Por Gerson Nogueira
Como tantos outros dinossauros da minha geração, passei o sábado homenageando o poetinha Vinícius de Moraes. Por sinal, há quem julgue cafona, demodê, usar o diminutivo em relação ao grande poeta, mas gosto desse tom carinhoso, como aliás ele tratava os mais chegados. Tomzinho (Tom Jobim), Carlinhos (Lyra), Joãozinho (João Gilberto), Eduzinho (Edu Lobo), Doninha (João Donato). Não ligo a mínima, trato o cara como imagino que ele gostava de ser chamado. Vinícius das sentenças definitivas, das muitas mulheres, do uisquinho e das construções inesperadamente brilhantes, como aquela sobre a tristeza ter esperança de um dia ficar menos triste. E ainda há quem não conheça o genial melodista, capaz de fraseados harmônicos brilhantes, como nos afro-sambas, costurados em parceria com outro gênio da raça, Baden Powell.
Gente muito mais brilhante do que eu se dedica a analisar e redescobrir a obra de Vinícius, que foi quase sempre perfeito nos poemas, letras, melodias e musas, além de frasista inspiradíssimo, como naquela célebre saudação cravada no Samba da Bênção, quando ele se auto-descreve como capitão do mato e branco mais preto do Brasil. No rastro das comemorações pelo centenário do homem, o Canal Brasil passou na madrugada um documentário dirigido por Miguel Faria Jr., em co-produção Brasil-Espanha. Pontuado por poemas, canções, comentários e textos de Vinícius, o charme do filme está na torrente de depoimentos dos muitos amigos do poetinha.
Edu Lobo descreve uma faceta definidora do coração generoso de Vinícius. Telefonava às vezes só para perguntar se o amigo estava bem, conta Edu. Outro traço da alma livre do poeta citado pelo autor de Ponteio era a vocação para receber pessoas. Foi ele o responsável pelas famosas “casas abertas”, que marcaram e alicerçaram a Bossa Nova no Rio. A casa vivia sempre de porta escancarada e as pessoas iam chegando, cantando, lendo poesias e se divertindo. Suas filhas contribuem com informações menos líricas, mas igualmente reveladoras. Contam que ele, apesar de ganhar bem – era diplomata de carreira -, vivia aperreado. Faltava dinheiro desde sempre, até porque Vinícius acreditava em bonança e gastava tudo que ganhava. Não retinha, nem poupava, como lembra Chico Buarque.
É de Chico também a menção aos amuos (e inveja mal dissimulada) da intelectualidade nacional com o poeta que de repente virou artista popular. Seus pares de saraus acadêmicos não entendiam a transmutação e, como é comum nesses casos, afastavam-se. Não sem antes criticá-lo pela popularização. Vinícius, para nossa felicidade, deu uma banana aos empolados escritores de sua antiga turma e abraçou de vez a música como veículo de sua poesia.
Sobre suas muitas (e lindas) mulheres, o documentário revela pouco mais do que já sabíamos. Era um viajante da paixão, dizem Tônia Carrero e Toquinho. Precisava se realimentar de novos amores, e para isso era capaz de qualquer maluquice. Conciliador por excelência, jamais ficou de mal com as ex-companheiras.
A história pessoal de Vinícius se confunde com um Rio (um Brasil também) que sumiu do mapa. Tudo é passado. O astral, a elegância, a alegria de viver, a esperança nas pessoas, tudo isso traduzido em letras de canções majestosas. O Rio do funk sacana e da violência sem peias não reservaria espaço para um poeta boa-praça e boêmio. À certa altura, Gilberto Gil ressalta a importância fundamental de Chega de Saudade, que mudou a métrica e o jeito de fazer/cantar canções. De quebra, enriquece o filme com leitura vigorosa de “Formosa”, afro-samba clássico de Vinícius e Baden.
O Vinícius apaixonado se revela em carta endereçada ao Itamaraty quando era embaixador em Buenos Aires, Melancólico, lavrou apelo pungente para que fosse transferido para o seu Rio de Janeiro. Explicou que não era nenhum problema financeiro ou de saúde, quase sempre recuperáveis. Era uma necessidade amorosa. E, fez questão de sublinhar, o tempo do amor é irrecuperável. Sabia tudo de amor o nosso poetinha. Grande cara.
Grande texto. E um grande cara mesmo!
CurtirCurtir
Obrigado, camarada.
CurtirCurtir