É inquestionável que os clubes encaram um cenário de graves perdas com a ausência de torcida nos estádios. É indiscutível, porém, que medidas preventivas são absolutamente obrigatórias, mesmo no Pará, Estado ainda sem registro de contágio pela Covid-19. É temerária – e até irresponsável – a crítica que alguns médicos fazem às medidas restritivas, sob a alegação de que o vírus ainda não havia chegado por aqui.
Pois chegou. A Sespa confirmou o primeiro caso de contaminação em Belém. A tendência é de que os casos se multipliquem – o Ministério da Saúde contabilizou apenas ontem 80 novos registros no país. A progressão da contaminação é inevitável, o que reforça a necessidade de medidas cautelares e adoção de cuidados básicos.
Nesse aspecto, a aglomeração responde pelo maior percentual de contágio, o que reforça a necessidade de confinamento. A alguns soa como medida suficiente fechar portões para a continuação do Campeonato Paraense. É uma forma de atenuar riscos, mas insuficiente para proteger os profissionais envolvidos nos eventos.
Atletas, integrantes de comissões técnicas, equipes de arbitragem, técnicos e uma gama de profissionais de imprensa e de apoio terão necessariamente que conviver por algumas horas, no campo e nos vestiários. Ignorar essa situação de vulnerabilidade como se nada de grave estivesse acontecendo é brincar com o perigo, atitude justificada (em termos) pelo desespero dos clubes em atenuar o déficit financeiro que se avizinha.
A dupla Re-Pa, por exemplo, com folhas salariais em torno de R$ 500 mil, teme a prolongada estiagem do futebol e a consequente falta da receita que vem das bilheterias. Dirigentes têm motivos de sobra para defender a continuidade do torneio e a programação dos jogos para sábados, domingos e meios de semana permitirá reduzir perdas.
Com o fim da fase classificatória, o Parazão passará a ter apenas as fases decisivas pela frente, garantindo que os atletas contratados até o final da competição possam ser liberados de imediato, sem a necessidade de onerar custos com o prolongamento de contratos.
Na reunião de terça-feira, 17, na FPF, a decisão paliativa foi abraçada unanimemente pelos 10 clubes, o que expressa o quadro de aflição geral. Os dois grandes da capital têm despesas maiores, mas os interioranos também sofrem com a ausência de receita.
Caso o cenário não sofra alterações relevantes nos próximos dias, o arranjo avalizado pela FPF deve conduzir o campeonato a um final antecipado e conveniente para todos os clubes. É fato, contudo, que a competição perde (o que ainda havia de encanto) com o fechamento dos portões, pois o futebol se abastece da emoção e do calor que vêm das torcidas.
A necessidade de rigidez nos procedimentos de enfrentamento à Covid-19 é relativizada por muitos – inclusive autoridades federais –, mas é de plena e consciente aceitação pela população. Escolas, faculdades, cinemas, repartições públicas, restaurantes, shoppings, academias, eventos musicais e religiosos já são afetados pelas medidas preventivas, em maior ou menor escala.
O futebol profissional não é uma bolha. Não pode ser exceção quando o mundo se mobiliza contra um perigo real e imediato. A pergunta óbvia é: até quando esperar que o bom senso seja exercitado por todos?
Com sindicatos fracos, atletas perdem voz e voto
Jogadores de futebol são empregados e devem obrigação aos clubes, seus empregadores. Não podem, portanto, se recusar a entrar em campo para jogar. Com a decisão de realização de jogos, todos estarão em campo nos próximos dias, submetendo-se a risco que boa parte da população não terá que enfrentar.
O quadro de extrema gravidade, com alta incidência de contaminação, fez com que a CBF (até ela!) recomendasse a suspensão de todos os campeonatos. Alguns Estados, entre os quais o Pará, optaram por manter as partidas.
Num cenário de baixa conscientização sobre seus direitos, com sindicatos historicamente anêmicos e esvaziados, os atletas submetem-se – sem direito a voto ou voz – bovinamente às resoluções impostas de cima para baixo, incluindo assunto de seu interesse direto. É triste e, ao mesmo tempo, trágico.
Um grito de alerta que vem da Itália
Da Itália, país que tem apresentado os números mais assustadores da Covid-19, o ex-jogador Amoroso disse ontem à Band que o Brasil deveria ter paralisado todas as atividades esportivas após a confirmação do primeiro caso de coronavírus. Direto de Udine, na Itália, o ex-atacante contou que sua família está confinada em casa há 18 dias.
“Não é brincadeira o que aconteceu aqui na Itália. O Brasil tem a vantagem de aprender com o que aconteceu aqui na Europa, se proteger, porque as pessoas não estão dando valor. A gente ainda vê transporte público funcionando, pessoas em bares, pessoas em shoppings, pessoas em academias. Tem que parar tudo, porque, se não parar, vai alastrar”, alertou.
“Já tinha que ter parado tudo. A partir do primeiro caso que o Brasil, já era para ter começado a encerrar todo e qualquer tipo de aglomeração de pessoas. O Brasil é muito grande, então, para se alastrar numa comunidade mais simples, é muito rápido, e, depois, não tem como segurar. Infelizmente, a minha preocupação é com isso. E a gente tem avós, pais idosos, que são afetados de imediato”.
As dicas de Amoroso dirigem-se a todas as pessoas que vivem e militam no futebol. Resguardar a vida e a segurança das pessoas deveria ser item inegociável.
(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 19)
E as manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro se espalharam pelo Brasil nesta quarta-feira. As manifestações inicialmente agendadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e as centrais sindicais foram canceladas por conta dos casos de coronavírus. O ato havia sido chamado para defender a educação, mas outros movimentos aderiram e, por conta da convocação de Bolsonaro para as manifestações de 15 de março, o governo passou a ser o foco, com o mote Ditadura Nunca Mais.
Contudo, o que se viu na noite desta quarta-feira foram panelas batendo até mesmo em locais considerados redutos bolsonaristas, como o bairro Águas Claras, em Brasília (DF). Nesta terça-feira, o deputado distrital Leandro Grass (Rede-DF) encaminhou o primeiro pedido de afastamento de Bolsonaro na Presidência, por conta da convocação de atos contra o Congresso e o Judiciário que ocorreram no último final de semana.