Inversão de expectativas

Por Gerson Nogueira

O Brasil saiu humilhado da Copa do Mundo, reduzindo a pó a vaidade acumulada ao longo de tanto tempo, mas a esperada reação à tragédia de Belo Horizonte está longe de acontecer. Por ora, apenas algumas tímidas manifestações por parte de cartolas e funcionários da CBF responsáveis pela Seleção. Um fato ocorrido anteontem confirma que na prática ninguém está muito preocupado em juntar os cacos e recuperar a imagem do futebol brasileiro.

Com a contusão do cruzeirense Ricardo Goulart, o técnico Dunga resolveu convocar Kaká para os próximos amistosos da Seleção Brasileira. A rigor, nada de anormal, pois o meia-atacante do São Paulo é reconhecidamente um grande jogador. O problema é quando se estende a vista até 2018, data da próxima Copa, marcada para a Rússia.

unnamed (5)A chamada de Kaká atesta que Dunga não está empenhado em renovação do escrete. Indiferente às questões de longo prazo, ele pensa como todos os técnicos cabeças-de-ervilha do futebol brasileira. Ou seja, tem pressa em acumular resultados que garantam a permanência no emprego. O projeto de reconstrução vai ficando de lado.

É como se todos tivessem de repente tomado um chá de esquecimento em relação à vergonha a que foi submetida a lendária camisa canarinho. Não há precedentes na história do futebol moderno de um revés tão vexatório e definitivo. Nenhuma seleção sede de mundial permitiu-se tamanha humilhação.

Mais que isso: a queda foi diante de um rival histórico e tradicionalmente forte, cuja saga vitoriosa não permite acreditar em mínima chance de desforra pelas próximas décadas. Em resumo, pode-se afirmar sem susto que a surra jamais será devolvida.

Como não há remédio para apagar desastres calamitosos como aquele da semifinal da Copa, o bom senso indica que a saída é trabalhar com afinco para provar a todos que tudo não passou de mera falseta do destino. Para isso, seria obrigatório abraçar um projeto de reformulação completa do futebol no Brasil, incluindo a Seleção, mas não se restringindo apenas a ela.

Um dos graves equívocos da CBF e de seus funcionários é entender que o Brasil se resume à Seleção. Na verdade, o selecionado é consequência da produção futebolística do país. É no escrete que se expõem os acertos e erros do processo.

E aí voltamos a Kaká. Com aquele perfil de bom moço, atleta de Cristo, filho de tradicional e conservadora família paulistana, encanta a todos pela fineza nos gestos e a cordialidade quase exótica no ambiente boleiro. Dunga, é claro, não resistiu a esses predicados.

Bastaram algumas apresentações razoáveis – não mais que isso – para que Dunga o convocasse. Na Copa de 2018, Kaká estará com 37 anos e ainda mais distante do futebol que o consagrou e lhe garantiu um troféu de Melhor do Mundo. A decadência não é uma questão de vontade, apenas uma consequência natural da passagem do tempo.

Surpreende que Dunga não tenha enxergado lá mesmo no São Paulo outra opção para o lugar de Goulart. Paulo Henrique Ganso, que reencontrou a disposição para jogar, já merecia nova oportunidade. Na Copa da Rússia, Ganso terá 28 anos, desfrutando de apogeu físico e técnico, conforme apontam estudos sobre a curva de rendimento dos atletas.

Antes de Kaká, Dunga já tinha chamado Robinho, igualmente veterano e em fase descendente. Desprezou outro jogador que ainda tem muito chão a percorrer: Lucas, do Paris Saint-Germain, novamente exibindo as qualidades que o tiraram do Brasil.

De esquecimento em esquecimento, Dunga perde tempo tecendo uma colcha de retalhos sem se preocupar com renovação. A depender dele, o Brasil seguirá vencendo amistosos sem importância e adiará qualquer tomada de providência mais séria em relação ao futuro. Pena.

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Um trapalhão na vida do Botafogo

O pandemônio que tomou conta do Botafogo tem origem na gestão desastrosa de Maurício Assunção, dirigente que chegou a enganar meio mundo com um discurso modernoso que na prática se mostrou lesivo aos interesses do clube. No melhor estilo Eurico Miranda, ele decidiu intempestivamente demitir quatro titulares, desfalcando ainda mais o time que tenta às duras penas escapar do rebaixamento.

Emerson Sheik, Bolívar, Edilson e Júlio César foram afastados sumariamente na manhã de sexta-feira, sob a justificativa canhestra de que teriam dado “declarações equivocadas” sobre a crise financeira do clube. Ora, se isso fosse pecado, quem deveria arrumar a trouxa e partir era o próprio Assunção, responsável direto pelo descalabro alvinegro.

Sem explicar direito a verdadeira motivação do ato, não comunicado ao técnico Vagner Mancini, o cartola dá margem a diversas interpretações, todas extremamente negativas sobre sua gestão. A entrevista de Assunção foi um primor de embromação. Não disse coisa com coisa. O mais provável é que tenha decidido reduzir a folha salarial (atrasada há três meses), cortando alguns dos jogadores mais bem remunerados do elenco.

Por tabela, age no sentido de garantir a queda do Botafogo para a Série B. Sem quatro atletas importantes, o time tende a despencar ainda mais. Com isso, sairá de cena em dezembro, legando ao próximo presidente uma sinuca de bico para trazer o Alvinegro de volta à Primeira Divisão.

Capaz de maracutaias rasteiras, como incluir a empresa da madrasta na folha de pagamentos do clube, Assunção revelou-se um autêntico trapalhão. Teve a desfaçatez de, em junho, durante reunião no Palácio do Planalto, dizer à presidente Dilma Rousseff que pensava em tirar o Botafogo do Campeonato Brasileiro. Discurso apelativo e malandro para  justificar a sonegação de impostos que causa ao clube o bloqueio de todas as suas receitas desde o mês de abril.

Tamanha cara-de-pau já havia se manifestado na estranha interdição do Engenhão. A alegação oficial foi de uma fissura nas vigas do estádio, mas a versão corrente nos meios futebolísticos aponta para um acordo por baixo do pano. Com o Engenhão fechado, o Maracanã se estabeleceu como único palco de jogos da Série A. Só o Botafogo perdeu na história.

Em meio aos desatinos de Assunção impressiona o incômodo silêncio dos conselheiros, cuja inércia é reveladora de omissão ou conivência. Enquanto o gestor destrambelhado age impunemente, o torcedor de verdade revolta-se e sofre, sem ter a quem apelar. Triste sina.

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Bola na Torre

O programa vai ao ar logo depois do programa Pânico e da cobertura especial das eleições. Guilherme Guerreiro apresenta. Na bancada, para discutir a participação paraense nas rodadas das séries C e D, estarão Giuseppe Tommaso, Rui Guimarães e este escriba de Baião.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 05)

Cartola espertalhão dá calote e afunda o Coxa

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Do Blog do Juca Kfouri

Os jogadores do Coritiba entraram em campo, no Couto Pereira, antes de vencerem o Atletiba por 1 a 0, com a faixa acima na foto. Vilson Ribeiro de Andrade, o presidente coxa que Paulo André, do Bom Senso FC , chamou de “espertalhão” por tentar enganar o movimento, há três meses não paga os salários do time que está na lanterna do Brasileirão e em vias de cair mais uma vez.

Por incrível que possa parecer, o cartola tem sido um dos principais obstáculos para o estabelecimento de um teto salarial para os jogadores, reivindicação dos próprios atletas profissionais que preferem ganhar menos, mas receber em dia, a viver nesta situação de insegurança trabalhista.

O que leva o cartola a ter tal atitude é um mistério insondável.

Cinema perde Hugo Carvana, aos 77 anos

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O ator e diretor Hugo Carvana morreu neste sábado, por volta de meio-dia, no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, aos 77 anos. Ele estava internado desde o último domingo (28), conforme noticiou o site do colunista Ancelmo Gois, para tratar de complicações do câncer de pulmão, com o qual foi diagnosticado em 1996. Carvana também sofria, havia cinco anos, de Mal de Parkinson. Ainda não há informações sobre velório e enterro.

Conhecido por seus trabalhos no cinema e na TV, Carvana foi homenageado na semana passada com uma sessão especial de “Vai trabalhar vagabundo”, roteirizado, produzido, dirigido e atuado por ele, no Festival do Rio. O longa sobre o arquetípico malandro carioca personificado em Secundino Meireles, lançado no auge da ditadura militar, completou 40 anos este ano.

Ator e cineasta que melhor incorporou a carioquice em seus trabalhos, Carvana foi revelado pelas chanchadas que marcaram o Brasil e atuou prolíficamente no Cinema Novo. Começou aos 18 anos, como figurante em “Trabalhou bem Genival”, de Luiz de Barros. Acabou largando o emprego de office-boy e, em 1961, aos 24 anos, pegou seu primeiro papel importante no episódio “Noite de almirante”, do filme “Esse Rio que eu amo”.

No ano seguinte, conheceu o diretor moçambicano Ruy Guerra, recém-chegado de Paris, que veio ao Brasil filmar “Os cafajestes”, em que Carvana fez uma ponta. O pequeno papel resultou em novo convite de Ruy Guerra com quem fez “Os Fuzis”. A partir dos trabalhos com Ruy Guerra, Hugo Carvana se tornou um dos atores mais atuantes e solicitados do Cinema Novo.

BzHlYeiCEAAxqznCom Glauber Rocha, filmou “Terra em transe”, em 1967; “Câncer”, em 1968, “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, em 1969 e “O leão de sete cabeças”, rodado em Brazzaville, no Congo, em 1969. Atuou também em produções de Cacá Diegues (“Deus é brasileiro”, entre outras), Nelson Pereira dos Santos (“Tenda dos milagres”), Joaquim Pedro de Andradre (“Macunaíma”), Arnaldo Jabor (“Toda Nudez Será Castigada”).

Além de “Vai trabalhar vagabundo”, dirigiu também longas como “Se segura malandro”, “O homem nu” e, mais recentemente, “Casa da Mãe Joana” e “Casa da Mãe Joana II”, lançados em 2008 e 2013.

Na televisão, Carvana sentiu o peso da fama e popularidade. Após um malsucedido teste da TV Tupi, aos 17 anos, voltou ao meio em 1966 para atuar na novela “Anastácia”. Mas seu primeiro papel significativo veio em 1974, com a novela “Cuca Legal”, de Marcus Reis, na TV Globo.

Seu personagem mais marcante na TV foi o repórter policial “Waldomiro Pena”, do seriado “Plantão de polícia”, exibido na Globo de 1979 a 1981. Para se preparar para o papel, Carvana se inspirou nos jornalistas Otávio Ribeiro, o Pena Branca, e Amado Ribeiro, que trabalharam na redação da extinta “Última Hora”, do jornalista Samuel Wainer.

Adepto do método Stanislavski de interpretação, também atuou no teatro, tendo participado do badalado Teatro do Estudante, comandado por Paschoal Carlos Magno. Nos palcos, participou de montagens de “O auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, “O pagador de promessas”, de Dias Gomes, e “Boca de ouro”, de Nelson Rodrigues.

AMOR PELO FLUMINENSE

Fervoroso torcedor do Fluminense, Carvana se passava por vendedor de balas e ambulantes para poder entrar nos estádios e acompanhar os jogos do time. Fugiu no meio do almoço de comemoração de seu casamento para ir ao Maracanã. No dia seguinte, Nelson Rodrigues escreveu uma crônica sobre o episódio: “Esse é o tricolor verdadeiro, deixou a mulher no altar para ver a vitória do seu Fluminense”.

Figura constante nas mesas dos bares da cidade, fez amizade com nomes como Roniquito, Ary Barroso, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, foram alguns. Dessa vivência, tirou inspiração para o longa “Bar Esperança”, que mostrava um grupo de intelectuais, artistas e personalidades da noite carioca tentam impedir a demolição de um famoso bar de Ipanema, de 1983.

 

Carvana nasceu em 4 de junho de 1937, na Rua Dona Romana, no Lins de Vasconcellos, subúrbio do Rio. Filho da costureira Alice Carvana de Castro e do comandante da Marinha Mercante Clóvis Heloy de Hollanda, de quem ela se separou quando Carvana tinha menos de um ano, o ator cresceu na Zona Norte, entre o Catumbi, o Rio Comprido e a Tijuca.

Ainda na juventude, passou a frequentar a escola de teatro contra a vontade de sua mãe, que chegou a dizer que não tinha criado filho para ser “veado”. Carvana costumava contar que toda vez que ele chegava dos ensaios, dona Alice dizia: “Vai trabalhar, vagabundo!”, inspirando um dos maiores sucessos de sua carreira de cineasta.

Hugo Carvana deixa a mulher, a jornalista Martha Alencar, e quatro filhos. (De O Globo)