Lula reafirma tom conciliador e agenda moderada

Análise: Lula reafirma tom conciliador e agenda moderada, sem 'mentir ao mercado

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou o tom conciliador e a postura de não mentir ao mercado financeiro, em entrevista nesta manhã à Rádio Liberal, ao afirmar que seu vice terá de ser um “contraponto ao PT” e que este terá de ajudar na construção de um governo de coalizão, além de reiterar que pretende discutir com empresários e trabalhadores um novo padrão de qualidade para o emprego.

Estes pontos, e não a reafirmação de suas posições contra a atual política de preços da Petrobras ou uma crítica, sem viés revogatório, à privatização da Eletrobras, devem ser observados com atenção pelo investidor.

Eles apontam que, mesmo em assuntos desestatizantes, um terceiro mandato do petista será de ampla negociação, e confirma as apurações do Scoop By Mover de que ele não fala em reverter privatizações.

Ademais, em coletiva a blogs de esquerda na quarta-feira passada, o ex-presidente já havia dito que pretende mudar a política de privatizações a partir de seu eventual terceiro mandato, sem escamotear suas opiniões, como voltou a fazer agora.

Ou seja, Lula sinaliza, ao mesmo tempo, seu método, que é a concertação social, e algumas questões caras a serem negociadas, por meio da recriação do antigo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES.

Perto das 14h40, as ações preferenciais da Petrobras apresentavam queda de 1,15%, a R$ 33,49, e as ordinárias perdiam 0,95%, negociadas a R$ 36,63. Porém, analistas atribuíram ao adiamento do follow-on da Braskem a pressão sobre esses papéis. As ações ON da Eletrobras subiam 1%, para R$ 35,25, e as PNB, 1,2%, para R$ 34,47.

No mesmo sentido da busca por um amplo entendimento, o petista disse que discutirá projetos com governadores de todos os partidos, em crítica às posições do atual governo, em permanente choque com os estados e municípios. Antes, pelas medidas sanitárias contra a pandemia. Agora, em torno do preço dos combustíveis.

Em clima pré-eleitoral, ao falar que preços da Petrobras não devem ser atrelados aos internacionais, o ex-presidente somente verbaliza opinião atual e amplamente majoritária entre os governadores, prefeitos e em largas parcelas não só do Congresso Nacional, como também, veladamente, de alas do próprio governo Jair Bolsonaro.

A diferença prática é que, sem estar ainda eleito, Lula não tem poder de interferir nos preços e nem de gerar um potencial rombo de mais de R$50 bilhões nas contas públicas para inscrever uma renúncia fiscal na Constituição Federal. Hipótese felizmente descartada pelo Palácio do Planalto para controlar o preço da gasolina e do diesel, mas também subsidiar tarifas de energia elétrica.

Por outro lado, a defesa de retomar investimentos em refinarias também não será praticada durante o final deste primeiro mandato do presidente Jair Bolsonaro, o que pode ser vista, em caso de vitória de Lula, como um outro lado da moeda para lucrar com a companhia de economia mista: a valorização da Petrobras, agora pela perspectiva de um viés socialdemocrata, que também é compatível com ganhos para o mercado.

Outro aspecto que não deve ser desprezado na entrevista do petista é a defesa de que o Brasil tem capacidade de combinar capacidade produtiva com proteção ambiental, algo que compõe uma enorme pressão internacional, sobretudo do setor privado, para voltar a investir no país e destravar a cooperação econômica com a União Europeia, por exemplo.

Assim, em nossa visão, as falas de Lula devem ser tomadas como uma crescente calibragem de sua moderação rumo a um entendimento com o centro, com o mercado e com a retirada do Brasil do isolamento internacional.

Interlocutores históricos do ex-presidente garantem que o caminho da moderação e da concertação social seguirá sendo buscado, assim como que as mensagens dele sobre ainda não ser candidato se referem ao respeito à legislação eleitoral e um recado a setores minoritários do PT de que, se o quiserem disputando, terão que aceitar o caminho do entendimento -sem que isso signifique uma capitulação somente à agenda de setores mais liberais do mercado.

Outra questão da qual não se pode acusar Lula de ser inverídico. Na última quarta, ele afirmou que ouviria a Faria Lima, mas pediu que o mercado também considere os interesses sociais mais amplos, como o combate à desigualdade, à pobreza e à fome.

Texto: Leopoldo Vieira
Edição: Allan Ravagnani
Imagem: Vinícius Martins / Mover

O passado é uma parada

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Edu, Lima, Carlos Alberto e Pelé. Santos em campo, idos de 1960.

O golpe e seus cúmplices

Por Dilma Rousseff

Miriam Leitão comete sincericídio tardio em sua coluna no Globo de hoje (24 de janeiro), ao admitir que o impeachment que me derrubou foi ilegal e, portanto, injusto, porque, segundo ela, motivado pela situação da economia brasileira e pela queda da minha popularidade. Sabidamente, crises econômicas e maus resultados em pesquisas de opinião não estão previstos na Constituição como justificativas legais para impeachment. Miriam Leitão sabe disso, mas finge ignorar. Sabia disso, na época, mas atuou como uma das principais porta vozes da defesa de um impeachment que, sem comprovação de crime de responsabilidade, foi um golpe de estado.

Agora, Miriam Leitão, aplicando uma lógica aburda, pois baseada em analogia sem fundamento legal e factual, diz que se Bolsonaro “permanecer intocado e com seu mandato até o fim, a história será reescrita naturalmente. O impeachment da presidente Dilma parecerá injusto e terá sido.” O impeachment de Bolsonaro deveria ser, entre outros crimes, por genocídio, devido ao negacionismo diante da Covid-19, que levou brasileiros à morte até por falta de oxigênio hospitalar, e por descaso em providenciar vacinas.

O golpe de 2016, que levou ao meu impeachment, foi liderado por políticos sabidamente corruptos, defendido pela mídia e tolerado pelo Judiciário. Um golpe que usou como pretexto medidas fiscais rotineiras de governo idênticas às que meus antecessores haviam adotado e meus sucessores continuaram adotando. Naquela época, muitos colunistas, como Miriam Leitão, escolheram o lado errado da história, e agora tentam se justificar. Tarde demais: a história de 2016 já está escrita. A relação entre os dois processos não é análoga, mas de causa e efeito. Com o golpe de 2016, nasceu o ovo da serpente que resultou em Bolsonaro e na tragédia que o Brasil vive hoje, da qual foram cúmplices Miriam Leitão e seus patrões da Globo.

Bastidores do rock

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Gordon Lightfoot, Bob Dylan e Roger McGuinn numa jam session caseira.

Ministério da Saúde divulga nova nota técnica para municiar movimentos antivacina

A secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana de Leite Melo, ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante coletiva de imprensa

Por Malu Gaspar – O Globo

Em mais um reforço à campanha do presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação infantil, o Ministério da Saúde divulgou em seu site, no início da semana, uma extensa nota técnica dedicada unicamente a fornecer argumentos jurídicos para sustentar que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar “na medida de suas competências”. 

A nota assinada pela secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, e pelo diretor de programa Danilo de Souza Vasconcelos, causou perplexidade e indignação na comunidade científica, que a considerou mais uma tentativa deliberada de desencorajar pais e mães a vacinarem seus filhos – e de tranquilizar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro bolsonaristas que temem sanções, como o veto a matrículas escolares.

Um dos argumentos usados na nota é que a vacina contra a Covid não é obrigatória porque foi incluída no Plano Nacional de Operacionalização (PNO) da vacinação contra o coronavírus, e não no Programa Nacional de Imunizações (PNI), eixo central das campanhas no país. 

O argumento é o mesmo utilizado pela Associação Médicos pela Vida, que defende remédios ineficazes contra a Covid-19, numa nota divulgada ao público em 12 de janeiro. 

Por lei, todas as vacinas do PNI são obrigatórias, e os pais que não imunizarem seus filhos segundo a previsão do programa podem sofrer sanções, previstas inclusive no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em decisão no último dia 19, um dia antes da assinatura da nota técnica, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que os chefes dos Ministérios Públicos estaduais são obrigados a assegurar o cumprimento do direito de menores de 18 anos serem vacinados contra a Covid-19.

A decisão, tomada a pedido da Rede Sustentabilidade, reconheceu que o Ministério da Saúde fere o ECA ao reiterar a não obrigatoriedade da imunização infantil.

O plano de operacionalização foi criado para dar suporte técnico ao PNI, e portanto como parte do programa. Mas, na nota, Secovid faz um contorcionismo retórico para sustentar que não. Na nota, a secretaria sustenta que esse PNO não faz parte do programa de imunização, porque hoje ele está subordinado à secretaria. 

O documento afirma que PNO é um programa distinto do PNI não se submete às mesmas obrigações legais. Esse entendimento é contestado por autoridades no tema como Carla Domingues, que foi coordenadora do PNI por nove anos, nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Para ela, além de equivocada, a afirmação da secretaria é temerária. 

“A nota gigantesca serve apenas para dizer no final: ‘pai, não leve seus filhos para vacinar porque não será obrigatório’”, resume Domingues, que é epidemiologista. 

“O Ministério da Saúde tratou o assunto desde o começo como uma campanha de vacinação contra a Covid, como fazemos com a gripe”, explica ela, para quem a divisão entre PNI e PNO está fragmentando ações que deveriam funcionar de forma intersetorial.

“É descabido. A única coisa que tem um histórico de longevidade e êxito no ministério é o PNI. E eles estão conseguindo desestruturá-lo, lamentavelmente”.

O PNI está sem um coordenador titular desde junho de 2021, o que é visto como reflexo do esvaziamento de um setor essencial para a vacinação no país há décadas. 

Para Lígia Kerr, que integra a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (Ctai) representando a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o posicionamento da Secovid é mais um esforço do governo para descredibilizar o Programa Nacional de Imunizações. 

“Essa nota é uma aberração. Quem deveria ser responsável pelo plano de operacionalização da vacinação é o PNI. É uma tentativa de esvaziar o programa, jogando a responsabilidade para a Secovid. Isso é uma distorção, nunca foi e não deveria ser assim. A vacinação é aprovada pela Anvisa e o governo, através do PNI, deveria implementá-la”, afirma Lígia Kerr. 

“Essa divisão entre PNI e PNO é mais um dos sintomas da desorganização de um governo que não comprou a vacina em quantidade suficiente e em tempo, criou crises e continua não apoiando a imunização de crianças”.

Domingues alerta ainda que as constantes tentativas do Ministério da Saúde de alimentar dúvidas sobre a vacinação de crianças tem consequências práticas no cotidiano da população. 

Ela lembra que esforços similares de desacreditar vacinas ocorreram na campanha de adultos e adolescentes, mas observa que a investida subiu o tom na imunização infantil.

Além de convocar uma inédita audiência pública com militantes antivacinas para discutir o tema, o ministro Marcelo Queiroga distorceu dados sobre efeitos adversos dos imunizantes em crianças. . 

“É contraproducente e surreal. No momento que temos crianças morrendo, com sequelas como a Covid longa, o ministro (Queiroga) vai para a televisão e diz que houve 4 mil mortes pela vacina, o que não é verdade. Ao invés de orientar e estimular a população a se vacinar, mostrando a segurança das vacinas, ele é hoje o principal desinformador”, afirma ela. 

“Se há pessoas hesitantes, isso tem uma grande participação do Ministério da Saúde. Já passamos do estágio do receio, estão criando pânico na população. Se o ministério colocou a vacinação como uma ação prioritária e de Estado por 50 anos, e passa a alimentar dúvidas sobre vacinas, dizer que elas farão mal, os pais vão acreditar nisso”, conclui.

Questionado sobre o motivo da elaboração da nota técnica, o Ministério da Saúde não retornou até o fechamento da reportagem.  

Papão vence, mas Braga assusta

POR GERSON NOGUEIRA

Paysandu x Bragantino-PA, Campeonato Paraense 2022

Não foi a estreia dos sonhos, mas o PSC conseguiu passar pelo Bragantino na abertura do Campeonato Paraense, marcando 3 a 1 e mostrando objetividade para aproveitar as poucas oportunidades surgidas. No aspecto individual, Ricardinho apareceu bem na distribuição de jogadas, com boa presença de Marcelo Toscano. Pelo Bragantino, Emerson Bacas foi o principal organizador e municiador do ataque.

A partida foi marcada pelo equilíbrio, muito em função da surpreendente atuação do Bragantino, sempre ofensivo e disposto a buscar a vitória. O 1º tempo foi bem disputado, mas o PSC foi mais objetivo e chegou ao gol aos 13 minutos, em cabeceio de Bileu após escanteio batido por Ricardinho.

O volante foi a principal figura do Papão, pela qualidade do passe e a categoria para explorar a bola parada. O primeiro gol surgiu justamente a partir dessa habilidade. Até então, as melhores chances tinham sido criadas pelo Bragantino, através do habilidoso meia Emerson Bacas.

Foi justamente a postura destemida do Bragantino que tornou o jogo interessante. Agressivo, o time de Rogerinho Gameleira não mostrou excesso de respeito ou temor. Atacava com até três jogadores, sem grande preocupação em se resguardar defensivamente.

Depois de sofrer o gol de Bileu, o Braga seguiu no ataque e quase empatou aos 39’, em jogada rápida pela direita. Davi Caça-Rato, outro que apareceu muito bem, cruzou e a bola passou por José Aldo, que fazia as vezes de zagueiro. Bacas apareceu e mandou a bola no travessão de Elias.

Na etapa final, o Bragantino continuou na frente, sem desistir do empate. Quase chegou lá aos 20 minutos, em chute forte do dinâmico Bacas que Elias defendeu bem. Logo em seguida, em contra-ataque bem tramado, o PSC fez o segundo gol, com Christian.

Parecia que a parada estava liquidada, mas o Bragantino não se encolheu. Depois de toque de mão de Patrick na área, Tiago Recife cobrou o pênalti e diminuiu. Animado, o Tubarão saiu para o ataque e se descuidou na zaga.

O centroavante Danrlei, que entrou nos 20 minutos finais, substituindo a Henan, aproveitou um erro de Hatos na intermediária, avançou em direção à área e tocou na saída do goleiro Ferrari. Estava sacramentada a suada e importante vitória alviceleste. (Foto: John Wesley/Ascom PSC)

Leão estreia com dúvida no ataque

Com algumas mudanças importantes na defesa e no ataque em relação ao time campeão da Copa Verde, o Remo enfrenta o Amazonas Independente, hoje, no Baenão, abrindo a campanha em busca do título estadual. Quase todas as entrevistas dos jogadores e do técnico Paulo Bonamigo apontam para a importância dos trabalhos na pré-temporada em Parauapebas.

Um dos titulares, o volante Anderson Uchoa, admitiu a ansiedade, mas aposta na qualidade da equipe. Faz sentido. Com remanescentes de 2021, principalmente no meio-de-campo, o Leão tende a se beneficiar de um entrosamento que normalmente não surge em início de temporada.

O meio é o setor mais ajustado, pois os volantes e meias já se conhecem. Uchoa, Pingo e Paulinho Curuá são os homens de marcação. Eric Flores, Felipe Gedoz e Tiago Miranda atuam na armação. Para hoje, Gedoz foi vetado por lesão sofrida no último treino.

A zaga está definida com Daniel Felipe e Marlon no centro, Ricardo Luz e Paulo Henrique nas laterais. No ataque, há dúvida quanto ao centroavante – Whelton ou Brenner. Bruno Alves e Ronald são os atacantes de lado.

Mesmo que o torcedor não demonstre tanto entusiasmo, há sempre a expectativa acerca do que Bonamigo pode extrair do grupo atual. Os erros cometidos no Parazão 2021, principalmente na fase decisiva, ainda estão vivos na memória do torcedor e do próprio time.

Ficou a sensação de que o time, favorito para a conquista do título, exagerou na autossuficiência e acabou punido. A eliminação para a Tuna até hoje não foi assimilada pelos azulinos. A responsabilidade de brigar pelo título vem acompanhada de um apelo à humildade.

O Amazônia Independente é a grande novidade do campeonato. Conquistou o acesso à divisão principal logo no primeiro ano de fundação e traz uma proposta diferente: um time formado por jogadores regionais, fiel à filosofia de valorizar o talento amazônico.

Clubes pressionam por “eleição já” na FPF

A presidente interina da FPF, Graciete Maués, assumiu para convocar a eleição adiada do dia 28 de dezembro. Pelo estatuto, ela tem oito dias para convocar as eleições. É fundamental que isso ocorra a fim de não atrasar em excesso a definição do novo presidente da entidade.

Diante da desconfiança de que o prazo pode ser descumprido e preocupados com a insegurança jurídica que persiste na FPF, oito clubes protocolaram um abaixo-assinado requerendo o cumprimento do estatuto e a realização das eleições o mais rápido possível.

Em meio a isso, surgem especulações sobre a formação das chapas. Até então, três chapas estavam registradas, mas o cenário pode mudar. A partir da convocação do pleito, o processo eleitoral pode ser reiniciado, abrindo espaço para novas candidaturas.

No caso de constituição de uma nova chapa, que poderia ser encabeçada pela própria Graciete, é necessário que haja a adesão de no mínimo 25% dos filiados aptos a votar.

Por ora, prevalece a ideia de que a eleição será retomada de onde parou, com a participação das chapas já inscritas. Há, ainda, a possibilidade de desistência de um dos candidatos.

O que não pode ocorrer é nova procrastinação do processo. Já se perdeu muito tempo em meio a denúncias que levaram à judicialização da eleição. Os oito clubes que subscrevem o documento demonstram estar realmente preocupados em fazer com que a situação se normalize.  

(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 27)

Rock na madrugada – Lemmy & Foo Fighters, “I’ll Be Your Sister”

Tudo tem a ver com política

Por Frei Betto

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Há uma tradicional maneira de caçar ratos: basta colocar um pedaço de queijo dentro de uma armadilha. O roedor sente o cheiro da iguaria e, ágil, corre para devorá-la. Ao se aproximar, comete um erro involuntário que lhe custa a vida: pisa no mecanismo que fecha, automaticamente, a ratoeira, aprisionando-o.

E o que faz o populismo de direita para neutralizar potenciais adeptos das teses progressistas. Apregoa o ódio à política. Alardeia que todos os políticos são corruptos! (Inclusive seus adeptos…). Substitui as pautas sociais pela de costumes. Reforça o moralismo farisaico. Assim, convence muitas pessoas a ter aversão à política.

Quem tem ódio da política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos querem é que tenhamos bastante nojo da política para, então, dar a eles carta branca para fazerem o que bem entenderem. O que mais temem é que participemos da política para impedir que seja manipulada por eles.

Não existe neutralidade política. Existe a doce ilusão de que podemos ignorar a política, abdicar do voto e ficar recolhido ao nosso comodismo. Ao agir desta forma, nos tornamos o rato que come tranquilamente o saboroso queijo, sem ainda se dar conta de que perdeu a liberdade e, provavelmente, a vida.

Ninguém escapa dos dois únicos modos de fazer política: por omissão ou participação. Ao ficar alheio à conjuntura política, ignorar o noticiário, evitar conversas sobre o tema e nos abster nas eleições, assinamos um cheque em branco à política vigente. A omissão é uma forma de adesão à política e aos políticos que, no momento, dirigem a política do país no qual vivemos.

O outro modo é a participação, que tem duas faces: a dos que apoiam a política vigente e a dos atuam para mudá-la e implantar um novo projeto político.

As forças políticas de direita, que naturalizam a desigualdade social, acusam muitos políticos de corruptos (às vezes, com razão!). Mas não propõem ignorarmos a política. Propõem substituir os políticos por empresários, dentro da lógica capitalista de privatização do espaço público e do Estado. Foi o caso do governo fracassado de Macri, na Argentina, e de muitos outros exemplos mundo afora.

A política não é tudo, mas em tudo há política. Desde a qualidade do café que tomamos todas as manhãs até as condições humanas (ou desumanas) de nossas moradias. Tudo na vida de cada um de nós depende da política vigente no país: a qualidade de nossa educação escolar, o atendimento à saúde, a possibilidade de emprego, as condições de saneamento, transporte, segurança, cultura e lazer. Não há nenhuma esfera humana alheia à política. Inclusive a natureza depende dela – se as florestas são ou não preservadas, se as águas são ou não contaminadas, se os alimentos são orgânicos ou transgênicos, se os interesses do capital provocam ou não desmatamentos e desequilíbrio ambiental. A qualidade do ar que respiramos depende da política vigente.

Um dos recursos que a direita utiliza para dominar a política é a manipulação da religião, em especial no continente americano, onde a cultura está impregnada de religiosidade. A modernidade logrou estabelecer uma saudável distinção entre as esferas política e religiosa. Isso após longos séculos de dominação da política pela religião. Hoje, em princípio, o Estado é laico e, na sociedade, a diversidade religiosa é respeitada e tem seus direitos assegurados, tanto no âmbito privado (crer ou não crer), quanto no público (manifestação de culto).

Atualmente, os religiosos fundamentalistas querem confessionalizar a política. Usar e abusar do nome de Deus para enganar os incautos. Ora, nem a política deve ser confessionalizada, pois tem que estar a serviço de crentes e não crentes, nem a religião deve ser partidarizada. A Igreja, por exemplo, deve acolher todos os fieis que comungam a mesma fé e, no entanto, votam em candidatos de diferentes partidos políticos.

Isso não significa que a religião é apolítica. Não há nada nem ninguém apolítico. Uma religião que acata a política vigente está, de fato, legitimando-a. Toda religião tem como princípio básico defender o dom maior de Deus – a vida, tanto dos seres humanos quanto da natureza. Se um governo promove devastação ambiental ou privilegia os ricos e exclui os pobres, é dever de toda religião criticar este governo. Sem pretender ocupar o espaço dos partidos políticos, como, por exemplo, apresentar um projeto de preservação ambiental ou de reforma econômica. Em sua missão profética, cabe às confissões religiosas abrir os olhos da população para as implicações éticas da política deletéria do governo.

No caso dos cristãos, entre os quais me incluo, é sempre bom frisar que somos discípulos de um prisioneiro político, Jesus de Nazaré. Ele não morreu de acidente nas escadarias do Templo de Jerusalém, nem de doença na cama. Foi perseguido, preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado a morrer assassinado na cruz. Foi considerado subversivo por defender os direitos dos pobres e ousar, dentro do reino de César, propor outro reino, o de Deus, que consiste em um novo projeto civilizatório baseado no amor (nas relações pessoais) e na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano (nas relações sociais).

Portanto, não há como alguém escapar da política. Estamos todos imersos nela. Se a política que predomina hoje em nosso país e no mundo não nos agrada, busquemos meios para alterá-la. A realidade atual de nosso país e do mundo resulta da política adotada nas décadas precedentes. Cabe a cada um de nós se decidir: acatar ou transformar?

Um dos exemplos mais curiosos de que tudo tem a ver com a política é este: o último mês do ano é dezembro, que equivale ao numeral dez. Antes dele, novembro, nove. Atrás, outubro, oito. Precedido por setembro, sete. E quantos meses tem o ano? Doze!

Eis a política: na Roma antiga o ano compreendia 304 dias e tinha 10 meses: martius, aprilis, maius, junius, quintilis, sextilis, september, october, november e december. Mais tarde foram acrescidos os meses de janus e februarius.

Para homenagear os césares, o senado romano mudou os nomes de quintilis para julho, em honra do imperador Júlio César, e sextilis para agosto, em honra de César Augusto. Como havia a alternância de 31/30 nos dias de cada mês, não era admissível que o mês de Augusto tivesse um dia a menos que o de Júlio. Assim, arrancou-se um dia de fevereiro. Julho e agosto são os únicos dois meses do ano que se sucedem com 31 dias cada um.

Podemos não saber que a política está em tudo, mas está. Porque o ser humano não inventou, e acredito que nem inventará, outra maneira de organizar a sua convivência social a não ser através da política.