Mocinho do spaghetti-western sai de cena

Por Luiz Carlos Merten

Cinéfilos que hoje reverenciam os spaghetti westerns de Sergio Leone não dão conta de que, nos anos 1960, seus filmes não desfrutaram imediatamente da reputação que hoje ostentam. Os críticos torciam o nariz para o que consideravam os ‘excessos’ operísticos de Leone e de seu compositor, Ennio Morricone. E o público, pelo menos no Brasil, não estava muito interessado no Estranho sem Nome criado por Clint Eastwood. O público preferia um certo Montgomery Wood, que, na verdade, era Giuliano Gemma. No Brasil inteiro e também na América Latina e muitos países da Europa, as plateias preferiam O Dólar Furado, que também tinha uma trilha quer marcou época – e aqui ganhou uma versão ‘romântica’. Começava assim – “Se tu não fosses minha, como és…”.

gemmaAAAGiuliano Gemma morreu nesta terça, 1.º, em Cerveteri, próximo de Roma, aos 75 anos, que completou em 2 de setembro. Foi uma morte trágica, provocada por um acidente de carro. De porte atlético, e era um atleta, ele apareceu sem muito brilho em comédias que exploravam sua aparência física, incluindo duas de diretores importantes – Veneza, a Lua e Você, de Dino Risi, e A Casa Intolerante, de Mauro Bolognini. Você é capaz de duvidar, mas ele foi extra em Ben-Hur, de William Wyler. Sua primeira grande oportunidade foi em 1962, quando Duccio Tessari fez Arrivano I Titani, que no Brasil se chamou Os Filhos do Trovão. Vale reportar-se ao cinema italiano da época. Havia os grandes autores, Federico Fellini, Luchino Visconti e Michelangelo Antonioni, mas no fim dos anos 1950 e início dos 60, a tendência dominante na indústria italiana eram os épicos mitológicos. O veio se esgotava quando Tessari fez a sua paródia com Giuliano Gemma na pele de Krios, que os deuses do Olimpo enviam a Creta para derrotar tirano que está acabando com a população.

O público adorou o jovem Giuliano Gemma, que formava um belo par com Jacqueline Sassared. E o filme era bem-humorado, tinha ritmo, inventividade. Catapultado a uma posição de destaque, Gemma travestiu-se de astro americano e, com o pseudônimo de Montgomery Wood, estrelou um simulacro de faroeste que arrebentou nas telas. O Dólar Furado, de 1965, abriu uma tendência que prosseguiu por uma boa década, talvez menos. Wood/Gemma fez muitos filmes do gênero – Uma Pistola para Ringo, Dias de Ira etc. Em 1963, Luchino Visconti, precisando de um ator belo e carismático para encarnar o jovem Garibaldi, fez dele um dos atores de O Leopardo, mas a participação foi reduzida a quase nada na versão hollywoodiana, cortada e remontada, que circulou em todo o mundo.

Foi em 1965, quando filmava Uma Pistola para Ringo, que conheceu a mulher, Natália Roberti. Viveram juntos por 30 anos, até a morte dela, em 1995. Tiveram duas filhas, uma delas, Vera Gemma, também atriz. Giuliano Gemma estava casado com Baba Richerme. Quando a carreira no cinema entrou em colapso, ele passou a fazer TV, mas, nos últimos anos, descobrira um outro talento e jurava que sua vocação era ser escultor. Ganhou elogios de críticos por sua nova atividade, mas, no imaginário do público, ele é eterno como o herói mitológico de Os Filhos do Trovão ou o pistoleiro de O Dólar Furado.

Giuliano Gemma chegou a ser conduzido ao hospital após o acidente, mas não resistiu aos ferimentos. Restam agora, dos mocinhos lendários do spaghetti western, Franco Nero e o xerife Clint.

Um comentário em “Mocinho do spaghetti-western sai de cena

  1. Além do ‘Dólar Furado’, que tanto sucesso fez por aqui, havia também ‘Dias de Ira’, em que contracenava com Lee Van Cleef. Este fazia um pistoleiro tão temido quanto malvado, que ensina todos os truques do manuseio da arma ao lavador de latrinas que era motivo de deboche de todo mundo, vivido por Gemma.
    Aí a criatura supera o criador e, quando o pistoleiro mata por motivo banal aquele que o abrigava, o duelo final torna-se inevitável. Ferido de morte, o pistoleiro invoca tudo que fez pelo pupilo, pede clemência e um cavalo para deixar a cidade. Então o novo manda-chuva da cidade recusa o pedido recorrendo a um dos ensinamentos que lhe passara o mestre da sobrevivência naquele mundo de selvageria sentenciando, quando atirar num homem o faça para matar, se não ele volta e lhe mata.
    Bem que podiam reapresentar filmes de Sérgio Corbucci, Tonino Valeri e alguns outros diretores de westerns italianos, que tiveram o mérito de desmistificar aquele mundo romântico mostrado em muitas produções holliwoodianas.

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