RIO — Ao ouvir no rádio a notícia sobre a pichação da estátua de Carlos Drummond de Andrade, ocorrida na madrugada de Natal, o comerciante Herbert Parente não pensou duas vezes. Pegou thinner — espécie de solvente —, estopa, flanela e pincel e caminhou pelas ruas de Copacabana em direção ao monumento, no posto 6 da praia, na Zona Sul do Rio. Os produtos já estavam à mão, já que Parente é dono de uma loja de material de construção. O caminho era razoavelmente curto, pois ele mora na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. As pernas, apesar dos 64 anos de idade do dono, seguiam ligeiras, já previamente embaladas pelas aulas de dança frequentadas às terças e às quintas-feiras. E o destino? Aquele poeta, que, no passado, foi cliente de sua loja, ainda no antigo endereço, também no bairro.
— Drummond comprava comigo. Eu respeitava porque era Drummond, não batia papo com ele, como eu fazia com Mário Lago — afirmou o comerciante. — Também levei boa vontade para a limpeza, pois, sem isso, não acontece nada. Cheguei lá e havia pessoas tirando fotos com a estátua pichada. Pedi licença e comecei a limpá-la. Não deu muito tempo, chegou a imprensa. Eu faria isso com qualquer um, se fosse Caymmi também. Na verdade, no final, queria era dar um beijo na testa dele, ficou tão bonito! Limpei até os pés, que estavam com areia. Mas acabei não fazendo isso, pois não queria aparecer.

Não adiantou. Já no dia seguinte, em sua loja, na esquina das ruas Bulhões de Carvalho e Piragibe Frota Aguiar, os fregueses passavam para cumprimentar Herbert, que até posou para foto com uma antiga cliente. As paredes do local, impecáveis, refletem o cuidado do proprietário, que, com as próprias mãos, faz a limpeza da fachada — que, segundo ele, é pichada uma vez ao mês. A estátua de Drummond, portanto, não foi a primeira a receber os cuidados de Herbert Parente.
Comprometido com o trabalho, ele ainda recusou um convite para tirar uma foto ao lado da imagem do poeta, dizendo que não poderia se afastar da loja durante o expediente.
— Quando fui em direção à estátua, não contei para a minha mulher. Se falasse em casa que ia fazer isso, iam falar “você vai pagar mico”. Mas tenho um carinho pela obra dele, e o povo gosta de tirar foto com a estátua. O pessoal faz fila. É um convite para uma foto ele ali, sentado no banco. Eu mesmo tenho várias fotos com a estátua — admite Parente.
— Ele sempre ajuda, mas nunca conta para ninguém. Isso é dele mesmo. Eu achei uma atitude muito bonita. Nós sempre passamos ali, chamamos a estátua de “Drummondzinho” — afirma a dona de casa Maria Fernanda Parente, mulher de Herbert. — Ele vai ser conhecido como o homem que limpou a estátua de Drummond, mas, em casa, a última palavra é sempre dele: “sim, senhora”.
O comerciante diz não ter nem pensado em esperar pela limpeza da Secretaria municipal de Conservação. Pegou os produtos, colocou numa bolsa e caminhou em direção à praia. A estopa, na verdade, foi empréstimo do porteiro. Guardas municipais que estavam no local, segundo ele, perguntaram se o comerciante fazia parte de alguma organização não governamental.
Piauiense de Teresina, Parente é morador do Rio desde os 14 anos. E se diz um carioca nato. Casado com uma mineira, também amante da Cidade Maravilhosa, o comerciante segue uma herança familiar. A loja era do pai e, desde 1969, é localizada no posto 6. Formado em administração, ele hoje trabalha com um dos dez irmãos na loja, que recebe cerca de cem fregueses diariamente. O mais velho dos irmãos, Parente diz que trabalha desde os 8 anos de idade, tem “tradição de roça” e, já aos 13 anos, cuidava sozinho de um curral. Parente tem três filhas, já encaminhadas. Uma delas, que mora nos Estados Unidos, chegou a ver o pai pela TV Globo Internacional. (De O Globo)