Coluna: A funcionalidade européia

O verdadeiro mundo do futebol está em plena efervescência. Na Europa. Os craques mais decisivos, celebrados e bem pagos estão em campo nesse começo de Liga dos Campeões. Todos os boleiros que realmente têm algo a apresentar estão lá. Inatingíveis, imperiais. O resto, bem, é apenas o resto. O lado chato disso tudo é que, a cada jogo transmitido pela TV a cabo, aumenta a constatação angustiante quanto ao fosso que nos separa.

Os estádios são melhores, a grama é mais verdinha. Tudo remete a uma superioridade que chega a humilhar de tão perfeita. Diante de tamanho esmero, até a ridícula camisa salmão do Barcelona é aceita sem maiores discussões, como aquele tenebroso uniforme pink da Juventus de Turim também era plenamente tolerado.

Como as coisas são sempre sincronizadas, não há mistério. Funcionam com extrema precisão e pontualidade, como os trens alemães. Para começar, os jogos não sofrem atrasos de espécie alguma, seja na entrada dos times em campo ou naquelas irritantes cenas de cera do lado de fora.

Nada de problema de coincidência de uniformes. E, supremo alívio, não se vê aquela multidão de papagaios de pirata povoando o gramado, como é praxe no Brasil. Muito menos radialistas ou repórteres ocupando o espaço do jogo.

Em meio a tudo isso, salta aos olhos o fato óbvio de que o torcedor é respeitado, em todos os aspectos. Os estádios têm sistemas de acesso que permitem ao comprador de ingresso chegar ao seu assento em menos de dez minutos. Na saída, não perde mais do que 15 minutos. Não há tumulto na borboleta, inexiste o risco de um cartão ser clonado ou falsificado.

Há conforto e opções de acomodação no estádio para todo tipo de torcedor, do mais modesto ao mais abonado. A cruzada implacável contra os baderneiros que infernizavam a vida do torcedor mostra seus resultados. Acabaram as batalhas campais nas áreas próximas aos estádios, mesmo nas partidas realizadas na Inglaterra, onde o consumo desbragado de cerveja nos bares sempre estimula alguns à prática do pugilismo de rua. Como ninguém arruma confusão, a polícia assume postura praticamente invisível.       

Apesar da inveja naturalmente positiva, noto que falta aos impecáveis estádios do Velho Mundo um quê de humanidade. É tudo tão certinho, tão asséptico, que o jogo quase fica em segundo plano, apesar de tantos craques em ação. Fico a pensar como ficariam as coisas numa hipotética mistura da fria funcionalidade européia com a festiva bagunça tupiniquim.

O que seria, por exemplo, da Champions League se a fumaça de churrasquinho-de-gato – e o aroma característico – invadisse as tribunas e camarotes? Desculpem. No fim das contas, o devaneio é apenas sintoma de uma velha inclinação pelo anarquismo. Na real, a Europa segue imbatível na promoção dos bons espetáculos.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quinta-feira, 17)

2 comentários em “Coluna: A funcionalidade européia

  1. Fora de campo a organização é impecável. E dentro de campo o futebol do Barcelona… Égua! Xavi, Henry, Messi, Ibra, Daniel Alves… A bola de pé em pé. Só de “prima”. Toques rápidos. Coisa linda…
    Mesmo quando é zero a zero vale a pena assistir. Um zero a zero com o Barcelona em campo é melhor do que um 6 x 5 com um time do Muricy em questão.

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