POR NARCISO ALVARENGA MONTEIRO DE CASTRO (*)
Como é de todos sabido, nos dias 16 e 17 deste mês de dezembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou pedido de liminar da Ação Declaratória de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), ADPF n. 378-DF.
Ao final, dada o exame exaustivo da matéria, foi convertido o julgamento no próprio mérito da ação, uma vez que todas as partes haviam sido ouvidas e se manifestado.
Para os leigos e também para alguns não tão leigos assim, não creio ter restado qualquer dúvida sobre o alcance do julgamento, ainda que passível até mesmo de serem suscitados embargos, como declarou logo após o Presidente da Câmara dos Deputados, certamente com finalidade meramente procrastinatória. De todo modo, aventuro-me a algumas explicações ou observações que sejam.
O Tribunal afastou qualquer alegação de suspeição do Presidente da Câmara, qualquer que tenha sido a sua intenção ao dar andamento ao pedido de impeachment de Bicudo e Reale Júnior (PSDB), já aditado. Como cediço, ainda não existe um processo de impeachment. Para existir processo, há que se ter o recebimento da denúncia.
O Sr. Eduardo Cunha não recebeu a denúncia, apenas não a rejeitou de plano, como fez com diversos outros pedidos, ou seja, deu andamento ao pedido dos cidadãos mencionados e outra, decisão datada de 02.12.15. O recebimento da denúncia, em termos processuais, pode se dar em dois exames ou duas análises, tal qual em qualquer processo criminal.
O Plenário da Câmara dos Deputados pode receber a denúncia, autorizar a instauração de processo (art. 51, I, CR), por dois quintos de seus membros, após todos os trâmites legais e ouvido o Presidente da República.
Em tal hipótese, o Senado Federal, ao qual o processo é remetido é quem detêm a prerrogativa de processar e julgar o Presidente da República (art. 52, I, CR). Mas pode também entender pelo arquivamento, nesse caso não há processo de impeachment, morre aí mesmo, na Câmara.
Supondo que a Câmara dos Deputados, em cognição sumária, tenha recebido a denúncia, ou seja, tenha autorizado o Senado Federal a processar e julgar o pedido de impeachment, este pode, na 2ª análise mencionada, receber a denúncia ou mandar arquivá-la por maioria simples, sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal.
No caso de arquivamento, por óbvio, não vai haver processo de impeachment, morre aí antes mesmo de se iniciar.
No caso do Senado receber a denúncia, haverá nova votação em Plenário, para decidir, novamente por maioria simples, sobre o afastamento ou não do Presidente da República por até 180 dias.
Processado no Senado Federal o pedido de impeachment, cumpridas todas as formalidades legais (Lei n. 1079 de 1950) e regimentais, no que estiver conforme a Constituição da República, o Plenário do Senado é convocado a votar, agora pelo quórum de dois quintos de seus membros, pela condenação ou absolvição do Presidente da República.
No caso de procedência do pedido, o Presidente da República é afastado definitivamente, perde os direitos políticos por 8 anos, assumindo o Vice-Presidente da República.
Estas, em linhas bem gerais, o que de mais importante ficou decidido ontem, seguido também em linhas gerais, o rito ou caminho mais ou menos percorrido no julgamento do Presidente Collor.
Como se vê, muitas são as hipóteses ou muita água ainda deve passar sob a ponte.
O STF também decidiu, por maioria, anular todos os atos praticados pelo Presidente da Câmara após dar andamento ao pedido.
Assim, a eleição, por voto secreto, e com candidaturas avulsas, da Comissão Especial da Câmara, ocorrida em 08.12.15, não tem validade e vai ter que ser repetida, agora por votação aberta e com os deputados indicados pelos líderes dos partidos ou blocos, proporcionalmente.
A dúvida que vai persistir, é se, até lá, o Presidente da Câmara ainda será o Sr. Eduardo Cunha, pois pendente decisão do STF sobre seu afastamento ou não do cargo de Deputado. Tal decisão só deve ocorrer em fevereiro de 2016, no reinício dos trabalhos do STF, que entra em recesso amanhã, 19.12.15.
Feitas tais considerações, concluo que dificilmente haverá o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff.
Em primeiro lugar, pelo fato do suposto crime de responsabilidade (sobre pedaladas fiscais, ler aqui) teria que ter ocorrido no atual mandato, tal qual preconiza Ayres Britto. O crime de responsabilidade supostamente imputado à Presidenta só pode ser o previsto no art. 85, VI, da CR e art. 10 da Lei n. 1.079 e o pedido já deve estar acompanhado dos documentos pertinentes e rol de testemunhas (art. 16 da Lei n. 1.079).
Entretanto, a imputação, ao que parece, seria a indicada no mandato passado, no ano de 2014, o que invalidaria o pedido. Ainda que fosse, só existe tão somente um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU). Como é sabido, tal órgão é tão somente de assessoramento do Poder Legislativo.
Quem julga as contas do Presidente da República é o Congresso Nacional, por meio de suas duas casas legislativas. Tal julgamento ainda não ocorreu e não se sabe se ocorrerá. Nenhum Presidente da República teve, até a presente data, suas contas rejeitadas pelo Congresso, a quem cabe o controle externo do Poder Executivo.
Cumprido o rito ordenado pelo STF para o andamento do pedido de impeachment, eleita a Comissão Especial da Câmara dos Deputados (art. 19 da Lei n. 1.079), com membros indicados pelos líderes e por votação ostensiva.
A Comissão elege seu Presidente e Relator e emite um 1º parecer no prazo de 10 dias, o qual deverá ser lido em Plenário e publicado (art. 20, lei citada). Após discutido, abre-se o prazo de 48 h para manifestação do Presidente da República.
Fica a observação que o relator para o acórdão da ADPF n. 378 passou a ser o Min. Barroso, que modificou 4 pontosno voto do então relator, Min. Fachin, mas manteve os demais, no que foi acompanhado pela maioria do Plenário do STF.
Em seu voto, Fachin já havia estabelecido da necessidade do 2o parecer da Comissão Especial, que deve ser técnico, especificar qual o fato típico imputado ao Chefe do Executivo. Veja:
Encerrada a instrução, a Comissão Especial deve emitir o segundo parecer exigido pela Lei 1.079/50 no prazo de 10 (dez) dias. Dessa vez, deve opinar tecnicamente sobre a procedência ou improcedência da denúncia, à luz do conjunto fático e da tipicidade das condutas elencadas na lei de crimes de responsabilidade. (Voto Min. Fachin, p. 81).
Tudo isso após o prazo de 20 dias para alegações finais da Presidente da República, encerrada fase probatória ou diligências. Veja outro ponto do voto mencionado:
Discutido o Parecer preliminar da Comissão Especial pelo Plenário e considerada a denúncia objeto de deliebração, por maioria simples dos votos, presente a maioria de seus membros, nos termos do artigo 47 da Constituição da República de 1988, deve-se abrir prazo de 20 (vinte) dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado. (Idem).
Portanto, deverá a Comissão Especial da Câmara apontar tecnicamente, em sendo o caso, pois pode simplesmente opinar pelo arquivamento sumário do pedido, qual a imputação de crime de responsabilidade responde precisamente a Presidenta da República.
Como visto na reportagem citada e diversas manifestações de juristas de escol, “pedalada fiscal” não se enquadra nos requisitos de crime de responsabilidade. Não havendo fato típico, não há crime.
Não havendo crime, de responsabilidade ou comum, não há processo de impeachment da Presidenta da República. Tudo não passou de encenação para se criar mais uma crise artificialmente e não deixar a Presidenta governar conforme o mandato recebido licitamente das urnas, ou seja, mera tentativa de golpe. E quem será responsabilizado pelo enorme prejuízo causado ao país, todo o tempo perdido?
(*) Mestre em Direito e Instituições Políticas; Especialista em Direito do Estado pela PucMG; especializando em Gestão Judiciária pela UnB e Juiz de Direito do TJMG.
Nunca houve ameaça de golpe.Quem exaustivamente propaga é a esquerda em defesa própria. A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), não assegura a durabilidade do mandato em sua plenitude visto que, a credibilidade da dama de vermelho não está sendo reativada no passar dos dias, pelo contrário, vem se desgastando ainda mais sem propiciar melhoras. Também é notório que o Supremo agiu com cautela e bom senso nos parâmetros que uma delicada situação exige se limitando a definir procedimentos para o intento do processo que justificado ou não, não foi sentenciado como ineficaz. Foi um alívio de momento, um presente de natal e mais do que isso lambada no abominado Eduardo Cunha.
Fora essa questão fica a preocupação de ser o Vice Temer o sucessor, mais uma aposta a conferir.
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Na parte que relata e explica a decisão do Supremo, muito elucidativo escrito. Mesmo no segmento em que faz uma subjetiva avaliação do destino que terá o pedido do impeachment quando começar a ser analisado, me parece que o texto foi bem.
Mas, quando resolveu mostrar toda sua veia governista, adepta da “presidenta”, me parece que caiu um bocado a qualidade do que elaborou o mestre, especialista e juiz, autor da postagem. Afinal, por exemplo, quem reconheceu a existência da crise foi a presidente, quem mandou pro Congresso proposta de orçamento com deficit foi a presidente, quem alterou as metas foi a presidente, quem travou explícita luta com o Ministro da Fazenda (agora dispensado) foi a presidente, e por aí, vai. Enfim, melhor não embaraçar além da conta os fios das crises.
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Paira no ar uma temeridade quanto ao futuro do País. Os representantes do povo eleitos no vigor de uma democracia não se alinham aos interesses dom povo. Fica a certeza de onde chegamos e a incerteza até onde vamos chegar. A seriedade política ficou ameaçada após o repasse da governabilidade aos caras pintadas, cujo mobilização não imaginava o fundo do poço que estavam cavando. A banalidade prospera e ainda sim testemunhamos opiniões favoráveis a continuidade de uma regência destoante do anseio popular. Golpeado estamos nós sob a fragilidade de quem pensa que tem poder de decisão conduzida pelos acercados malignos.
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Questão de ponto de vista. Com a mudança do rito para a comissão do impeachment, o STF corrigiu uma injustiça, eliminando o golpe. Diz-se, e diz-se muito bem que havia um golpe em curso. E ainda há. É claro e evidente que o feito de Cunha para o prosseguimento dos trabalhos da comissão, inclusive a surgência surpresa da chapa avulsa, eram meios de garantir um julgamento político, e não necessariamente justo, da presidente. O rito visou garantir o cumprimento da ameaça de impeachment de Dilma. Isso é muito claro e, parece-me, que o STF democraticamente não interveio quanto à admissibilidade do pedido de impeachment que parece privativa do presidente da câmara. Em que pese a câmara desde o início ter ficado nas mãos do então insatisfeito Eduardo Cunha, e obrigado a um ministério para Henrique Alves, o que poderia até ser classificado como imperícia política da presidente, mas de modo algum, ato ilegítimo, há em marcha um golpe parlamentar, desde então, de uma câmara que representa apenas os interesses dos financiadores de campanha, padrinhos políticos e a própria continuidade na “carreira política”. O STF fez o que pôde, dentro das próprias atribuições. Agora cabe ao parlamentar eleito mostrar abertamente a opinião, no voto contra ou a favor do impeachment.
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