Os broncos chegaram ao poder

“E que diferença faz quem é Chico Mendes?”. 

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, no programa Roda Viva

Ivete Sangalo: até quando se apropriar e fechar os olhos ao racismo?

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Por Breno Tardelli, no CartaCapital

No Brasil, terra onde a escravidão é romantizada, tem muitos artistas que vivem tranquilamente como se por nada fossem responsáveis ou com nada se responsabilizassem. Artistas que convivem com cenários coloniais com uma naturalidade espantosa, como ficou nítido recentemente na festa de Donata Meirelles, chefe da revista Vogue, que achou de bom tom remontar o cenário colonial com mulheres negras vestidas de mucamas e brancos brindando suas taças e posando em tronos de candomblé – que para muitos eram tronos de sinhá. Donata é casada com o publicitário Nizan Guanaes, envolvido com a propaganda positiva de agrotóxicos a serviço da bancada ruralista, e ambos recepcionaram a elite política e artística do país, na qual parte que se diz engajada como Caetano Veloso, a família Gil, Regina Casé, entre outros.

A festa foi um escândalo racista e quase que de modo instantâneo as redes foram tomadas pelas cenas perversas de mulheres brancas sentadas cercadas por negras que posavam para a foto. Cenas dantescas que transcenderam as fronteiras do país, mas isso não impediu que a festança continuasse. Tratava-se de um final de semana de festa regada a dinheiro do agrotóxico e, no segundo dia, Donata e Nizan contaram com a estrela Ivete Sangalo para entreter os sinhores e as sinhoras. A cantora, conhecida como a “Rainha do Axé”, foi alvo de críticas por mais uma vez compactuar com situações aviltantes ao povo negro e pobre.

Um pequeno parênteses: um pressuposto lógico para ser Rainha do ponto de vista positivo e simbólico é a realeza, a nobreza, a postura e o compromisso com seu povo. Cabe ressaltar nesse texto que Ivete Sangalo falha em todos os pontos.

Explico. Ivete se valeu durante a carreira da música negra. Pessoalmente, e respeito gosto em sentido contrário, pensa sua obra como deturpadora do Axé, dos batuques, um trabalho que confundiu a ginga e a dança com ficar pulando, pulando e pulando. Talento e presença de palco à parte, a indústria cultural que elegeu Ivete e outras como rainhas do Axé – sendo todas brancas, algo digno de nota e reflexão – transformou a música num produto muito distante do sentido original dos povos de matrizes africanas. Tal deturpação é motivo de crítica de vários intelectuais negros e negras que apontam o fato como grande exemplo a apropriação cultural. De algo que surgiu negro à “A cor dessa cidade sou eu”, cantado por uma outra mulher branca, muito foi saqueado pela indústria que elegeu Ivete como uma de suas Rainhas.

É verdade que num cenário industrial, essas artistas eram mera peça de reposição de objetos descartáveis no vocal. Não fossem essas, seriam outras mulheres brancas tão medianas quanto. Entretanto, atualmente, passadas décadas desse sistema de apagamento, Ivete Sangalo e outras se encontram ricas, para não dizer milionárias. Vão continuar ganhando dinheiro por gerações e, como tal, não precisam continuar sendo bonequinhos de ventríloquos de alguma gravadora e emissora. Podem ser cobradas à responsabilidade para resgatar o que se invisibilizou, promover cantoras jovens negras em busca de um acesso na íngreme estrada da música, como também se posicionar politicamente em favor das pautas e do povo sobre o qual pisaram nos ombros para alcançar o sucesso.

Dizer-se da Bahia tem muitos artistas que adoram dizer. O próprio Caetano Veloso, que estava no primeiro dia da festa internacionalmente denunciada como racista fazendo seu papel bobo da corte, é um que faz alusão à magia baiana. Ivete e tantos outros também fazem. Mas o que seria essa magia? Seria a romantização do período colonial? A saudade dos sorrisos forçados das mucamas e o tronco para aquelas desobedientes? Algo para se refletir. Ora, se ser da Bahia é, de fato, ressaltar a herança histórica e cultural forjada pelos povos negros, pelos terreiros, pelas rodas de capoeira, honrá-la seria trabalhar para empoderar a população que atualmente, se encontra em grande parte sob a mira do fuzil, sob as louças da cozinha da Casa Grande, lutando para ingressar em universidades públicas ameaçadas de extinção, entre outras situações. Uma cultura que enriqueceu e muito Ivete Sangalo. Isso me parece óbvio.

Como tudo aquilo que é fabricado nessa sociedade injusta, no entanto, Ivete Sangalo mostra-se vazia politicamente, como também se presta a papéis de boba da corte da Casa. Algo que vem desde muito tempo, mas se acentua em tempos absurdos, como, por exemplo, no silêncio sepulcral na ascensão, campanha e eleição de Jair Bolsonaro, rejeitado por mais de 70% das urnas da Bahia, embora tenha sido cobrada para tal postura. Ela pode dizer que é uma mera artista, que não tem obrigação de se posicionar, mas quem sabe se Ray Charles quando se recusou a se apresentar para plateia segregada, sendo banido por décadas e aceitando o preço, pensasse o mesmo? Isso só para ficarmos em um exemplo, já que existem inúmeros de artistas engajados, brasileiros inclusive. Mas os artistas alienados desse país nos tempos atuais pensam que por viverem na colônia podem passar a vida sem se comprometer com nada, apenas sugando e se apropriando do povo que é esquecido no momento da fortuna.

Quando é para se indispor com alguém da Casa Grande, então, aí é que não pode se esperar nada da classe artística, muito bem representada na figura de Ivete Sangalo. Um exemplo mais recente é seu show no dia seguinte à festa nababesca colonial de Donata Meirelles, o que já seria algo de repúdio, uma vez que havia ampla comoção e revolta na base que a elegeu contra o que tinha acontecido. Sem graça, no meio da apresentação, Ivete faz um discurso que não diz que é preciso sentir a dor do próximo, homenageia a querida aniversariante e termina: bora cantar!

Ratos à solta

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O bolsonarista Renato Maciel se define no Twitter como economista, administrador, contador, mestre, auditor e executivo em gestão empresarial.

Mais um craque que se vai

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POR GERSON NOGUEIRA

Ricardo Boechat tornou-se jornalista conhecido de todo o país a partir de sua aparição na TV já quase um veterano ali no final dos anos 90, mas era repórter respeitado e admirado desde que pilotou a lendária e saborosa Coluna do Swann, em O Globo.

Boechat chegou ao colunismo sob a batuta de Ibrahim e conseguiu se firmar quando Zózimo Barrozo do Amaral já era estrela do colunismo de tom diversificado, não necessariamente focado no alto mundo social. Conviveu com ele no próprio Globo, em pé de igualdade.

Gosto da ênfase dignificante que ele sempre deu ao seu trabalho, descrevendo-se como um eterno repórter. Penso da mesma forma, pois o ofício de garimpar notícias será sempre a parte mais nobre do jornalismo.

As notas curtas e mordazes se tornaram um padrão Boechat. O estilo, cultivado ao longo de décadas, virou um poderoso elemento de sua fase eletrônica. E aí entra o lado mais curioso da vitoriosa carreira de Boechat: a reinvenção através do radiojornalismo televisivo.

Na Band News FM fazia um programa diário (retransmitido nas redes sociais e no canal a cabo) de fina análise política e social com competência, muito sarro, discernimento, raciocínio sempre ferino e informação bem calibrada.

Ironicamente, o rubro-negro Boechat apropriou-se das ondas do rádio, um veículo usualmente apontado como decadente, para se diferenciar do rádio anacrônico, cheio de intolerância rabugenta, clichês baratos e ideias toscas. Ancorava com a categoria própria dos que sabem o que dizem.

Na linha dos grandes nomes do rádio norte-americano, sempre desassombrados e até desbocados, Boechat manteve impressionante equilíbrio em meio ao tiroteio de reputações em voga no país. Mas não ficava no muro, longe disso. Foi particularmente certeiro ao mandar às favas um desses picaretas que assaltam a fé das pessoas.

Sem diploma acadêmico, autodidata com orgulho, dizia-se um apaixonado pelo rádio. Custou a se habituar às novas plataformas digitais, mas se manteve sempre no topo na internet justamente pelo perfil singular e extremamente atualizado.

O acidente de ontem em São Paulo interrompe uma trajetória campeã, cheia de triunfos e prêmios, sob a admiração de um país que parou para prantear a morte de um de seus maiores repórteres. Honra e orgulho para todos nós, jornalistas e fãs-discípulos de Boechat.

Enfim, como ele costumava falar, segue o barquinho.

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Para os pachecos, o Re-Pa já começou

Nos programas esportivos do rádio e da TV, os torcedores abrem o tradicional aquecimento para o Re-Pa com a pergunta inevitável: quem chega melhor preparado para o clássico?

Ontem, no Linha de Passe, na Rádio Clube, a participação dos ouvintes se concentrou nessa indagação de difícil resposta. Penso que, como em tantas outras vezes, não há a menor sombra de favoritismo no duelo de domingo entre os rivais.

Ambos fazem boa presença no Estadual. O Remo mantém campanha 100%, o Papão segue invicto, apesar do empate em Castanhal.

São elencos integrados majoritariamente por jogadores importados, o que exige mais tempo de convívio e entrosamento. João Neto teve mais tempo para organizar o Remo, com jogos amistosos na pré-temporada.

De sua parte, João Brigatti viu-se na contingência de ajustar a equipe ao longo do campeonato, com os percalços naturais que a situação impõe. Está naquela fase de tentativa e erro, e o torcedor precisa compreender isso.

No Papão, alguns jogadores precisarão de mais tempo para respostas efetivas em campo. No Leão, boa parte do elenco já mostra a que veio, por melhor adaptação ao plano de jogo desenhado pelo técnico.

Nem mesmo a semana cheia que o PSC terá para refazer energias e preparar estratégia constitui vantagem em relação ao rival, que disputará uma decisão contra o Serra-ES pela Copa do Brasil. Como poupou titulares diante do Independente, sábado, João Neto atenuou possíveis consequências do desgaste físico no meio da semana.

Em resumo, não há vantagem visível.

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Cartolagem chucra não perde chance de dar vexame

Que papelão do tal Bandeira de Melo, esquivando-se de responsabilidade pela tragédia do Ninho do Urubu e tendo a pachorra de considerar “confortáveis” as instalações do alojamento montado em contêineres conjugados.

Duvido que o ex-presidente tivesse coragem de mandar um filho ou parente morar (ou apenas dormir) naqueles caixotes metálicos.

A cara-de-pau é ainda mais acintosa porque a ele cabia responder e esclarecer os motivos de o Flamengo ter se recusado a regularizar a situação do alojamento dos garotos, mesmo sob a saraivada de autuações (30 só em 2017).

Por essas e outras é que a fiscalização dos órgãos públicos não pode ser sazonal. Deve ser constante e rigorosa, priorizando a proteção a menores em situação de vulnerabilidade.

E, obviamente, sendo implacável com a cartolagem irresponsável e arrogante.

(Coluna publicada no Bola desta terça-feira, 12)

Rock na madrugada – Cachorro Grande, Não Me Acabo

https://www.youtube.com/watch?v=7e_-0ppadrk