Por Elias Ribeiro Pinto, no DIÁRIO
1 Acho que o último elepê (quem não souber do que se trata, procure o significado num desses sites de nostalgia) do Roberto Carlos que comprei e (mais ou menos) curti foi aquele que tinha de tudo que eu gosto é ilegal imoral ou engorda aos botões da blusa que você usava e meio confusa desabotoava, concluindo com você foi a melhor coisa que eu tive… Devia ser ali por 1977, 78.
2 De lá para cá, passei a curtir bem menos do que mais, até quase nem tomar conhecimento do seu tradicional elepê – ou que nome se passou a dar ao formato – do ano. Claro, minha meninice e descoberta de amores de esquina e de festinhas se deram ao som de eu te darei o céu meu bem e o meu amor também, não me canso de falar que te amo, estou amando loucamente a namoradinha de um amigo meu. Do negro gato de arrepiar, de quem queriam a pele para tamborim, eu tinha arrepios felinos ao escutar.
3 Quem assistiu ao especial de fim de ano (e de supostos 40 anos) de Roberto Carlos na Globo deve ter encerrado a noite dopado de panetone. Alguém sempre lembrará que ele era o xodó da mãe (como a minha, que morreu há pouco mais de dois meses), sem lembrar, talvez, que nós mesmos já cultivamos uma espécie de devoção filial, de cumplicidade maternal com o rei: o ouvimos assim, enfadados – e quiçá enfartados de rotinas.
4 RC é uma espécie de aculturado, a quem concedemos anistias antecipadas, como quem dá a vantagem de um quarteirão na corrida de marchas e contramarchas, de dissabores e cobranças que fazem parte da via cotidiana, com suas imposições de quitanda. Algo semelhante se dá em nossas relações de mortais com semideuses, como Lula e Pelé. Ainda que alguns desses – na certeza de que nunca antes neste país – cheguem a dispensar essa escala, assumindo-se logo como deuses. Roberto leva certa vantagem por ainda subir ao palco para exercer sua arte, enquanto outros coroados relutam em descer do palanque, digo, do palco que já não lhes pertence.
5 Na conta dessa realeza, os vassalos admitidos anualmente ao palco prestam vassalagem ao soberano, dobrando o espinhaço como mesura. Alguns dão sangue novo ao monarca, injetando ânimo a antigas canções, como ocorreu, na quarta-feira passada, com a suingada interpretação de Negro Gato pelo neto do Silvio Santos, que também faz as vezes de Tim Maia. Outros, como Lulu Santos, revestem a própria decadência com atavios maneiristas. Outras, como Anitta, cumprem o não menos protocolar papel de periguetes do ano. Pena, no caso de Anitta, que, compungida diante da ensaiada ascese real, mal tenha rebolado seu atributo maior.
6 Este ano, no entanto, não pude deixar de enxergar no palco o cara que se manifestou veementemente a favor da censura prévia de obras biográficas. Diante de todo aquele cenário artificioso, avultava-me o censor real. Se lhe saísse uma biografia por qualquer motivo incômoda – e basta muito pouco para lhe incomodar a biografia entronada –, sentenciaria, como num édito real: esse cara (não) sou eu.
7 Como fã de Roberto Carlos, do cantor e compositor que me embalou o berço das emoções inaugurais (apesar das emoções anualmente repisadas a ponto de lhe retirar a emoção do que canta), eu só queria que renovasse o insosso repertório do show anual, malbaratando um vasto passado sonoro, o sal da vida, que permanece vivo em nossa memória melódica.
O Grande Elias não perdoou mesmo o sagrado direito do Roberto Carlos de não querer ser biografado.
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Egoa, Pelé e lula semideuses? Não passam de seres de caráter duvidoso.
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E nem eu perdoo, amigo Antonio. Mas será que se a biografia de Roberto fosse escrita por algum jornalista platinado e tivesse o “selo de qualidade”, o Rei hesitaria? Acharia exitoso, sem dúvidas!
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*”selo de qualidade” global
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De minha parte acha que o Roberto Carlos tem todo o direito de não querer ser biografado por quem ele não autorize.
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De minha parte, penso que toda personalidade pode e deve ser biografada. Excessos e abusos são passíveis de criminalização judicial, como nos EUA e Europa. Qualquer proibição configura censura.
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No caso, esta é uma censura legítima. Inclusive há lei que lhe dá respaldo. Quanto aos excessos e abusos, me parece que, depois de cometidos, não há punição ao responsável, nem indenização à vítima, que seja capaz de sanear o estrago do excesso e do abuso. Além do que, na minha opinião, qualquer exploração de imagem deve aproveitar ao respectivo titular, sendo, por isso, necessário que ele autorize. Biografar sem autorização me parece que é apropriação indevida da imagem.
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