horários.
Das opiniões que técnicos e preparadores vêm emitindo é possível perceber que a decretação da quarentena pegou a todos de surpresa, sem qualquer referência segura sobre como agir. Não há exemplo anterior na história do esporte que sirva de balizamento, nem literatura ou vídeos que ajudem a enfrentar o desconhecido. Enfim, tudo está por ser descoberto.
Para Luxa, futebol não deve ser preocupação maior
Um dos mais experientes treinadores em atividade no país, Vanderlei Luxemburgo, do Palmeiras, tem mostrado postura cautelosa em relação ao plano mais adequado de atravessar a quarentena. Mostrou uma interessante visão humanista do problema em vídeo divulgado ontem pelo clube:
“As pessoas estão muito preocupadas com o futebol, com se ele fosse mover o mundo. A preocupação é com a pandemia do momento do mundo, com a saúde, letalidade do vírus. Essa é a preocupação que todos têm de ter, que caminho tomar e como acabar com esse vírus. Futebol está seguindo esse contexto”.
Sim, Luxa tem razão. Pessoas são mais importantes que competições esportivas. A vida não tem preço.
No mundinho da bola, pensar criticamente pode custar caro
A polêmica em torno das críticas públicas de Raí à postura do presidente da República em meio às ações de enfrentamento da pandemia começa a adquirir contornos mais pesados – e sujos. Setoristas do São Paulo revelam que o diretor-executivo de futebol do clube teve a cabeça colocada a prêmio por conselheiros e associados mais conservadores.
O posicionamento corajoso e honesto não caiu bem junto a determinados setores do clube mais tradicional de São Paulo. A coisa azedou ainda mais depois que o ex-presidente Lula elogiou Raí em mensagem postada no Twitter: “Nunca é tarde para enaltecer um grande gesto. Meu abraço ao Raí. Você mostrou que tem o mesmo DNA do Doutor Sócrates. Não se muda a realidade sem ter opinião política”.
Raí já havia sido cornetado por Caio Ribeiro, comentarista da Globo e filho de um conselheiro são-paulino. Caio, sempre fiel ao modelito coxinha desde os tempos de atacante mediano, censurou o irmão do Doutor Sócrates por expressar um posicionamento político. Para ele, Raí deveria se ater a questões relacionadas com o futebol do São Paulo.
Ontem, surgiu a informação de que membros do Conselho Deliberativo do São Paulo estão pressionando o presidente do clube, Leco. Odair Busoli, membro da oposição no clube, criou um requerimento para colher o máximo de assinaturas para exigir uma retratação pública do diretor-executivo.
Outros conselheiros exigem a demissão sumária de Raí, sob a alegação de que, como funcionário remunerado do São Paulo, ele fere o estatuto do clube ao emitir opiniões políticas. “Essa declaração do Raí é um claro sinal de que o São Paulo não tem comando”, afirma Denis Ormrod, um dos conselheiros mais ativos dentro do Morumbi, ao lado de Abílio Diniz.
A confusão mostra que, ao contrário do que se supõe, o Brasil feudal continua mais vivo do que nunca. A evidência disso está nas manifestações de desprezo e hostilidade à liberdade de expressão e pensamento. Em meio a isso, não há como não reverenciar Sócrates, que em plena ditadura militar não teve medo de enfrentar os poderosos de plantão.
(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 07)