FHC, ex-presidente muito mimado

Por Paulo Moreira Leite (da revista Época)

Eu acho que os amigos e admiradores de Fernando Henrique Cardoso, situados no topo de nossa pirâmide social,  deveriam evitar mimos exagerados. Vão acabar estragando este político e intelectual culto e simpático, que já passou dos 80. FHC participou da luta pela democratização, fez um governo com realizações discutíveis, algumas trágicas e  outras muitos importantes. Também   deixou muitas recordações junto a tantos brasileiros. Poucos  tiveram a honra de sentar-se à mesa para debater política com Fernando Henrique Cardoso. Eu já.

Em 1975, em plena ditadura militar, FHC compareceu a um debate na USP para discutir a luta pela democratização do país. Foi um encontro de horas, animado, divertido e inesquecível. Quando me encontra, mais de 30 anos  depois, FHC não deixa de fazer brincadeiras a respeito. No Brasil de 2012, FHC é um ex-presidente mimado. Você entende a situação. A oposição não ganha uma eleição há três campanhas presidenciais.  Colocou seu principal herdeiro para disputar o pleito em São Paulo como se fosse a mãe de todas as batalhas e agora enfrenta a possibilidade de  encarar a mais dolorosa de todas as derrotas. Aquele que seria o favorito para concorrer em 2014 anda cada vez mais discreto…

Sobrou FHC e ninguém para de falar bem dele. Repare: parece que Fernando Henrique tem razão antes de começar a falar. Você conhece a situação do garoto mimado. É aquele que é dono da bola e das camisas – e sempre tem lugar garantido no time titular. A mãe nunca dá bronca e o pai sempre arruma um jeito de melhorar a mesada. As professoras o protegem na sala de aula. Melhoram as notas até quando não merece. Tem aluno que faz muito mais força e nunca recebe o mesmo elogio. Todos nós já vimos isso. Mas os pedagogos de bairro advertem: graças a esse ambiente de tolerância excessiva, o garoto mimado abusa – e todo mundo acha graça. Não precisa assumir responsabilidades pelo que faz. Sempre aponta defeitos nos outros.

Qualquer sociólogo B – como filmes B – entende o que ocorre. Os mimos vem de longe mas se acentuaram de uns tempos para cá. Há  um sentimento de culpa em relação a FHC. Abandonado na hora em que teria sido ético fazer sua defesa,  agora lhe permitem falar o que quer. Pagam a dívida em dobro, com juros  de Pedro Malan.  É  sempre elogiado, lhe passam a mão na cabeça e jamais se ouve uma critica. Faça um teste, você mesmo. Dê uma gugada e procure um adjetivo negativo, uma observação crítica ou mesmo uma ironia.  Daqui a pouco, vão dizer que a Dilma só faz um bom governo porque vez por outra trocou umas palavrinhas gentis com ele e parou de levar em conta dseu padrinho Luiz Inácio Lula da Silva.

Já perdi a conta de quantos livros saíram sobre ele, quantos balanços, quantas interpretações. Gostam tanto de FHC que o formato preferido é de livros-entrevista, onde o próprio protagonista tem a palavra final. FHC ganhou até uma antologia de fotos. Ficou bem até quando falou que era preciso legalizar a maconha, cocaína, heroína… Em teatro isso se chama fazer o coro. O personagem principal diz o que pensa e os coadjuvantes dão sustentação:  repetem, perguntam se não foi mesmo bacana, e assim por diante. Isso é o mais importante. Os universitários, como dizia Silvio Santos, precisam dar razão.

Mas: e a política? A economia? O texto? O debate? O contraponto? Sem substância, os mimos parecem hipocrisia,  não é mesmo? Os carinhos desmedidos são tantos, e tão intensos, que muitas pessoas acreditam, como se fosse um fato demonstrado cientificamente, que tudo o que aconteceu de bom no Brasil depois de 2003 é fruto da herança do governo FHC.

Tudo: do Bolsa Família ao crescimento duas vezes maior do que na década anterior, a redistribuição de renda,  a valorização do salario mínimo, o reforço nas garantias dos assalariados, a reação imediata ao colapso dos mercados. Alfredo Bosi, que dedica vários parágrafos de Dialética da Colonização a criticar FHC, admite que se trata de uma águia intelectual – consegue enxergar, muito longe, mudanças e evoluções que escapam aos observadores pedestres.

Os mimos ajudam a explicar   o último artigo de FHC,  publicado no Globo e no Estado. O texto tem o título de “Herança Pesada” e se dedica avaliar o governo Lula. Pode ser resumido nestas 21 palavras: “É pesada como chumbo a herança desse estilo bombástico de governar que esconde males morais e prejuízos materiais sensíveis para o futuro da Nação.”

Vamos combinar. Fernando Henrique entregou um país com a inflação em dois dígitos. Os impostos foram às alturas e só os bobos e acham que a carga tributária é obra de seu sucessor.  O desemprego subiu. Sua popularidade era negativa em 13 pontos. Quando foi positiva era menor que a de José Sarney do Plano Cruzado. E antes que você diga que isso é populismo, não custa lembrar que, numa democracia, a opinião popular é (ou deveria ser) muito importante. Essencial, na verdade. Todos os políticos deveriam saber disso.

E a herança de Lula é que é “pesada como chumbo?” Gerou “males morais e prejuízos materiais”? Falando sério. Em tempos de mensalão, não custa lembrar que o único caso comprovado de compra de votos por dinheiro (“compra de consciências,” como disse o PGR Roberto Gurgel) ocorreu no governo FHC, para aprovar a reeleição.

É mimo demais. Há um sujeito oculto neste debate. Ora é o sociólogo, distanciado, culto, crítico. Aqui valem as ideias. Ora é o político, engajado, direto, interessado. Aqui residem os fatos. A arte consiste em escrever como presidente para ser lido como sociólogo.

17 comentários em “FHC, ex-presidente muito mimado

  1. Na minha avaliação FHC fez um excelente governo até 1997,quando se obstinou doentiamente pela malfadada emenda da reeleição.A partir daí se esqueceu de governar estando mais preocupado com um novo de mandato de 4 anos.Agora me impressiona um artigo deste sair na Época,revista da globo.Na Veja é que não iria sair mesmo.Nesta publicação ele é um deus,suprassumo da moralidade e da ética,um fantástico intelectual que não traz imperfeição nas suas ações e no seu modo de agir

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  2. Francamente não consigo imaginar de onde estes escritores conseguem arrumar mimos a um cara que vendeu o país, detonou o que restava das universidades, baixos salários, recessão, eu, ex-professor da Ufpa, fui chamado de vagabundo por este presidente do qual não tenho nenhuma saudade, encontrei-me obrigado a largar o meu sonho e partir para algo mais promissor. Era um opositor ao PT e com tanta lambança a qual a classe de professores foi jogada, destratada por este senhor, ainda vem a mídia querer santificá-lo, francamente só num país de sem memórias é que tal absurdo pode ocorrer. Eta povo sem memória ou de memória curta!

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  3. Perfeito esse texto!

    Só faria uma observação sobre a inteligência dele. Pois, na minha Opinião, FHC é um Imbecil e um Soberbo!

    Mas é Minha Opinião!
    Pois convivi nesse governo somente com coisas ruins feitas por ele.
    Não tenho porque achar que foi legal em nada que ele fez, repito, nada!

    E, pra não dizerem que sou petista, cito uma nos mesmos moldes dele (FHC) , porém em escala menor: Ana Júlia Carepa! Péssima como governadora, pior ainda como parlamentar, além de maravilhada com o poder!

    Na verdade , poucos não são assim!

    Bom pra uns…(..)!

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    1. Sou tentado a concordar, amigo Alberto. Para mim, inteligência se revela na prática, no comportamento diário. FHC é um ressentido, nunca aceitou o fato de Lula ter sido aclamado pela população e recusa-se a entender isso como um fenômeno da democracia. Qualquer oportunidade que tem ele repete as mesmas análises toscas, buscando ingenuamente diminuir o prestígio de Lula. Virou um bufão.

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  4. Tadeu Marques – Brasilia/DF.
    Apesar dois 2.200 Km que nos separam, não esqueço as raízes e sempre leio os jornais de Belém pela internet. Dito isso, deparo com a postagem em seu Blog, do comentário de Paulo Moreira Leite.
    Confesso que concordo em alguns tópicos, e discordo da maior parte dos comentários, pois em Economia nada se estrutura sem sacrifícios e os ganhos são estruturados passo a passo. Nossa economia recomeçou sua caminhada, quando o ex presidente Collor abriu nossas fronteiras e seguiu se estruturando com o Plano Real tão combatido a época. O ex presidente Lula também tem seus méritos, mas na verdade apanhou um país estruturado para crescer tanto que segui o mesmo planejamento encontrado. Fernando Henrique é sim digno de elogios também, coisa que os contra não conseguem entender.

    Saudações bicolores.

    Tadeu

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  5. Édson, não tem como respeitar uma pessoa que, por necessidade, deixou um monte de pai de família desempregado!
    Pois o que me incomoda é o modo que FHC fez as coisas. Citou as necessidades de alguns fazerem os sacrifícios em nome da economia, como disse o amigo Tadeu, mas facilitou pra outros, principalmente os mais ricos.
    Se todos são brasileiros, então todos teriam de se sacrificar! isso não aconteceu!
    Transformou o Brasil num campo de especuladores. Pois quem tinha muito dinheiro, não trabalhava tanto, e vivia de aplicações no mercado financeiro. Já a pobre classe média vivia rebolando pra girar a economia falida de seu governo, mergulhada em dívidas e com inflação galopante!

    Égua porra! esse cara foi um escroto!… Te dizer…!

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  6. 8. Paulo Arthur | 05/09/2012 às 14:01

    Ainda vai aparecer aqui um pra defender o mensalão e o PT, vou esperar!
    Só queria saber como o filho do Lulalá arranjou tanto dinheiro????

    RESPOSTA:
    Ele arranjou tanto dinheiro do mesmo modo que a família Jeressati comprou, praticamente, toda a Telebras. Ou seja: Com facilidades que o poder cria.
    Como disse, não sou petista, mas também não sou burro de achar que o PSDB é a nata da honestidade!

    fala sério!

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  7. Não tem jeito…pode espernear. O Lula bem que tentou mas perdeu duas eleições para o FHC no primeiro turno. Esse é o melhor indicador de popularidade e sucesso que um político pode ter. O Lua e o PT nunca esquecerāo. Com mensalāo e tudo, o PT nāo conseguiu ganhar nenhuma eleiçāo presidencial no primeiro turno. O FHC foi um dos melhores presidentes que tivemos, reconhecido mundialmente. O Lula bem que tentou, mas não conseguiu chegar ao mesmo nível. Deixa o homem escrever o que pensa. Sempre é bom ter alguem desta estatura avalando governos e politicos. Isso e comum no mundo todo e serve para aperfeicoar a democracia.

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  8. José Silva, com todo respeito… mas você estava no Brasil durante a era FHC ou estava na Alemanha? Se vitórias em primeiro turno nos processos eleitorais fossem indicadores de popularidade, FHC então teria saído em alta cotação em 2002 não é mesmo? Não voto no PT por achar que não representa mais um projeto audacioso de mudanças de fato para o Brasil, por isso não votei em Lula e nem em Dilma… mas que possamos dar a César o que é de César.

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  9. Daniel, eu estava no Brasil. Na saida do FHC o mundo estava em crise e o Brasil foi capturado nela. FHC teve que adotar medidas nao muito populares para manter as coisas funcionando. O PT viva reclamando. No final das contas, o Lula acabou mantendo a mesma politica economica do FHC, inclusive convidando o Meirelles para o Banco Central para dar a credibilidade que o partido nao tinha. Sair com baixa popularidade para passar para o Lula um pais governavel em meio a uma crise foi um esforco que somente o FHC podia fazer. Se fosse outro, teria adotado medidas irrresponsaveis para eleger o Serra e que o pais se danasse.

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