Uma tradição ameaçada

Por Gerson Nogueira

bol_dom_240213_23.psMais que um dérbi emocionante, o Re-Pa deste domingo será um grande teste de resistência e civilidade. Estará em jogo a capacidade de oferecer, no estádio Mangueirão, conforto e segurança à massa torcedora calculada em 40 mil pessoas. Ninguém fala abertamente, mas a escalada de incidentes violentos pode mudar em definitivo a cara do choque-rei – para pior.

O fato é que uma das mais intensas manifestações populares do Pará corre o sério risco de vir a se transformar em evento de uma torcida só. A experiência, já posta em prática em Minas Gerais sempre que Cruzeiro e Atlético se enfrentam, é a admissão clara do fracasso das forças de segurança e órgãos de fiscalização. Expõe a falência da ordem diante do fenômeno das hordas que assombram estádios e afugentam o torcedor comum.

Nos últimos anos, esforços inegáveis têm sido desenvolvidos para impedir que o futebol paraense chegue ao ponto de capitular ante as facções organizadas. Os progressos, porém, têm sido mínimos. A cada novo Re-Pa, repetem-se cenas de barbárie explícita nas áreas de acesso, no entorno e até nos ônibus que passam às proximidades do Mangueirão.

Às vésperas do Carnaval, o temor de uma tragédia provocada por arruaceiros levou a Polícia Militar a transferir o clássico de domingo para sábado, ferindo a centenária tradição de jogos entre os dois velhos rivais. A medida, que recebeu críticas generalizadas – inclusive deste escriba –, mostrou-se afinal a mais prudente, amparada em exemplos recentes e no quadro de insegurança existente em Belém.

Apesar dessa providência, cerca de 40 ônibus foram apedrejados e dezenas de pessoas foram vitimadas por assaltos e furtos dentro e fora do estádio. Sem contar as brigas ocorridas nas rampas internas e à saída do clássico.

Durante a semana, a PM, o MPE, a Justiça e os clubes reuniram para montar um amplo esquema de segurança, a fim de garantir a integridade dos verdadeiros torcedores. Na verdade, as providências definidas representam uma das últimas tentativas de preservar o Re-Pa como um jogo marcado pelo encontro festivo de duas torcidas rivais.

Caso o embate de hoje seja marcado pelas ocorrências violentas de sempre, prejudicando pessoas e patrimônios, medidas mais drásticas precisarão ser adotadas. Mesmo que, em última análise, signifiquem o triunfo dos bárbaros.

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Felipe e o esquecimento

A tragédia de Oruro, que vitimou um menino de 14 anos, alvejado por um sinalizador no jogo entre San José e Corinthians, tem um triste precedente no Pará. Em abril de 2007, antes do Re-Pa que decidiria o returno do campeonato, Felipe Matheus, de 11 anos, foi atingido na cabeça por um rojão disparado por um torcedor remista.

Felipe aniversariava naquele domingo. O foguete tinha sido turbinado com pequenas petecas de aço. Socorrido e levado a um hospital, Felipe morreu dois dias depois, devido à gravidade do ferimento.

Desde então, pouco se avançou na punição aos criminosos dos estádios, incluindo o próprio autor do disparo contra o menino. Lutar para impedir que a violência das “organizadas” sacrifique outros Felipes é o maior desafio de todos que amam o futebol paraense.

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Os senhores da bola

Meias habilidosos, Eduardo Ramos e Tiago Galhardo serão os mais vigiados em campo no clássico que abre a decisão do turno do Parazão, hoje à tarde. A razão é simples: todas as jogadas trabalhadas dos dois times passam por eles. São os homens responsáveis pela criação, desafogando a defesa na saída de bola e alimentando o ataque. Além disso, ambos têm características ofensivas e costumam chegar à área para arremates ou troca de passes.

Galhardo teve participação em boa parte dos gols marcados pelo Remo na competição, especializando-se em fazer assistências precisas. É o responsável pela organização das jogadas, embora tenha perfil de meia-atacante, o camisa 8 tradicional. Mais do que lançar, prefere conduzir a bola. Mas, diante das carências do elenco, Flávio Araújo resolveu utilizá-lo como o 10 que o Remo tanto buscava. Deu certo.

Ramos, ao contrário, chegou com credenciais de meia-armador clássico, depois de passagens destacadas pelo futebol pernambucano e rápida fase no Corinthians. Gosta de fazer lançamentos, embora se adapte bem à troca de passes com os atacantes. Pela facilidade nos tiros de média distância, funciona também como um falso atacante.

Peculiaridades à parte, o Re-Pa estará muito bem resolvido se Galhardo e Ramos forem realmente os destaques de seus times. Sinal de que a técnica prevalece sobre a força e a inspiração supera a transpiração.

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Bola na Torre

Zé Antônio (Remo) e João Neto (Paissandu) são os convidados do programa, que começa às 23h50, na RBATV. Guerreiro apresenta. Participações de Giuseppe Tomazo e deste escriba baionense.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 24)

13 comentários em “Uma tradição ameaçada

  1. Confesso que hoje em dia tenho receio de ir ao mangueirão assistir o rexpa exatamente por essa escalada da violência,tenho 2 filhos para criar e tenho medo de deixá-los órfãos de pai.

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  2. Caro Gerson, os números do Blog do Gerson Nogueira revelam que ele é um crescente sucesso, e na Coluna de hoje há um parágrafo que traduz à perfeição um dos vários motivos deste sucesso:

    “Às vésperas do Carnaval, o temor de uma tragédia provocada por arruaceiros levou a Polícia Militar a transferir o clássico de domingo para sábado, ferindo a centenária tradição de jogos entre os dois velhos rivais. A medida, que recebeu críticas generalizadas – inclusive deste escriba –, MOSTROU-SE AFINAL A MAIS PRUDENTE, amparada em exemplos recentes e no quadro de insegurança existente em Belém”.

    Com efeito, são reconhecimentos como este, bem sintetizados no trecho que destaco, que impõe uma elevada credibilidade ao seu trabalho e um enorme respeito a sua opinião, numa intensidade bem maior do que aquela que naturalmente já merecem o trabalho e opinião de outros jornalistas sérios deste país, e, consequentemente, potencializam o sucesso do blog, aumentando o número de novos adeptos e fidelizando os mais antigos.

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  3. Os clubes precisam sair de cima do muro e cuidarem de seus adeptos com mais responsabilidade. Nao fosse a paixão dos Belenenses e os dois há muito teriam sido deletados do mapa futebolístico.
    Entra ano e sai ano ,entra presidente e sai presidente ,mas nada muda no tratamento de seus maiores patrimônios .
    Para eles a imensa torcida somente serve para por prata nos cofres e cobrir as loucuras irresponsáveis praticadas.
    O adepto sofre para chegar ao estádio,para comprar ingressos,com acomodações e serviços que nao justificam os valores cobrados.
    Os clubes precisam assumir responsabilidades para com seus clientes e prestar um serviço de melhor qualidade.

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  4. As organizadas têm que acabar. Em todo Brasil é triste ver que elas representam para o futebol e são muito mais exemplos negativos do que positivos. A própria torcida do meu time não tem criatividade para criar canções e pra levantar a torcida inteira, preferindo proferir cânticos e bordões que a enaltecem e que ameaçam e xingam a torcida adversária. Apesar de alguns bons exemplos de torcidas que incentivam o time e não param de cantar, a grande maioria dessas organizações são facções criminosas disfarçadas, o que afasta o torcedor e a família da arquibancada, o que acaba gerando um reflexo negativo para o próprio clube. Se fosse possível torcer com paz, os estádios viveriam lotados, a torcida seria fácil de ser animada e o clube lucraria bastante com isso. Não é o que acontece.

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  5. Pessoal, por essa de gangues de delinqüentes que tenho medo de ir ao Mangueirão. Acho que falta mais empenho e, principalmente, competência dos orgãos envolvidos para que se ponha fim a essas gangues. Que se decretem o fim de toda e qualquer torcida dita organizada. Que o MPE e a PM chamem os presidentes de clubes e que lhes seja dada a ordem de não fomentar torcidas organizadas, nada de ceder espaço nas dependências dos clubes, para por elas serem ocupadas, nada de doação de ingressos, nada de NADA ! E que for pego, em jogos, dentro ou fora dos estádios, com artefato que traga perigo ao próximo, que seja fichado e que tenha de se apresentar a PM, sempre que seu clube jogar, seja no interior ou na capital ou fora do Estado. Tem de haver ABSOLUTA TOLERÂNCIA ZERO ! Nada de aliviar contra esses delinqüentes.

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  6. Lendo o artigo do amigo Gerson, o parágrafo citado pelo Antônio Oliveira, também me despertou interesse, justamente pela atitude responsável pelo blog em reconhecer que a policia militar acertou ao mudar a data do jogo passado apesar de receber muitas criticas, inclusive a sua. Foi um gesto grandioso desse escriba Baionense, e isso ratifica o jornalismo responsável adotado durante os anos por esse blog virtual. Parabéns amigo Gerson, você adquiriu mais crédito perante seus seguidores habituais.

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  7. Amigo Lucilo,face à violência desenfreada por parte destes vândalos, àquela altura,a polícia agiu corretamente ,como havia dito à época. Independente de tradição e prejuízos financeiros a segurança dos torcedores/cidadãos deve estar acima de tudo. E olha que mesmo assim,houve vários incidentes,inclusive,com relato de uma amiga de Belém,que no dia deste clássico,nas emediações do Mangueirão,sua amiga foi alvejada por algum artefato e saiu insanguentada do estádio,mas graças a Deus,nada de mais grave a acometeu ,e isso serve para datar a situação que enfrentamos nos estádios há muito tempo.

    Infelizmente,se não houver intervenções definitiva e severa, tais fatos continuarão a persistir.

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