Aos pais, órfãos de filhos

Por Noelio Mello

Outro dia, conheci numa loja uma senhora, que entre um choro sentido e palavras angustiadas, entregava para a moça que a atendia vários convites para a missa de dois anos de falecimento de seu único filho homem. Ele que trabalhara naquela loja por um longo tempo, teve, no seu novo emprego, sua vida cerceada aos 26 anos de idade num acidente de moto.
Comovido, esperei a saída daquela mãe e sabendo do gigantismo da sua dor, a chamei para ser naquele instante o seu remanso, seu confidente, numa ousada tentativa de emprestar-lhe o lenço da minha alma, que talvez pudesse recolher suas tristezas e suas desesperanças. Nada fiz por simples curiosidade, mas, sim, porque a vida me ensinou a sofrer e ser solidário com as feridas e as dores alheias.
Como ela, também perdi um filho adolescente há três anos e sabia, portanto, que seu caminho era um chão de fogo de saudades. Tinha a consciência do grande castigo do cortejo das suas dores e do seu infortúnio espiritual.
A princípio éramos duas almas que conversavam sobre as emboscadas da vida. Sobre as traições do destino. Ela ouvia atentamente o que eu queria e precisava lhe dizer e me respondia o que os meus também angustiados ouvidos ansiavam escutar. Nossos corações tatuados pelos cravos das saudades uniram-se em comoventes núpcias.
Ali não mais existiam confessor e confessado. Naquela conversa não havia lugar para pieguismo, nem para as inverdades da alma. Eram apenas dois cúmplices sofrendo no arder das mesmas chagas. Dois pais, carregando nas paredes dos seus corações a dolorosa cor do luto por um filho que partiu.
Enquanto dividíamos nossas tempestades afetivas, contei-lhe o que aprendi nesta minha dura jornada – as tormentas que revolvem as entranhas de pais que perderam um filho só podem ser acalmadas pela bondade e misericórdia divina. Só a mão acariciante de Deus poderá ser o remédio miraculoso para cicatrizar essas feridas. Ela concordou.
Seu nome é Maria José. Lembrei-lhe que seu nome era duplamente santo e de repente já não havia mais pranto naquele diálogo. Disse-me que era encontrista em Marituba, município próximo de Belém, e que era imensa a quantidade de pais que buscam na fé católica, nos encontros dominicais, o bálsamo que possa amenizar esses açoites da vida.
Nossa história é semelhante. Perdemos nossos únicos filhos homens, mas Deus, em sua caridade infinita conserva ao nosso lado, saudáveis e amorosas, as nossas filhas amadas. Não foi preciso consultar nossos corações para sabermos o quanto é infinitamente grandiosa tamanha dádiva divina.
Falamos da efemeridade da vida terrena. Bisbilhotamos o céu azul. Se pudéssemos rasgaríamos seu ventre na tentativa de ver o invisível. Apesar dos passos vacilantes da nossa fé, pensamos no Reino Santo. Respiramos, vindo de muito longe, o aroma de um perfume novo, talvez gerado pela floração da eternidade.
Sem lutar contra o tempo de Deus combinamos continuar amando a vida, nossas filhas, nossos cônjuges e não desacreditar no fantástico momento de um reencontro.
Que todos os pais órfãos do amor de um filho, hoje ressuscitados, seres alados de Deus, mesmo que chorem a cada amanhecer, freiem suas justas revoltas, não desistam da vida e alimentem sempre suas esperanças nos encantamentos de todos os céus. Eu acredito. abençoadamente, eu acredito.

7 comentários em “Aos pais, órfãos de filhos

  1. A 8 anos perdi um filho recém nascido.

    só quem passa por isso sabe como a dor é cortante!
    é inimaginável alguém confortar isso. Não dá! ninguém consegue!
    é um pedaço seu que é arrancado!… não dá!!… Não dá!

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    1. Mesmo com o atraso, me solidarizo com sua dor pela perda, amigo Alberto. Pelo amor que tenho pelos meus filhos, posso imaginar o tamanho desse sofrimento.

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  2. Tenho um casal: um de 6 e uma de 2! é claro que não há substituição, mas direcionamos o amor pra eles. pois estão aqui e sempre precisam dos pais próximos!
    Não sei o que pensam outras pessoas, mas meus filhos são a razão da minha vida.

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  3. Também conheço o S. Noelio e convivo no dia-a-dia do trabalho com uma de suas filhas. Também sei da dor que sentem meus pais, eu que perdi uma irmã aos 26, em 1992. Parece que faz tempo mas a dor não passa. O texto é tocante, como tantos que Noelio publica frequentemente nas redes sociais.

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  4. Realmente esse homem está escrevendo com a alma ferida e com saudade. Que Deus lhe dê a força e ao amigo Alberto para em frente se apoiarem e amarem os que estão ao seu lado.

    Não consigo nem quero imaginar essa dor. Me dói só de pensar, me apavora e me deixa triste.

    Não sei vocês mas depois que fui pai o meu amor aos meus pais parece que se revelou e então comecei entender muitas coisas com as quais não concordava.

    RRamos

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