Por André Forastieri
“Uma vez eu estava em Nova York e assisti uma palestra sobre o negócio de construir penitenciárias – uma indústria que cresce muito na América. Eles precisam planejar seu crescimento futuro – quantas celas vão precisar? Quantos prisioneiros vão estar na cadeia, digamos, daqui a 15 anos?
E eles descobriram que conseguem prever isso muito facilmente, usando um algoritmo muito simples, baseado na porcentagem de crianças de 10 a 11 anos que não conseguem ler.
Os Chineses promoveram sua primeira convenção de fantasia e ficção científica em 2007, eu estava lá. Perguntei, por que agora?
Responderam: nós Chineses somos brilhantes para copiar os outros, mas somos fracos em inovação. Não inventamos nada, não imaginamos coisas novas.
Então o governo mandou uma delegação aos EUA, para visitar a Apple, a Microsoft, o Google, e conhecer como eram as pessoas que estavam lá inventando o futuro. E todos eles tinham lido ficção científica, quando eram meninos ou meninas.”
Com argumentos como esses acima, fica difícil resistir ao gentil manifesto de Neil Gaiman pela leitura, pelas bibliotecas, e principalmente pelo prazer de ler.
Os parágrafos fazem parte de uma palestra que ele deu recentemente em favor da The Reading Agency, uma organização que promove a leitura no Reino Unido.
É o cara certo para esta pregação. Neil Gaiman vive entre a alta literatura e o gibi, entre Borges e Hollywood, a mitologia e o rock’n’roll. Nunca sacrificou o apelo pop para impressionar a crítica.
Escreve para crianças, adolescentes, adultos – frequentemente, ao mesmo tempo. Seu mais recente livro é sobre mitologia nórdica; já existe uma série de TV baseada no seu livro Deuses Americanos, que tive o prazer de publicar aqui na minha editora, a Conrad.
Mas seguirá sempre conhecido como o criador de Sandman, uma das mais adoradas histórias dos quadrinhos (que também publiquei! E trouxemos Neil para o Brasil, uma vez. História para outro dia…)
Neil, quase sessentão, sempre de preto, ainda posa de rockstar dark-fofo e derrete as fãs. Mas devagarinho se converte em outro arquétipo: o velho sábio, sarrista e um pouco ranzinza, que tem muito a ensinar.
Suas palavras são brisa suave que sopra pra longe o cinismo. Sua preleção inspira. Não resisto a traduzir uns trechinhos.
“A ficção é uma porta para a leitura em geral. O impulso de querer saber o que acontecerá depois, de virar a página, de continuar, mesmo que seja difícil, porque alguém está com um problema e você quer saber como vai ser o fim da história – é um impulso muito real.
E te força a aprender palavras novas, a pensar pensamentos novos, a continuar… e quando você aprende isso, está na estrada para ler tudo.”
“A maneira mais simples de garantir que criaremos crianças alfabetizadas é ensiná-las a ler, e mostrar que ler é um prazer. Qualquer livro que elas curtam…”
“Ficção constrói empatia. Quando você vê TV ou um filme, está olhando coisas acontecendo com outras pessoas. Ficção em prosa é algo que você constrói com 26 letras e um punhado de pontuação, e você, só você, usando sua imaginação, cria um mundo e pessoas nele e olha através de outros olhos.
Sente coisas, visita lugares e mundos… aprende que todas as outras pessoas lá fora também são um eu. Você está sendo outra pessoa, e quando volta ao seu próprio mundo, está ligeiramente transformado.
Empatia é uma ferramenta para reunir pessoas em grupos, e permite que funcionemos como mais que um indivíduo obcecado por si mesmo.”
“Ficção pode mostrar um mundo diferente. Depois que você visitou outros mundos… nunca mais estará inteiramente satisfeito com o mundo em que você cresceu.
Insatisfação é uma coisa boa: pessoas insatisfeitas podem modificar e melhorar seus mundos, fazê-los melhores, transformá-los.”
“Todos nós – adultos e crianças, escritores e leitores – temos obrigação de sonhar acordados. Temos obrigação de imaginar. É fácil fingir que ninguém pode mudar nada, que estamos em um mundo em que a sociedade é enorme e o indivíduo menos que nada: um átomo numa parede, um grão de arroz numa plantação.
Mas a verdade é que indivíduos mudam o mundo o tempo todo, indivíduos fazem o futuro, e eles o fazem imaginando que as coisas podem ser diferentes.”