A 90 minutos do acesso

Por Gerson Nogueira

Foi pouco. O escore de 2 a 0 não retrata a total superioridade do Paissandu no segundo tempo do jogo. Depois que Rafael Oliveira fez o primeiro surgiram pelo menos mais três chances claras. Quando Pikachu marcou o segundo, novas oportunidades se escancaram. O Macaé, exaurido, não acompanhava as subidas dos laterais e abriu a guarda. Deve estar agradecendo aos céus por não ter saído de Paragominas com o balaio cheio. Cabiam pelo menos mais dois gols.

O começo não foi tão favorável ao Paissandu. Sem lances de emoção, o primeiro tempo foi truncado, com muitos tombos e trombadas, reclamações de parte a parte, catimba correndo solta. De futebol, que é bom, muito pouco.

O Paissandu tinha o domínio aparente, controlando o jogo no meio, mas permitia perigosos espaços pelo lado direito da defesa, ficando bem perto de sofrer o gol. Em três contra-ataques, puxados por Zambi, o Macaé quase chegou lá. Foram as únicas situações claras de gol.

Para o segundo tempo, diante dos riscos corridos nos 45 minutos iniciais, Lecheva percebeu a necessidade de mudança. A alternativa para garantir mais força ofensiva foi a substituição do apagado Harisson para a entrada de Rafael Oliveira, famoso por ter balançado as redes duas vezes contra o Macaé pelo São Raimundo na Série D 2009.

Com isso, o Paissandu passou a jogar no 4-3-3 puro, abandonando a postura cautelosa. Antes que a mudança surtisse algum efeito, entrou em cena o sobrenatural de almeida. Logo a 2 minutos de jogo, surgiu o gol tão esperado. Depois de falta cobrada do lado esquerdo, o carrasco Rafael desviou de cabeça e estufou o barbante.  Foi seu primeiro contato com a bola, comprovando a mística contra o Macaé.

Na sequência, com a zaga adversária batendo cabeça, o Paissandu podia ter feito o segundo até com facilidade. Antes dos seis minutos, o próprio Rafael perdeu outra chance. Tiago Potiguar, finalmente posicionado mais à frente, onde atua melhor, acertou um tiro forte da intermediária e quase encaçapou. Rodrigo Fernandes também arriscou de longe, com perigo.

Tanta movimentação estabeleceu a diferença entre a produção do time nos dois tempos. Com um meio-de-campo lento e pouco criativo, o Paissandu aceitou a marcação do Macaé e pouco ameaçou no ataque. Na etapa final, ao contrário, com mais vibração e presença ofensiva, o time se soltou e passou a mandar no jogo.

Aos 19 minutos, um cruzamento despretensioso gerou o segundo gol bicolor. Kiros, que não chegaria na bola, foi empurrado por um zagueiro do Macaé e o pênalti foi assinalado. Pikachu converteu, com categoria.

Em seguida, Tiago Potiguar e Rafael Oliveira desperdiçaram três boas oportunidades, que poderiam ter assegurado uma vantagem bem mais sólida na disputa da vaga.

O Macaé, visivelmente cansado, não conseguiu mais acertar a marcação no meio-de-campo e abandonou a opção do contra-ataque, sua principal arma no começo do jogo. Parecia totalmente entregue nos minutos finais, escapando da goleada pela agilidade do bom goleiro Luís Henrique e a imperícia dos atacantes paraenses.

No fim das contas, o Papão tem motivos para festejar bastante sua primeira vitória em mata-mata da Série C. O placar de 2 a 0 não garante nada, mas, nas circunstâncias, é um resultado precioso. Feita a lição de casa, com louvor, o Paissandu só precisa agora de alma e serenidade para administrar a vantagem no próximo sábado, em Macaé.

Encolheram a torcida!

Admirável nas arquibancadas da Arena Verde, pelo entusiasmo e apoio ao Paissandu, o público de ontem à noite parece ter passado por um processo de encolhimento. Apesar de as imagens da TV mostrarem um estádio lotado, o total anunciado de torcedores pagantes foi frustrante: pouco mais de 6 mil pagaram ingresso. A conta não fecha, pois o estádio tem capacidade oficial para 12 mil espectadores. Muito estranho.

Goleiro titular garantido

Por insistir na cera, o goleiro João Ricardo levou o cartão amarelo e por alguns minutos pareceu fora da partida decisiva do próximo sábado. Seria a grande baixa do Papão no jogo, pois desfalcaria o time numa posição vital. Os reservas imediatos Rubens e Paulo Eduardo ainda não atuaram na competição e representariam um ponto de apreensão para o técnico Lecheva para um embate previsivelmente difícil.

O susto foi desfeito depois do jogo. Acontece que a primeira informação estava equivocada: João Ricardo, na verdade, recebeu a primeira advertência e está garantidíssimo na partida de sábado, em Macaé. Alívio geral nos arraiais alvicelestes. (Fotos: MÁRIO QUADROS/Bola)

(Coluna publicada no caderno Bola/DIÁRIO deste sábado, 03)

A parábola do roqueiro burguês

Do blog de Cynara Menezes

Nem todo direitista é derrotista, mas todo derrotista é direitista. Reparem no capricho do léxico: as duas palavras são quase idênticas. Ambas têm dez letras, soam similares e até rimam. Se você tem dúvida se alguém é de direita observe essas características. Começou a falar mal do Brasil e dos brasileiros, a demonstrar desprezo por tudo daqui, a comparar de forma depreciativa com outros países, é batata. Derrotista/direitista detectado.

Temos hoje no Brasil duas personalidades célebres pelo derrotismo explícito e pelo direitismo não assumido: os roqueiros Lobão e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor. Eu ia citar também Leo Jaime, outro direitoso do rock nacional, mas não posso classificá-lo como um derrotista típico –fora isso, no entanto, cabe perfeitamente no figurino que descreverei aqui. Os três são cinquentões: Lobão tem 57, Roger, 56 e Leo, 52.

Da geração dos 80, Lobão sempre foi meu favorito. Eu simplesmente amo suas canções. Para mim, Rádio BláVida BandidaVida Louca Vida e Decadence Avec Elegance são clássicos. Além de Corações Psicodélicos, em parceria com Bernardo Vilhena e Julio Barroso, ai, ai… Adoro. E não é porque Lobão se transformou em um reacionário que vou deixar de gostar. Sim, Lobão virou um reaça no último. Alguém que voltasse agora de uma viagem longa ao exterior ia ficar de queixo caído: aquele personagem alucinado, torto, jeitão de poeta romântico, que ficou preso um ano por porte de drogas, se identifica hoje com a direita brasileira mais podre.

Não me importa que Lobão critique o PT ou qualquer outro partido. O que me entristece é ele ter se unido ao conservadorismo hidrófobo para perpetrar barbaridades como a frase, dita ano passado, em tom de pilhéria: “Há um excesso de vitimização na cultura brasileira. Essa tendência esquerdista vem da época da ditadura. Hoje, dão indenização a quem seqüestrou embaixadores e crucificam os torturadores, que arrancaram umas unhazinhas”. No twitter (@lobaoeletrico), se diverte esculhambando o país e os brasileiros, sempre nos colocando para baixo. “Antigamente éramos um país pobre e medíocre… terrível. Hoje em dia somos um país rico e medíocre… pior ainda”, escreveu dia desses.

Os anos não foram mais generosos com Roger Moreira, do Ultraje. O cara que cantava músicas divertidíssimas como Nós Vamos Invadir Sua Praia, Marylou ou Inútil virou um coroa amargo que deplora o Brasil e vive reclamando de absolutamente tudo com a desculpa de ser “contra os corruptos”. É um daqueles manés que vivem com a frase “imagine na Copa” na ponta da língua para criticar o transporte público, por exemplo, sem nem saber o que é pegar um ônibus. Os brasileiros, segundo Roger, são um “povo cego, ignorante, impotente e bunda-mole”. Sofre de um complexo de vira-lata que beira o patológico. Ao ver a apresentação bacana dirigida por Daniela Thomas ao final das Olimpíadas de Londres, tuitou, vaticinando o desastre no Rio em 2014: “Começou o vexame”. Não à toa, sua biografia na rede social (@roxmo) é em inglês.

Muita gente se pergunta como é que isso aconteceu. O que faz um roqueiro virar reaça? No caso de ambos, a resposta é simples. Tanto Roger quanto Lobão são parte de um fenômeno muito comum: o sujeito burguês que, na juventude, se transforma em rebelde para contrariar a família. Mais tarde, com os primeiros cabelos brancos, começa a brotar também a vontade irresistível, inconsciente ou não, de voltar às origens. Aos poucos, o ex-revoltadex vai se metamorfoseando naqueles que criticava quando jovem artista. “Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo. São crianças como você, é o que você vai ser quando você crescer” –Renato Russo, outro roqueiro dos 80′s, já sabia.

O carioca Lobão, nascido João Luiz Woerdenbag Filho, descendente de holandeses e filhinho mimado da mamãe, estudou a vida toda em colégio de playboy, ele mesmo conta em sua biografia. O paulistano Roger estudou no Liceu Pasteur, na Universidade Mackenzie e nos EUA. Nada mais natural que, à medida que a ira juvenil foi arrefecendo –infelizmente junto com o vigor criativo– o lado burguês, muito mais genuíno, fosse se impondo. Até mesmo por uma estratégia de sobrevivência: se não estivessem causando polêmica com seu direitismo, será que ainda falaríamos de Roger e Lobão? Eu nunca mais ouvi nem sequer uma música nova vinda deles. O Ultraje, inclusive, se rendeu aos imbecis politicamente incorretos e virou a “banda do Jô” do programa de Danilo Gentili.

Enfim, incrível seria se Mano Brown ou Emicida, nascidos na periferia de São Paulo, se tornassem, aos 50, uns reaças de marca maior. Pago para ver. Mas Lobão e Roger? Normal. O bom filho de papai à casa torna. A família deles, agora, deve estar orgulhosíssima.

O encanto do jogo sem lógica

Por Gerson Nogueira

Não há receita confiável e imune a erros quando o assunto é encarar confrontos decisivos. De todos os esportes coletivos, o futebol é o mais imprevisível e as razões são bem conhecidas. Há o espaço, os objetivos, as regras e 22 agentes em campo. O imponderável, porém, pode aprontar das suas. Sempre gostei das explicações de Pepe, o canhão da Vila e que também foi bom treinador (inclusive do Remo), referindo-se às incontáveis possibilidades que podem surgir de um inocente desvio na trajetória da bola.

E há o fator humano, sempre ingrato e capaz de erros inesperados. Campeonatos podem ser decididos pela furada de um zagueiro ou pelo chute travado de um atacante. Nunca se pode estabelecer onde a bola vai parar. O mistério está, literalmente, no ar e não há jeito de calcular todas as variáveis, nem criar mecanismos para se prevenir a respeito.

As diretrizes que os técnicos criaram para enquadrar e disciplinar as ações dos atletas não garantem que todas as jogadas e deslocamentos sejam programados. Alguns pobres pretensiosos até se iludiram com a ideia de controlar o jogo. Felizmente, não conseguiram essa triste façanha, até porque a essência do futebol é a liberdade de movimentos.

Parto desde introito, como gostavam de dizer os antigos escribas, para o assunto que realmente importa hoje. O Paissandu está diante de um desafio monumental. Há sete anos batalhando para retornar à Série B, tenta desta vez dar o salto definitivo. Já viveu situações bem menos inglórias, como há dois anos, quando esteve bem próximo do acesso, mas sucumbiu dentro de casa frente ao Salgueiro.

Neste campeonato, desde o começo turbulento para os bicolores, as chances sempre se apresentaram mínimas, mas talvez por isso mesmo há um quê de confiança de que desta vez vai. A base dessa esperança não está na lógica, mas o sentimento é legítimo justamente porque o futebol não é um jogo cartesiano.

Vai daí que, contra o Macaé, primeiro colocado da outra chave e com campanha bem superior, os prognósticos frios não apontam o Paissandu como favorito para avançar na competição. O site Chance de Gol projeta Chapecoense (71%), Duque de Caxias (70,4%), Macaé (68,5%) e Fortaleza (61,9%) como mais cotados.

Claro que se baseia na contabilidade de vitórias, empates e derrotas ao longo do campeonato. Pode acertar, mas há sempre a janela para um resultado imprevisto. A beleza e o encanto do futebol estão justamente nessa encruzilhada entre realidade e fantasia, juízo e delírio. Graças a Deus.

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O triunfo da simplicidade

O que mais chamou atenção no curto período de preparação que o Paissandu cumpriu em Paragominas foi a constatação pelos jogadores de que o campo da Arena Verde é excessivamente duro, o que aumenta riscos de lesões e deve interferir na velocidade de passes e lançamentos. A descoberta valoriza ainda mais a chegada antecipada da equipe à cidade, pois já elimina (ou atenua) um problema que podia surpreender a todos na hora da partida.

Quanto ao time, não há qualquer alteração em relação à formação titular que Lecheva desenha desde que substituiu Roberval Davino por um jogo (contra o Cuiabá) lá na metade da competição. Depois, chegaria Givanildo Oliveira implantando seu jeito de trabalhar e suas preferências.

Por uma dessas questões insondáveis, desde então o Paissandu não venceu mais, passando sete jogos em jejum e patinando na classificação. Bastou Givanildo sair para a situação clarear novamente e Lecheva botar em prática a escalação que se consagrou como a mais equilibrada de todas.

Com as peças certas nos lugares adequados, o Paissandu passou a evoluir em campo como se jogasse há anos assim. Não houve inovação tática, apenas aplicação efetiva do 4-4-2 e seus desdobramentos.

No máximo, Lecheva se permite a recuar Tiago Potiguar para o papel de terceiro homem de criação e, por vezes, libera Pikachu para ser mais um avante, deslocando um dos volantes para se revezar na cobertura do lado direito.

O papel do atual técnico do Paissandu, já enaltecido aqui em outras ocasiões, ainda será devidamente reconhecido pela capacidade de simplificar as coisas. Deve-se a isso, talvez, a incrível transmutação de um grupo de jogadores que parecia disposto a se rebelar a qualquer momento quando Givanildo era o comandante. Milagre que os subterrâneos do futebol nem sempre esclarece, mas que tem a ver certamente com sensibilidade e capacidade de entender a alma dos boleiros.

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Atacantes em xeque

Apesar do retrospecto negativo para clubes do Rio em embates com paraenses – o próprio Macaé se deu mal, em 2009, derrotado pelo São Raimundo na primeira edição da Série D – o Paissandu sabe que o atual cruzamento favorece o adversário, que ganhou em campo o direito de decidir a vaga dentro de seus domínios.

Cabe inverter essa situação, também dentro das quatro linhas, marcando os gols que tornarão o Macaé refém do desespero na partida de volta. O papel dos atacantes é primordial, obviamente, pois a sucessão de gols perdidos não pode se repetir hoje à tarde.

Kiros é o centroavante titular, mas Rafael Oliveira e Moisés, que neste retorno, ainda não justificou a condição de artilheiro, podem ter oportunidade de mostrar serviço. Nos pés desse trio pode-se dizer que repousam as chances do Paissandu continuar vivo na disputa.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 02)