Dia: 9 de fevereiro de 2013
Capa do DIÁRIO, edição de domingo, 10
A poesia perdida dos sambas de enredo
Por Alberto Mussa (*)
[Forjado por versos sofisticados e melodias criadas para emocionar, tom épico do gênero foi substituído pelo estilo previsível e engessado das composições do carnaval de hoje]
Na história das literaturas universais, sempre que é possível observar a evolução dos gêneros poéticos entre períodos sociais arcaicos e a emergência das civilizações, verificamos um fenômeno geral: a rápida decadência da poesia épica e a ascensão da lírica, com a subsequente valorização do indivíduo e de sua expressão subjetiva. É o que ocorreu entre gregos, árabes, hindus, babilônios, maias, japoneses, islandeses.
Quando a épica ressurge (como, por exemplo, nas modernas literaturas europeias), é sempre uma imitação de padrões antigos, obra cerebral de literatos. Por isso, tem enorme relevância, como fato estético, o caso do samba de enredo — gênero surgido no Rio de Janeiro, cidade predisposta a subversões da ordem lógica. Em vez de precedê-los, o samba de enredo se formou a partir de seus congêneres líricos; e num processo absolutamente espontâneo, sem copiar nenhum outro modelo épico, nacional ou estrangeiro.
No princípio, essas composições seguiam a versificação já consagrada nos sambas de então: estrofes fundadas na redondilha maior (verso de sete sílabas característico da poesia ibérica), cortadas por um ou dois refrões. Com as contribuições de Cartola, Carlos Cachaça e Nelson Sargento, os compositores foram abandonando a armadura portuguesa, preterindo a redondilha, variando o número de refrões e alongando os sambas — até que Silas de Oliveira, em 1951, deu ao gênero seu formato clássico.
Silas — gênio insuperável, autor de “Aquarela brasileira” (1964) e “Os cinco bailes da história do Rio” (1965), por exemplo — não fazia versos de metro fixo, punha rimas em posição aleatória, entortava a relação entre sintaxe e verso. Se havia regra de composição, era a da imprevisibilidade. Depois de Silas, o samba de enredo passou a ser inconfundível; passou a constituir um gênero.
Essa amplitude formal permitiu uma extrema sofisticação da linha melódica, nos anos 1950. E, na década seguinte, com o progressivo abandono dos enredos de exaltação a vultos históricos, despontam as grandes obras-primas, que têm seu marco em “Seca do Nordeste”, da modestíssima Tupi. O espectro temático se amplia, com destaque para a cena popular e regional, a mitologia indígena e a recriação literária (de que é exemplo máximo “Invenção de Orfeu”, milagre de Paulo Brazão para a Vila Isabel, sobre o hermético poema de Jorge de Lima).
E o samba de enredo continua épico, mesmo com melodias mais leves, como as de Martinho da Vila, David Correa e Didi — criador de um estilo tipicamente insulano, que fez da União da Ilha a escola atualmente detentora de quatro dos cinco sambas mais executados durante o carnaval.
As escolas de samba foram ainda capazes de narrar, num modo épico, assuntos mais triviais, mais aptos a uma abordagem lírica ou satírica — como a viagem de trem da Em Cima da Hora; a feira livre da Caprichosos; o domingo da União da Ilha.
Nenhuma linha temática, todavia, foi tão fecunda, tão fundamental quanto a afro-brasileira. É a vertente de enredo que justifica a existência do Salgueiro. Desde seu desfile inaugural, em 1954, quando foi a primeira agremiação a pôr num samba palavras de origem africana, o Salgueiro contagiou outras escolas, abrindo caminho não apenas para a difusão de toda uma mitologia do candomblé, mas para uma nova história da escravidão e do negro no Brasil, minando estereótipos arraigados na consciência brasileira.
Como o Rio é mesmo uma cidade de subversões, o tom épico dessa linhagem de sambas e enredos, em sua época áurea, inverteu os pressupostos do próprio carnaval. As escolas de samba não pretendiam servir a um extravasamento irracional de emoções reprimidas — mas desfilavam para emocionar, para provocar reflexão. No turbilhão de Momo, eram um oásis intelectual.
Nesse sentido, foi inestimável a contribuição do samba de enredo na reconstrução da autoestima das comunidades populares, ligadas às escolas de samba.
Hoje, infelizmente, só temos na memória sambas de 20, 30 anos atrás. A arte do samba de enredo está morrendo. Vivemos a era do “samba funcional”, decorrente do mesmo tipo de mentalidade rasa que forjou o “futebol de resultado” (e que levou o Brasil à vexaminosa posição que ocupa). O samba de enredo passou a ser um quesito quase irrelevante para a avaliação do desfile. Com o sistema de som da passarela, não é necessário que público e componentes cantem — basta saltitarem, alegres, alienados, na hora do refrão. O samba não precisa ser aprendido, muito menos estimado. Os julgadores (rigorosos nos “quesitos de carnavalesco”, como alegoria, fantasia ou comissão de frente) são muito complacentes com os compositores; e qualquer boi-com-abóbora de escola poderosa sai da apuração com seus 9,9. As composições são melodicamente cada vez mais similares; e têm reincidido na velha simetria estrófica e nos refrões fixos. As safras anuais têm hoje, quando muito, dois grandes sambas. Para 2013, temos apenas um: o da Portela.
Desfiles alegóricos e espetaculares, embalados por poesia e música, sempre existirão em nossos carnavais. Mas as agremiações talvez não sejam necessariamente de samba. Esse é o horizonte. Alguém se importa?
*Alberto Mussa é escritor, autor de “O senhor do lado esquerdo” e coautor, com Luiz Antonio Simas, de “Sambas de enredo: história e arte”
Imagens do carnaval de Belém nos anos 50
Capa do Bola, edição de domingo, 10
O passado é uma parada…
Os gargalos do clássico-rei
Por Gerson Nogueira
Definidos os cruzamentos das semifinais, surge a forte possibilidade de ocorrerem dois clássicos Re-Pa na decisão do primeiro turno, o que deixa a torcida em clima de expectativa pela emoção dos confrontos e, ao mesmo tempo, temerosa da repetição dos problemas ocorridos da última vez.
Os graves incidentes registrados no primeiro Re-Pa do campeonato, há duas semanas, devem servir de balizamento para as providências a serem adotadas, caso os jogos se confirmem. O primeiro passo deve ser a adoção de procedimentos preventivos quanto a trânsito, acesso ao estádio, controle do estacionamento interno e segurança para o torcedor.
Promotores do Ministério Público Estadual têm se empenhado em fazer cumprir as normas do Estatuto do Torcedor, assumindo muitas vezes tarefas que fogem às suas áreas de competência, a fim de pôr ordem na bagunça generalizada. Quase nunca contam com a ajuda dos clubes e dos demais agentes diretamente interessados.
No recente Re-Pa, o mando pertencia ao Remo, mas os desmandos afetaram a todos, tendo o torcedor como vítima maior. As dificuldades de acesso ao estádio, mesmo para quem tinha ingressos, precisam ser removidas. Como já se tornou uma triste rotina, providências óbvias e simples, como a identificação dos portadores de gratuidade para idosos, são solenemente ignoradas.
A proliferação de ingressos falsificados é aceita como fato consumado. A fiscalização rigorosa nas bilheterias resolveria o problema em definitivo. No outro extremo, a prisão de cambistas que vendem esses bilhetes seria o caminho mais fácil para localizar os verdadeiros responsáveis pelo crime.
Ergue-se como principal empecilho à apuração da maracutaia o fato de que os próprios clubes fazem vista grossa e aceitam como natural a concorrência desleal e predatória da máfia dos ingressos. Nesse sentido, a conivência adquire tons de autoflagelação, visto que são os mais prejudicados na história. O descalabro é tão grande que a omissão dos dirigentes soa como aprovação à picaretagem.
Outro ponto que exige enfrentamento imediato é a assombra despesa em torno do clássico-rei. Gastos de R$ 24 mil com lanches e R$ 17 mil pelo aluguel de equipamentos de rádio sangram a margem de lucro gerada pela arrecadação do jogo. Curiosamente, os clubes não se mostram dispostos a combater esses disparates.
Talvez já seja o caso de investigar os motivos de tamanha indiferença.
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Reforço salgueirense
Antigo sonho de consumo dos azulinos, o meia-armador Clebson, do Salgueiro, deve ser o grande reforço para o returno do Parazão. Como o clube pernambucano caiu fora da Copa do Nordeste logo na primeira fase, o caminho ficou pavimentado para que o meia aceite a proposta dos azulinos. Habilidoso, Clebson foi um dos comandantes do Salgueiro na vitória sobre o Paissandu, na Curuzu, na Série C 2011.
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Patrocínio pendente
Apesar da anunciada desistência, o acordo de patrocínio entre o Remo e grupo supermercadista da cidade ainda tem alguma chance de ser salvo. Emissários importantes foram escalados para agir nos bastidores. A situação deve se definir até o fim do mês. Até lá, o time vai continuar fazendo propaganda das marcas do grupo no uniforme.
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Barcos por uma frota
A grande notícia da sexta-feira foi a surpreendente transação entre Palmeiras e Grêmio. Pela liberação do argentino Barcos, o Grêmio disponibilizou vários jogadores ao Verdão. O negócio, apesar da satisfação de todos os envolvidos, reforça a impressão de a nau palmeirense está à deriva. Com a Taça Libertadores pela frente, o clube não contratou reforços de qualidade e agora perdeu seu principal jogador. Nuvens negras pairam sobre o velho Palestra Itália.
Em meio à repentina transação, que envolve ainda o pagamento de R$ 4 milhões ao Palmeiras e R$ 1,3 milhão ao atleta, emerge uma pergunta marota: de onde o Grêmio tira tantos recursos para sair contratando jogadores caros e ainda construir, em tempo recorde, uma moderna arena em Porto Alegre?
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Bola na Torre
Já em ritmo de carnaval, o programa de amanhã vai ao ar às 23h, com apresentação de Guilherme Guerreiro e participação deste escriba baionense. O convidado é Eduardo Ramos (Paissandu).
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste sábado, 09)
Capa do DIÁRIO, edição de sábado, 09
A cura pela carta de amor
Por Xico Sá
Eu já sabia. O leitor mais antigo também sabe da minha campanha permanente sobre o poder, inclusive de cura, de uma carta de amor. Agora vem a ciência e bate o martelo. Pesquisa dos EUA, óbvio, ô povo para gostar de uma amostragem. Desta vez foi uma equipe da Universidade Northwestern. Casais que expõem os sentimentos, em apenas três singelas cartinhas por ano, vivem bem melhor. Batata. Carece nem da velha Dê-erre, a mitológica discussão de relação.
Agora lembro uma que recebi no City Hotel, em uma temporada na beira do Guaiba, POA. De paralisar de amor aquela missiva que saiu de uma moça de letra “A” da cidade do Rio de Janeiro. Outra A, do Recife, me escreveu a partir de uma fábula do escritor Alberto Moravia. A letra “A” domina meu alfabeto amoroso, não é, mulher-que-passeia?
Pela volta da carta de amor, repito:
A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos, despeço-me por aqui etc, papel fininho e pautado.
Como canta o Roberto, escreva uma carta, meu amor, e diga alguma coisa por favor.
Agora Beatles: Ô, mr. Postman!
Tem também aquele do Waldick, nosso Johnny Cash baiano: “Amigo, por favor leve essa carta/ e diga àquela ingrata/ como está meu coração…”
Chega de SMS e emails lacônicos e apressados. Debruce a munheca sobre o papiro e faça da tinta da caneta o seu próprio sangue. Não temas a breguice, o romantismo, como já disse o velho Pessoa, travestido de Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem. O que você está esperando?, vá ali na esquina, compre um belo papel e envelopes, e se devote. Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois perdão por escrito vale como documento de cartório.
Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão desses aplicativos e paquera no Face e atire a garrafa aos mares. Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da assinatura. Assim como me fez Dee e o seu bocão pós-Jolie. Que os amigos, e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos envelopes no fundo do baú os seus rascunhos existenciais.
É o que tenho feito com o Joaquim Ferreira dos Santos, o homem das amigas, no blog do IMS. O cronista me escreveu uma hoje de arrepiar. Despeço-me por aqui, sem mais para o momento, XS