POR GERSON NOGUEIRA
Os narradores de TV se esgoelaram, felizes e estridentes com a goleada. Os pachecos canarinhos deliraram com o fim do jejum de gols do escrete. Todos eufóricos com a exuberante exibição dos meninos olímpicos. Tudo muito bem, só que quase ninguém prestou atenção no nível do adversário. O fato é que a Dinamarca pratica um futebol indigente, tecnicamente inofensivo. Deu um chute a gol – e foi um peteleco – sem representar qualquer perigo para o Brasil.
É verdade que os dois jogos anteriores foram contra times (África do Sul e Iraque) igualmente patéticos e, ainda assim, a seleção não conseguiu nem fazer gols. Por esse ponto de vista, é inegável que a atuação de ontem representa uma evolução.
Houve movimentação entre os setores da equipe e intensa troca de posição dos homens de frente, principalmente Gabriel Jesus, Neymar e Luan. Por instantes, deu até para sonhar com uma seleção principal jogando dessa forma, usando as mesmas peças.
Além de tudo isso, o time jogou objetivamente, evitando desperdícios. Gabriel Jesus desta vez só perdeu duas chances e Gabriel (o tal Gabigol) errou três chutes. Com Neymar consciente de sua importância para a garotada, correndo tanto quanto os demais e esforçando-se para limpar a barra perante a torcida, o Brasil foi intenso e sempre superior.
É claro que não se pode esquecer que do outro lado estava uma Dinamarca atrapalhada, que não sabia sair de seu campo e errava dois em cada três passes. Portanto, desaconselha-se embarcar nos excessos de paparicos que os homens da TV tentavam fazer aos “meninos do Brasiiil”.
O jeito organizado de jogar foi o segredo para a súbita melhora. Até a saída de jogo pelos lados funcionou bem desta vez e os homens da transição – Ricardo Augusto e Wallace – estiveram impecáveis.
Não se pode subestimar a importância das conversas que Tite teve com o grupo e com o próprio Rogério Micale depois da tenebrosa apresentação contra o Iraque. A título de injetar motivação, o técnico da Seleção Brasileira reorientou as opções do time, reposicionou peças e ajudou a encontrar um caminho competitivo.
Não fez mais do que sua obrigação, diga-se. Pela importância desmedida que a CBF dá à medalha de ouro olímpica, Tite deveria ter assumido a seleção. Esquivou-se da espinhosa missão, alegando malandramente que não queria levar os louros em caso de uma conquista.
Por trás dos panos, porém, deve ter sido chamado a colaborar com Micale, um técnico aplicado, mas ainda inexperiente. Pelo menos pela atuação de ontem, pode-se dizer que a interferência foi bem-vinda.
Como foi positiva para os brios dos atletas a louvação nacional em torno de Marta, da seleção feminina. Comparada a Neymar, ela se tornou símbolo do Brasil bom de bola, ganhando adeptos e colecionando elogios. O efeito sobre a vaidade do craque do Barcelona e de seus companheiros ficou mais do que evidente no gramado da Arena Fonte Nova.
—————————————————-
Dewson e a fúria dos preconceituosos
Com grande destaque na temporada passada, Dewson Freitas despontou como um dos melhores do quadro de árbitros da CBF, tomando a frente em relação a muitos profissionais do eixo Sul-Sudeste. Corre o sério risco de perder todo o prestígio adquirido à custa de muito esforço e competência.
Tudo porque adota um estilo “europeu” de apitar, minimizando algumas faltas e dando prioridade à beleza do jogo. Com ele no apito, a bola dificilmente para. Infrações para “parar o jogo” também não são levadas em consideração.
Algumas vezes acaba exagerando nesse critério e deixando de marcar faltas graves, merecedoras de punição rigorosa. Foi mais ou menos assim que caiu em desgraça junto a clubes politicamente fortes junto à CBF.
Sofre uma saraivada de críticas por dois lances polêmicos.
No confronto entre Flamengo e Santos, na semana passada, deixou de assinalar um pênalti reclamado estridentemente pelos rubro-negros. A tal bola na mão. Em cima da jogada, Dewson interpretou como lance normal – e acertou.
Na última segunda-feira, apitando Corinthians e Cruzeiro, deixou de marcar um pênalti claro do goleiro Cássio sobre o atacante Ábila. A partida terminou empatada e o árbitro paraense virou alvo de duros ataques por parte dos cruzeirenses, situação que culminou com sua suspensão pela comissão de arbitragem da CBF.
Exigente e perfeccionista, Dewson deve ter consciência da falha cometida. Como cidadão esclarecido, deve saber também que sua condição de nortista pesa muito na maneira como a comissão resolveu tratar o problema.
Muitos dos árbitros mais conhecidos do país, como Sandro Meira Ricci e Héber Roberto Lopes, são useiros e vezeiros em lambanças sem que sejam atingidos com mão tão pesada. Ricci veio apitar o jogo do Paissandu contra o CRB pela Série B e conseguiu complicar marcações simples. Apesar dos muitos vacilos ao longo da carreira, está no torneio olímpico de futebol e representou o Brasil na Copa do Mundo de 2014.
Dewson certamente emergirá desse episódio ainda mais forte e amadurecido, mas precisará estar cada vez mais atento aos donos do futebol no Brasil.
—————————————————
Direto do blog
“É sempre assim: os jogadores são responsabilizados individualmente por eventual fracasso fruto da desorganização e incompetência crônica na gestão do nosso futebol. Até o povo da ESPN, tido como o mais independente, acabou embarcando no oba-oba de uma seleção formada às pressas, justamente porque prevalece a ideia individualista e fantasiosa de dream team.
Por que não formar uma seleção que tenha espírito coletivo, combatividade e aplicação tática, em vez de formar um time de ocasião em que super-heróis são chamados às vésperas do perigo pra derrotar os inimigos?”.
Jorge Paz Amorim, focando na origem dos problemas da seleção olímpica.
(Coluna publicada no Bola desta quinta-feira, 11)