
POR PAULO NOGUEIRA, no DCM
Realmente esquisita. Um time pareceu absurdamente favorecido pelo juiz. Acabou derrotado. Alguns dias depois, fica-se sabendo que o organizador fez horrores. Comprou não apenas o juiz, mas o goleiro adversário. E colocou uma fortuna nas casas de apostas para lucrar com seu crime.
O que você faz?
Há uma única saída. Você anula o resultado, ou a Copa e o futebol em si ficarão irremediavelmente desmoralizados.
É mais ou menos esse o quadro do processo de impeachment.
Como respeitar – e aceitar – o resultado do jogo armado por Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados?
Não dá. Muito menos depois do relatório do ministro Teori Zavascki na sessão do STF que determinou o afastamento de Cunha por 11 votos a zero.
Caberá ao futuro descobrir por que Teori levou uma eternidade de quatro meses para fazer o que deveria ter feito com a urgência que o assunto impunha.
Mas não é isso que importa, na discussão que se abre a partir de agora. O que interessa é que Teori falou, enfim, e suas palavras expõem o caráter criminoso do condutor do impeachment e, por extensão, do impeachment em si.
Como acreditar num julgamento conduzido por alguém que, segundo Teori, não reúne as “mínimas condições” para presidir a Câmara? Como um sujeito com tais credenciais pode comandar um processo em que, mais que um governo, a democracia corre risco de vida?
É certo que Cunha deveria ter sido detido em seu intento de lesa pátria muito antes. Mas não foi, sabe-se lá por quê. Mas este atraso não muda a essência do drama. É Cunha que tramou o golpe. É ele que fez sua tropa de choque realizar o espetáculo grotesco daquele domingo em que bufões corruptos e cínicos votavam pelo impeachment em nome de coisas como a família quadrangular, os maçons, e pais, mães, filhos, filhas e netos.
Se Teori não tivesse engavetado o pedido de remoção de Cunha, os brasileiros teriam sido poupados de coisas repulsivas – além da paralisação do país com consequências funestas para a economia e para a vida das pessoas.
Mas, ainda que com formidável atraso, ele desengavetou, e ficou escancarado o caráter viciado, indecente do processo de impeachment.
Cunha se consagrou, nos últimos tempos, como a maior vocação corrupta da história da República. Foram tais e tantos seus crimes que mesmo aqueles que o apoiavam por estar tentando derrubar Dilma passaram a ver nele um remédio pior que a doença.
Sumiram frases como “somos todos Cunha”, ou “ele é corrupto mas é nosso”, ou tantas outras asneiras do gênero.
Um governo que nasça sob o estigma do processo orquestrado por Cunha terá chances abaixo de zero de se firmar e realizar a tarefa épica de retirar o país da crise moral, econômica e política em que está atolado.
Tal governo inaugurará, se nada for feito, a “República do Cunha”.
Alguém deseja isso?
Mas com certeza.
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É, mas a responsabilidade é dividida quanto à crise moral econômica e política:. dois terços para o governo; e um terço para os Cunhas da vida.
Destes dois terços, um é relativo às malfeitorias a que se dedicou por sua iniciativa e atuação em caráter de exclusividade.
O outro terço que cabe ao governo pela crise moral política e econômica está relacionado exatamente
ao fato de ter se acumpliciado com os cunhas da vida, quando, desde o primeiro minuto, lá nos idos de 2003, o governo, fazendo cumprir o que prometera na “carta ao povo brasleiro”, defenestrou seus quadros históricos e fiéis aos ideias progressistas do partido, e admitiu como seus aliados, com todas as honras e privilégios, exatamente estas figuras nefastas das quais agora reclama, na tentativa de transparecer uma pose de vítima, a qual quem acompanhou atentamente sua trajetória, sabe que não lhe cabe bem.
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Caro Oliveira, o problema é que, mesmo assim, o PT tirou milhões da miséria, e levou outros milhões da pobreza para uma nova classe média, algo que nenhum partido da centenária direita brasileira havia conseguido antes. A crise política esteve sempre aí, agora ela é apenas mais evidente. Que esperar de um Ronaldo Caiado? A quem este sujeito representa? A mim, com certeza, não. E se dividirmos a conta entre três, então será entre o governo, os Cunhas da vida e o eleitor, que é quem pôs governo e os Cunhas. Como não acho que a conta seja repartida apenas em três partes, ainda mais numa sociedade complexa, cuja economia tem no mínimo a mesma complexidade, e não a incrível simplicidade de Miriam Leitão e Sardenberg, as coisas não são assim tão simples.
Entendo a crise de representatividade política como a crise política em si. O maior problema é que os eleitos para as câmaras federais e estaduais não representam a maioria da população. E como eles chegam lá? Por abuso de poder econômico. A concorrência entre os candidatos à representação parlamentar é desleal e profundamente marcada pela vantagem aos que têm maior poder econômico. A capacidade para financiar campanhas políticas é crítico para o sucesso no pleito eleitoral, como propostas e desempenho em debates de televisão. Os candidatos de menor poder econômico ficam à margem da disputa, como se não existissem. O financiamento público de campanha tem o potencial de nivelar os concorrentes pela quantia individual, dando a mesma visibilidade a todos. Vejo que muitos fazem a suposição de que todo candidato terá verbas altíssimas a disposição e, não, não é bem assim. A preocupação dos políticos que atualmente têm mandato é justamente com o fim desse padrão, de a vantagem econômica ser decisiva para todo pleito. Desta perspectiva, candidatos de direita tendem a ocupar cada vez menos cadeiras nos parlamentos.
Não acho que o financiamento público de campanha seja o fim da corrupção, mas é um meio de controlar políticos corruptos, que prometem ao povo e entregam às elites.
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Bom, amigo Lopes, salvo o aspecto dos milhões que pir um lado foram retirados da miséria e, por outro, ascendetam a tal classe média, estou tendente a concordar com você quanto ao mais, me permitindo somente observar que os eleitores, via de regra, são vítimas dos c u n h a s da vida. Na esmagadora maioria das vezes, e não é coisa exclusiva da última eleição, o eleitor é levado ao erro, e nele mantido, naquilo que já é conhecido por todos como estelionato eleitoral.
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Não é de todo errado que Dilma tenha feito um início de governo que não estava em cena no programa apresentado à população, mas o fez por força de uma economia que não é, nem de longe, o da livre concorrência, como bem mostra a falta de caráter da mídia golpista, dependente que é do governo. Curioso notar que o PSDB não se identificou com a proximidade máxima desse governo Dilma com as propostas que eles mesmos defenderam com Aécio. Os tucanos sempre souberam que a diferença estava por vir, com a aplicação do resultado obtido no apertamento dos cintos do governo, mercado e população: a retomada dos investimentos públicos e ampliação de políticas sociais. Interessa a apropriação dos grandes feitos do governo atual, como a transposição do São Francisco, a Ferrovia Norte-Sul e a usina de Belo Monte, sem contar com a recuperação da Petrobras, que já se mostra verdadeira, só não alardeada pela grande mídia. No Brasil, o dinheiro do governo é decisivo para a sobrevivência da grande mídia e de grandes empresas. Por que isso acontece? Por que o capitalista brasileiro médio não é assim tão afeito às leis de mercado como se sugere no discurso liberal das velhas oligarquias. Ao sinalizar com a lei de meios, por exemplo, e com a crescente destinação de recursos à internet, e diminuição de recursos aos meios tradicionais de mídia como televisão e revistas, mas mesmo assim distante dos padrões norte-americanos, que investem muito mais que nós em internet, as empresas reagem a falta desse dinheirinho sagrado de um modo que contraria toda expectativa de uma empresa capitalista que “aposta” (ou deveria apostar) no mercado. De fato, os eleitores vítimas são cúmplices dos malfeitores do Estado, que é o que dá razão à Simone de Beauvoir, que diz acertadamente que os opressores não seriam tão fortes se não tivessem cúmplices entre os próprios oprimidos. Estes, inclusive, têm ido às ruas por Bolsonaro e outros fascistas, para nossa vergonha enquanto nação. No mais, mesmo essas políticas econômicas dos últimos dois anos, anti-populares sim, começam a mostrar resultados, justamente no momento em que o golpe segue intacto, e deve colher os resultados como efeito imediato da saída de Dilma, quando, na verdade, Temer (o nome), que é mesmo um energúmeno em termos de democracia, mas expert em raposismo político, começa a dar sinais de que não deve alterar os rumos da política econômica atual por temer (o verbo) as consequências vindouras para sua desde sempre pobre popularidade. Mesmo que se trate ainda dos primeiros sinais de recuperação da economia, eles são inequívocos, e sinalizam para a queda da SELIC já a partir do próximo semestre, segundo os entendidos no assunto. O “timing” do golpe é perfeito e a pressa para consumá-lo se deve à percepção do começo da melhora, que boas notícias podem auxiliar a retomada da confiança da população numa política socialista que vem dando certo há mais de doze anos. Crises existem e esta é a primeira crise mais severa enfrentada pelos socialistas brasileiros. As demais, enfrentadas pela direita, sempre resultaram em tragédia para os mais pobres. A marola enfrentada por Lula, não resultou num declínio tão drástico para o pobre, que percebeu a vantagem e elegeu Dilma de olho na vantagem que recebeu de uma política federal voltada para o pobre. Essa é a crise mais grave já enfrentada pela esquerda latino-americana, gostaria de ver o desfecho, se sairíamos dela tão piores do que entramos como a mídia alardeia…
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