Entre a culpa e a suspeita

Por Mauro Ventura, do Rio

Chego de São Paulo e atravesso a passarela para pegar um táxi longe do Aeroporto Santos Dumont. Caminho distraído quando ouço uma voz:

– O senhor me pagaria duas fotos 3×4? Eles exigem para se inscrever como faxineiro.

Mal esperei a frase terminar e já respondi, sem nem olhar para o rosto:

– Não vai dar, não.

Já vi muito golpe, de gente dizendo que foi roubada e precisa de dinheiro para a passagem, e achei que fosse uma variante. Mas logo fiquei culpado: “E se for verdade?” Arrependido, fiquei observando o homem a uma distância prudente, de forma que ele não pudesse me ver. Estava com um envelope nas mãos. Podia bem conter algum documento. E eu nunca tinha ouvido falar de alguém pedir dinheiro para foto. Aproximei-me e perguntei:

– Que história é essa de foto?

Ele abriu o envelope, mostrou-me uma ficha de inscrição e disse que havia se candidatado a uma vaga de faxineiro. Mas faltavam as fotos. Tinha ido tirar no aeroporto, e viu que custavam R$ 12,50. Como não tinha dinheiro, a atendente disse que não podia fazer nada. Ele saiu em busca de ajuda. Um homem se dispôs a pagar, mas, como já estavam longe do aeroporto, foram a uma outra loja, mais perto. Só que o estabelecimento já não fazia mais o serviço, e o senhor que o acompanhava teve que ir embora. Recomendaram-lhe outro lugar, a umas quadras dali. Eu disse que iria com ele.

No caminho, conversamos. Ele explicou que tinha um ônibus pirata, que fazia a ligação entre Queimados e a Central do Brasil, mas que o veículo fora apreendido pela prefeitura e que seria preciso pagar R$ 6.800 pela liberação. Como ele não tinha esse valor, deixara para lá. Comentei que tinham feito muito bem em confiscar o ônibus, que não se podia dirigir um veículo irregular, que era arriscado e ilegal. Aos ouvidos dele, deve ter soado como um grande blá-blá-blá.

Ele disse que agora quer um trabalho honesto. Mas vinha levando várias negativas, seja porque morava muito longe, seja por ter mais de 50. Tinha 53 anos, mas se me dissessem que eram 70 eu acreditaria. Ele explicou que emagrecera e envelhecera demais nos últimos tempos. Tinha diabetes, a Santa Casa estava fechada e com isso ele não podia pegar seus remédios gratuitos. Sentia tonturas frequentes. Mostrou-me a receita do médico para provar. Enfim chegamos à papelaria.

– Não tiramos mais fotos – disse o dono.

– Tem algum outro lugar que tire? – perguntei.

– No caminho da Cinelândia tem.

Já andávamos há algum tempo pelo Centro e ainda teríamos que andar mais. O sol queimava, eu puxava uma mala e estava atrasado para o jornal. Abri a carteira, dei-lhe R$ 10 e perguntei se ele se importava de procurar a loja sozinho. Ele disse que não e contou que voltaria ao aeroporto. A distância era longa, pensei, mas pelo menos eu sabia que lá ele teria um local garantido para tirar a foto. O homem agradeceu e falou que pediria os R$ 2,50 restantes no caminho.

Disse-lhe tchau, virei as costas, parti e só aí me dei conta de algo: “Por que não dei logo os R$ 12,50, poupando-lhe de ter que ficar convencendo outra pessoa de que não era golpe?” Segui em frente pensando em como o Rio deixa a gente culpado.

3 comentários em “Entre a culpa e a suspeita

  1. Já passei por muitas situações semelhantes e hoje não dou o dinheiro, se o pedido for para comprar remédio, eu acompanho o cidadão até a farmácia e avio a receita, se for comida, pago-lhe um prato em algum restaurante, mas deixei de doar em espécie pois são imensos os casos de enganadores!
    Mas na situação acima descrita certamente teria pago as fotos lá no aeroporto, seria menos inconveniente!

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