Um olhar sobre a nossa imprensa

Por Luiz Gonzaga Belluzzo

Eu estava na ante-sala de uma médica, em Salvador. Sábado, dia 29 de agosto. E apenas por essa contingência, dei-me de cara com uma chamada de primeira página – uma manchetinha – da revista Época, já antiga, de março deste ano de 2009: “A moda de pegar rico” – as prisões da dona da Daslu e dos diretores da Camargo Corrêa.
 
Alguém já imaginou uma manchete diferente, e verdadeira como por exemplo, A moda de prender pobres? Ou A moda de prender negros? Não, mas aí não. A revolta é porque se prende rico. Rico, mesmo que cometendo crimes, não deveria ser preso.
 
Lembro isso apenas para acentuar aquilo que poderíamos denominar de espírito de classe da maioria da imprensa brasileira. Ela não se acomoda – isso é preciso registrar. Não se acomoda na sua militância a favor de privilégios para os mais ricos. E não cansa de defender o seu projeto de Brasil sempre a favor dos privilegiados e a favor da volta das políticas neoliberais. Tenho dito com certa insistência que a imprensa brasileira tem partido, tem lado, tem programa para o País.

E, como todos sabem, não é o partido do povo brasileiro. Ela não toma partido a favor de quaisquer projetos que beneficiem as maiorias, as multidões. Seus olhos estão permanentemente voltados para os privilegiados. Não trai o seu espírito de classe.

Isso vem a propósito do esforço sobre-humano que a parcela dominante de nossa mídia vem fazendo recentemente para criar escândalos políticos. E essa pretensão, esse esforço não vem ao acaso. Não decorre de fatos jornalísticos que o justifiquem.

Descobriram Sarney agora. Deu trabalho, uma trabalheira danada. A mídia brasileira não o conhecia após umas cinco décadas de presença dele na vida política do país. Só passou a conhecê-lo agora, quando se fazia necessário conturbar a vida do presidente da República. O ódio da parcela dominante de nossa mídia por Lula é impressionante. Já que não era possível atacá-lo de frente, já que a popularidade e credibilidade dele são uma couraça, faça-se uma manobra de flanco de modo a atingi-lo. Assim, quem sabe, terminemos com a aliança do PMDB com o PT.
 
Não, não se queira inocência na mídia brasileira. Ninguém pode aceitar que a mídia brasileira descobriu Sarney agora. Já o conhecia de sobra, de cor e salteado. Não houve furo jornalístico, grandes descobertas, nada disso. Tratava-se de cumprir uma tarefa política. Não se diga, porque impossível de provar, ter havido alguma articulação entre a oposição e parte da mídia para essa empreitada. Talvez a mídia tenha simplesmente cumprido o seu tradicional papel golpista.
 
Houvesse a pretensão de melhorar o Senado, de coibir a confusão entre o público e o privado que ali ocorre, então as coisas não deviam se dirigir apenas ao político maranhense, mas à maior parte da instituição. Só de raspão chegou-se a outros senadores. Nisso, e me limito a apenas isso, o senador Sarney tem razão: foi atacado agora porque é aliado de Lula. Com isso, não se apagam os eventuais erros ou problemas de Sarney. Explica-se, no entanto, a natureza da empreitada da mídia.
 
A mídia podia se debruçar com mais cuidado sobre a biografia dos acusadores. Se fizesse isso, se houvesse interesse nisso, seguramente encontraria coisas do arco da velha. Mas, nada disso. Não há fatos para a mídia. Há escolhas, há propósitos claros, tomadas de posição. Que ninguém se iluda quanto a isso.
 
Do Sarney a Lina Vieira. Impressionante como a mídia não se respeita. E como pretende pautar uma oposição sem rumo. É inacreditável que possamos nós estarmos envolvidos num autêntico disse-me-disse quase novelesco, o país voltado para saber se houve ou não houve uma ida ao Palácio do Planalto. Não estamos diante de qualquer escândalo. Afinal, até a senhora Lina Vieira disse que, no seu hipotético encontro com Dilma, não houve qualquer pressão para arquivar qualquer processo da família Sarney – e esta seria a manchete correta do dia seguinte à ida dela ao Senado. Mas não foi, naturalmente.
 
Querem, e apenas isso, tachar a ministra Dilma de mentirosa. Este é objetivo. Sabem que não a pegam em qualquer deslize. Sabem da integridade da ministra. É preciso colocar algum defeito nela. Não importa que tenham falsificado currículos policiais dela, vergonhosamente. Tudo isso é aceitável pela mídia. Os fins, para ela, justificam os meios.
 
Será que a mídia vai atrás da notícia de que Alexandre Firmino de Melo Filho é marido de Lina? Será? Eu nem acredito. E será, ainda, que ele foi mesmo ministro interino de Integração Nacional de Fernando Henrique Cardoso, entre agosto de 1999 e julho de 2000? Era ele que cochichava aos ouvidos dela quando do depoimento no Senado? Se tudo isso for verdade, não fica tudo muito claro sobre o porquê de toda a movimentação política de dona Lina? Sei não, debaixo desse angu tem carne…
 
Mas, há, ainda, a CPI da Petrobras que, como se imaginava, está quase morrendo de inanição. Os tucanos não se conformam, E nem a mídia. Como é que a empresa tornou-se uma das gigantes do petróleo no mundo, especialmente agora sob o governo Lula e sob a direção de um baiano, o economista José Sérgio Gabrielli de Azevedo? Nós, os tucanos, pensam eles, fizemos das tripas coração para privatizá-la e torná-la mais eficiente, e os petistas mostram eficiência e ainda por cima descobrem o pré-sal. É demais para os tucanos e para a mídia, que contracenou alegremente com a farra das privatizações do tucanato.
 
Acompanho o ditado popular “jabuti não sobe em árvore”. A CPI da Petrobras não surge apenas como elemento voltado para conturbar o processo das eleições. Inegavelmente isso conta. Mas o principal são os interesses profundos em torno do pré-sal. Foi isso ser anunciado com mais clareza e especialmente anunciada a pretensão do governo de construir um novo marco regulatório para gerir essa gigantesca reserva de petróleo, e veio então a idéia da CPI, entusiasticamente abraçada pela nossa mídia. Não importa que não houvesse qualquer fato determinado. Importava era colocá-la em marcha.

Curioso observar que a crise gestada pela mídia com a tríade Sarney-Lina-Petrobras, surge precisamente no mesmo período daquela que explodiu em 2005. Eleições e mídia, tudo a ver. Por tudo isso é que digo que a mídia constitui-se num partido. Nos últimos anos, ela tem se comportado como a pauteira da oposição, que decididamente anda perdida. A mídia sempre alerta a oposição, dá palavras-de-ordem, tenta corrigir rumos.
 
De raspão, passo por Marina Silva. Ela sempre foi duramente atacada pela mídia enquanto estava no governo Lula. Sempre considerada um entrave ao desenvolvimento, ao progresso quando defendia e conseguia levar adiante suas políticas de desenvolvimento sustentável. De repente, os colunistas mais conservadores, as revistas mais reacionárias, passam a endeusá-la pelo simples fato de que ela saiu do PT. É a mídia e sua intervenção política. Marina, no entanto, para deixar claro, não tem nada com isso. Creio em suas intenções de intervenção política séria, fora do PT. Neste, teve uma excelente escola, que ela não nega.
 
Por tudo isso, considero essencial a realização da I Conferência Nacional de Comunicação. Por tudo isso, tenho defendido com insistência a necessidade de uma nova Lei de Imprensa. Por tudo isso, em defesa da sociedade, tenho defendido que volte a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Por tudo isso, tenho dito que a democratização profunda da sociedade brasileira depende da democratização da mídia, de sua regulamentação, de seu controle social. Ela não pode continuar como um cavalo desembestado, sem qualquer compromisso com os fatos, sem qualquer compromisso com os interesses das maiorias no Brasil.

Luís Gonzaga Belluzzo é economista da Unicamp – e presidente do Palmeiras

6 comentários em “Um olhar sobre a nossa imprensa

  1. Amigos, que cidadão!!… O Beluzzo é uma das maiores reservas morais deste país. Este texto é um primor de coerência e veracidade. Fico feliz de pensar parecido. Por admiração ao Beluzzo dá até vontade de torcer pelo Palmeiras.

    Curtir

  2. Grande Gerson…..Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e o levaram para a delegacia.
    * Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha pra ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
    ** Não era pra mim não, seu Delegado. Era pra vender.
    * Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido… Sem-vergonha!
    ** Mas eu vendia mais caro..
    * Mais caro?
    ** Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
    * Mas eram as mesmas galinhas, seu safado!
    ** Os ovos das minhas eu pintava.
    * Que grande pilantra…
    Mas já havia um certo respeito no tom do delegado.
    * Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega…
    ** Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio.
    * E o que você faz com o lucro do seu negócio?
    ** Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Um juiz. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
    * O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso, perguntou se a cadeira estava confortável e se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
    * Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
    ** Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
    * E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
    ** Às vezes. Sabe como é…
    * Não sei não, Excelência. Me explique, por gentileza!
    ** É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Aquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.
    * O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso, não!!…
    ** Mas fui pego em flagrante, pulando a cerca do galinheiro!!
    * Sim. Mas é primário, e com esses antecedentes…

    Edmundo, Neves

    Curtir

  3. Belluzzo foi perfeito em sua análise sobre o comprometimento da grande imprensa com as elites.

    Muitos articulistas se referem a Lula como “torneiro mecânico”, emanando desdém, como se a profissão fosse algo vergonhoso.

    Há dez anos, assistindo a uma palestra do jornalista Caco Barcellos, da Rede Globo, quando ele veio a Belém lançar o primoroso livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, naquela época ele já chamava atenção para esse posicionamento da mídia.

    Ex-motorista de táxi, Caco viveu entre pobres. Nem o trabalho na maior rede de televisão do país fez com que se contaminasse com vírus do elitismo.

    Ele chamou a atenção para a arrogância da grande mídia. De como ela vira as costas para as questões do povo e só olha para cima.

    O texto do palmeirense fecha com tudo que Barcellos quis nos alertar naquela ocasião. Hoje vemos o jornalista em sua missão de formar uma imprensa com um outro olhar, através do programa Profissão Repórter. É um alento.

    Porém, voltando ao que escreveu Belluzzo, acredito que teremos que ir muito além do que brigar por diploma ou por uma Lei de Imprensa. A ferida é extensa, o remédio para curá-la de fato, teria que vir de uma grande revolução.

    Revolução não de armas, mas de pensamentos, de atitudes, de vontade de querer mudar o quadro. Ainda estamos muito, muito longe disso, infelizmente.

    Ainda mais quando constatamos que quem comanda a grande mídia são pessoas comprometidas com essa elite dominante e canhestra.

    Curtir

  4. Que a imprensa caminha labuta em favor da elite ainda é negado por jornalistas neoclássicos, um grupo que é tanto mais numeroso quanto detém muito influência sobre as decisões de política do que o povão. Hoje, somos bombardeadas por uma série de informações “jornalísticas” que nos leva a refletir qual seria, de fato, o papel da imprensa moderna e, até que ponto, ela conserva seu princípio ético de divulgar temas de interesse público ou se, alternativamente, ela vem explorando assuntos interessantes para o público.
    Hoje, virou moda para certos grupo elitizados a nova forma de chamar a atenção: trabalhar exclusivamente com fatos bombásticos, que tem por característica a presença do imediatismo, criando assim o que podemos chamar de jornalismo frívolo, sobrevivendo da sustentação da desgraça e das banalidades do cotidiano.
    Precisamos de uma imprensa caracterizada como sendo séria, formadora de opinião e não de uma imprensa patética e medíocre, que apela para aspectos popularescos, manipulando as pessoas (leitores), divulgando informações sensacionalistas.
    Na sociedade moderna a imprensa tem duas características: informar a sociedade e ganhar dinheiro. Muitos não estão conseguindo ganhar dinheiro sem ferir a seriedade, a ética.

    Curtir

Deixar mensagem para Cláudio Santos - Técnico do Columbia de Val de Cans Cancelar resposta