Será?

Por Daniel Malcher
É comum relacionarmos o atual desatino bicolor na Série B às atabalhoadas ações administrativas do clube capitaneadas por seus dirigentes. Aliás e afinal, todos os martírios alvi-azuis nos últimos anos, bem como os azulinos, têm grande parcela de contribuição dos cartolas das agremiações, algo em torno de 90%. Mas a questão que se impõe a todos nós, amantes do futebol de nossos clubes, é a seguinte: por que erramos tanto?
Costumo dizer que o futebol local perdeu o bonde da história. Talvez nem tenha sequer percebido quando o mesmo passou. Temos claudicado perante adversários sem tradição que outrora facilmente eram batidos. Por que, por exemplo, muitos jogadores e mesmo treinadores quando saem de Belém rendem em outras praças, inclusive algumas de maior pujança futebolística? Creio que as coisas residem num binômio paradigmático difícil de ser suplantado no Pará esportivo: o apego excessivo ao passado e o provincianismo gerencial e administrativo.
O apego excessivo ao passado de glórias de Remo e Paysandu gerou aleijões quase insuperáveis, pois adquiriram capilaridade. Somaram-se a outras aberrações mais recentes como as falanges uniformizadas. Reforçaram nossas percepções e crenças em cartolas iluminados, cheios de asseclas endinheirados, espécies de próceres populistas autoritários, porém afáveis, necessários à governança dos clubes. Aliás, as únicas possibilidades.
Eles deveriam ser os condutores da nau. Eles comandariam o clube em todas as suas instâncias e, tal como padrinhos, injetariam seus recursos físicos, espirituais e financeiros, numa espécie de sacerdócio, um primado da abnegação no ofício de administrar as flâmulas alvo de nossas paixões coletivas.
Assim, quando o futebol começava a virar business, ainda acreditávamos no improviso fruto do esforço coletivo. Quando as competições de grande monta começavam a se profissionalizar velozmente, tornando-se mais competitivas, ainda festejávamos “apenas” nossa rivalidade local. Quando o interior do Nordeste e demais rincões do país passaram à alça de mira dos clubes brasileiros mais antenados, ainda víamos o interior paulista e os certames alfanuméricos dos bandeirantes (A-1, A-2, B-1 etc) como um manancial de bons e jovens talentos. Quando pensávamos numa competição nacional regionalizada e com viagens curtas, a bola dava uma guinada no país e institucionalizava-se o ponto corrido do “todos contra todos, ida e volta”  e de viagens longas, onerosas e desgastantes. Quando ainda víamos as divisões de base como o lugar que forjaria o atleta na dificuldade imposta pela precariedade e pelo improviso diletante, os mais arrojados viam as categorias inferiores como a “galinha dos ovos de ouro” que proporcionaria aos clubes fazerem caixa com a venda de jovens atletas ou mandá-los bem preparados para os chamados “times de cima”. Quando ainda achávamos que meias somente criavam e lançavam, atacantes somente finalizavam e zagueiros apenas eram zagueiros quando fossem “zagueiros-zagueiros”; outros acreditavam que o futebol não poderia mais se dar ao luxo de imobilismos e da falta de dinamismo. Quando ainda achávamos que os jogadores iluminados faziam a diferença e seriam as únicas possibilidades de se alcançar vitórias para uma equipe com uma falta bem batida, um drible capaz de cavar pênalti, uma malandragem aqui e ali para ludibriar os homens de preto; outros acreditavam que o conjunto e a aplicação tática também eram importantes para o sucesso de um time.
O provincianismo gerencial e administrativo de nossas maiores instituições futebolísticas, a outra metade da fruta podre, logo é mais efeito da primeira banda do que causa primogênita de nossos dissabores.
Será que é por isso que Marlon, Cicinho, Ganso, Giovanni, Borges, Bruno Rangel, e outros dos quais não recordo, conseguem ter sucesso lá fora após patinarem em nossos campos?
Será que é por isso que nossas equipes jogam um futebol cadenciado e modorrento enquanto os outros voam no relvado?
Será que é por isso que somos intensos apenas nos primeiros 25 minutos de um prélio?
Será que é por ser mas não querer parecer como todos os outros que o presidente bicolor desaparece?
Será que é por isso que equipes como Icasa, Boa Esporte e que tais passeiam incólumes pela Série B nacional e nós pelejamos titanicamente para sair de uma imberbe zona de descenso?
Será que é por isso que estamos nesse estado semi-comatoso, onde um luta para ficar na Série B nacional e outro sem competição alguma por disputar?
Será?

3 comentários em “Será?

  1. Concordo plenamente com o comentarista alvi-azul Daniel Malcher.
    O que ocorre é que nossos dirigentes são ainda “dirigentes-torcedores”, ainda na dependência da bilheteria, exatamente como nos anos 70; ainda contando com a boa sorte de aparecer um atleta diferenciado e vendê-lo aos clubes do sudeste a preço vil. Onde estão os projetos para o amanhã, e não apenas a visão do imediatismo burro?
    Até mesmo a eleição do bicolor Vandick, festejada por muitos, com o tempo veio a mostrar que nada de novo acrescentou; que o modelo de gestão segue o mesmo dos seus antigos diretores nos anos 80 e 90.

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  2. Texto muito bem apanhado. Mas, Daniel, me permita estranhar a ausência de um “será”, o qual reputo da maior importância numa análise da grandeza desta que você empreendeu.

    Falo daquele relacionado ao procedimento no mínimo intrigante que admite a contratação de enxurrada de nenhuma qualificação, ou de já esgotadas potencialidades físicas, tipo Finazzi e Ramon no meu Clube do Remo (deixo os exemplos do seu paysandu pra você mesmo apontar), mediante “parcerias” de técnicos/diretores com empresários, a partir de arranjos financeiros que passam por agiotas, e, agora, até mesmo por factoring, tudo lastreado no patrimônio dos clubes e na paixão da torcida. Este aspecto não mereceria um serazinho não?

    Falo isso porque me parece que se é verdade que n’alguns importantes aspectos da modernidade o futebol paraense realmente deixou passar o trem da história, num aspecto bem específico, ele parece demasiadamente bem antenado com as mais criativas práticas utilizadas na atualidade para fazer operações financeiras a partir de clubes de futebol.

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