Opinião: Um futebol para idiotas?

Por Daniel Malcher

Embora menino – era um “mirim” segundo regionalizações vocabularescas –, lembro-me muito bem das entrevistas pré-jogo ou pós-jogo nas semanas que antecediam grandes embates ou nas domingueiras, logo após as contendas futebolísticas. Pelo rádio ou pela tv, transpirava-se futebol, estatísticas dos jogos, curiosidades, mistérios nas escalações dos times: “Será que fulano vai jogar?”; “Quem poderá marcar o cicrano?”; “Beltrano é ponta veloz, agudíssimo e driblador, quem ousará marcá-lo?”. As brincadeiras, gozações e tiradas de sarro ficavam para a torcida e para um ou outro jogador , agente provocador e verdadeiro promovedor das partidas onde haviam grandes rivalidades.  “Teu time não vence o meu há 4 jogos, é freguês!” diziam uns; “o goleiro de vocês é frangueiro e a zaga tem mais buracos do que paneiros” diziam outros.  Era gol “sossega Leão” pra cá, “te aquieta Papão” pra lá… e a cobertura do jornalismo esportivo, embora sem as ferramentas atuais que tornam as informações quase que instantâneas, fazia do futebol santo de cada dia o deleite dos seus aficcionados, era menos raivoso, e até divertido.
Mas essa singularidade, esse “folclore”, essa irreverência do futebol nacional foi aos poucos cedendo lugar para a tolice e as trivialidades como forma até de driblar certa repetição das abordagens jornalísticas sobre esportes em geral e sobretudo sobre o futebol. Foi aí que se caiu, propositalmente ou não, na armadilha das distorções. De uma época em que o que importava mesmo era se Pelé, Zico ou Platini tinham condições físicas para jogar a próxima partida, quem poderia marcá-los, qual o esquema tático adequado para travá-los em campo, chegamos a um período – o atual diga-se – em que a cor das trancinhas do cabelo de Vágner Love, o jeito como Neymar corre para comemorar um gol ou em qual cachaçada o ex-imperador Adriano se meteu são as principais pautas do noticiário esportivo e futebolístico diário. Projetou-se paulatinamente a idiotização do futebol nacional e do torcedor, principal interessado em… futebol. E isso tudo com embalagem kitsch, “mudeeeerna”, como diriam os fetichistas dos tempos atuais. Ameno, mas irrelevante; descontraído, mas imbecilizante.
E em meio a bobos “Joões Sorrisões”, dançinhas coreografadas sem sentido algum, chistes de sorriso amarelo e times tradicionais sendo rebatizados com alcunhas descabidas – o Flamengo agora é o tal “bonde do Mengão sem-freio”, o Vasco é agora um tal de “trem-bala da Colina” –, os torcedores, alvos de tais gracinhas e piadinhas sem nenhuma graça  – e embora até riem de todo esse circo  –, ficam cada vez mais desinformados. E por falar nisso, alguém já ousa pensar em também rebatizar Remo, Tuna e Paysandu e queira aposentar os pomposos “Leão Azul de Antonio Baena”, “Papão da Curuzú” e “Águia do Souza” (ou “Águia Guerreira”)?
Recentemente, o argentino Barcos, contratado pelo Palmeiras junto ao LDU equatoriano foi alvo de uma piadinha de um repórter/jornalista que, em plena entrevista coletiva, insistia em comparar o atacante alvi-verde com o cantor Zé Ramalho, inclusive mostrando fotos do músico ao “hermano” e perguntando ao avante o que ele achava do apelido ou da comparação. Irritado, o argentino retrucou, talvez por ser de um país onde a cultura futebolística e tudo o que ela envolve é levada mais a sério, e finalizou a “entrevista” fulminando na indagação “estamos aqui para falar de futebol não?”. Nessa pequena frase interrogativa e em um tom um tanto contundente, o argentino disse tudo aquilo que queremos ao ver, ouvir ou ler o noticiário esportivo diário: falar, ouvir e saber de futebol não?

3 comentários em “Opinião: Um futebol para idiotas?

  1. Prêmio de flexeiro preciso, vai para você amigo Daniel MALCHER: Certeiro como flexa que acerta o alvo.
    Amigos do blogue, fantásticos comentaristas e nobre e ilustre escriba baionense tenham todos um domingo abençoado.
    irei me recolher a um sítio com a família, para recarregar as baterias e fugir também dessa festa alienante.
    Sem ser ortodoxo ou fanático , mas não dá para acompanhar a elite desse pais cada dia mais criar ítens alienativos e assim explorar a boa fé desse povo brasileiro.Até terça-feira em nome de Jesus.

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  2. O Malcher tem razão. O que deveria ser o foco principal – o futebol – individual e;ou coletivo, desse ou daquele time, passou para segundo plano. Estamos nos contentando (?) perigosa e equivocadamente, com o que acontece e o que fazem de negativo algu(m)(ns) jogador(es), tanto de clubes de massa ou não. Em 19.02.12, Marabá-PA.

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  3. Faltou incluir outra mazela: os setoristas de hoje, nos jogos de grande apelo, ficam mais preocupados com a renda do que com o jogo em si. Passam o tempo todo especulando sobre o público. Se a venda de ingressos está boa, anunciam parciais de renda e repetem insistentemente que vai dar “casa cheia”. Da partida mesmo, nada se fala, da escalação, de quem vai estrear, do esquema tático… O futebol vai perdendo espaço para interesses menores.

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