Dos arquivos do tempo

A chuvinha começa a cair lá fora, quebrando a estiagem dos últimos dias e meio que banhando a Cidade das Mangueiras para a grande festa da domingueira. Aliás, domingo sempre foi dia de festa lá na minha casa em Baião. Era dia de missa ao alvorecer, com direito a roupa engomada, sapatos lustrosos, pomada Glostora e loção de alfazema. Desde sempre relaciono missa com aromas da minha infância. Animal amestrado pela selva urbana, cuido de conservar esses preciosos arquivos do tempo, pois a memória fraqueja e pode de repente deletar passagens importantes. Essas reflexões têm a ver com algumas ideias que andam martelando minha cabeça nos últimos dias.

Sim, eu sei, um sinal denunciador de que estamos envelhecendo é o apego ao passado, às comparações (nem sempre justas) com os gostos e preferências de épocas distintas. Não consigo, por exemplo, ver semelhança entre o futebol dos anos 60 e 70 com o que se pratica hoje no Brasil – e no Pará. Parece até um outro esporte, tão desfigurado ficou. O mesmo se aplica à música. Vi noite dessas (em DVD) o documentário sobre o festival da Record, em 1967. Quantas descobertas e inovações lançadas ao mundo. Gil, Chico, Caetano, Mutantes, Edu. Hoje, sem festivais e sem rumos, a música perdeu força. Não é mais a força impulsionadora de outros tempos. Prevalecem as nulidades e os embustes. Pior: floresce uma surda e caolha rejeição aos compositores sessentistas. Nas redes sociais, os medíocres babam ao malhar os velhos craques, glorificando tudo que parece remotamente novo.

O rock dos 80, coitado, não produziu seguidores decentes. A fonte secou. Como se uma geração inteira tivesse consumido toda a criatividade destinada ao gênero no Brasil. Aliás, o rock não travou apenas nos trópicos. Mesmo nas pátrias de origem, o gênero patina. E que não se culpe a revolução digital (Jobs? Gates?) pelo estágio atual de desalento. As gravadoras morreram e o formato de músicas reunidas em álbuns segue a mesma trilha, mas a crise é bem mais embaixo. Trata-se de uma guerra de foice entre bom e mau gosto, criatividade e marketing ordinário. Bandas míticas como Deep Purple (foto) submetem-se ao circuito raso dos shows nostálgicos, como aqueles que emulavam o Velho Oeste com pistoleiros aposentados. Duro ver o lendário Purple de tantas batalhas capitular ao palco poeirento e forrozeiro do Cidade Folia. O que seria uma celebração é apenas prenúncio do fim.  

De volta ao futebol, parece mesmo que nada do que foi será do jeito que já foi um dia, para repetir o mantra criado por Nelson Motta e Lulu Santos. Posso estar viajando neste mergulho saudosista, mas é fato que vivemos grandes alegrias até o começo da década passada, quando o Pará se enxeriu até na Taça Libertadores. Foi o canto de cisne. Desde então, os times desceram ladeira abaixo. Estropiados, uns sucumbem, enquanto outros tentam renascer. Às duras penas, o Paissandu ensaia um revival dos bons tempos, depois de cinco anos purgando os pecados na Terceirona. Que seja o recomeço.  

(Mas, por favor, que ninguém leve tão a sério esses resmungos em voz alta de um quase dinossauro olhando a paisagem na janela).

17 comentários em “Dos arquivos do tempo

  1. Círio 2011

    Volto ao meu bloco para registrar que logo mais acontece a procissão que dá a largada – se não for heresia falar/escrever assim – para o Círio 2011.
    É certo que já ocorreram outros eventos ligados à maior festa religiosa do Norte, até bem recentes: a missa do Mandato, a romaria rodoviária, a romaria fluvial e até mesmo a romaria dos motoqueiros, as duas últimas na manhã de hoje.
    Logo mais se realiza a Trasladação, quando um grande número de romeiros levará a imagem da Santa do pátio do Colégio Gentil Bittencourt até a Catedral, onde pernoitará e, ao raiar deste segundo domingo de outubro, iniciará o percurso da grande procissão que assinala essa festa ímpar.

    Digo tudo isso para registrar o meu agradecimento à Virgem de Nazaré por sua materna intercessão, que me permitiu – acredito nisso! – obter de Deus todos os bens que Ele me concedeu.
    Em primeiro lugar, a família onde nasci, a minha trajetória de vida como um todo, com seus acertos e fracassos. Em tudo isso, mesmo que não o visse à época, hoje vejo que havia a presença de Deus, procurando conduzir os meus passos.
    A família que hoje tenho, com uma esposa que ganha o céu a cada dia, somente por me suportar com paciência em minhas neuroses e instabilidades. Os filhos… Ah, os filhos!
    São presentes preciosos, cada um com sua personalidade própria, seu jeito peculiar, suas virtudes e eventuais defeitos. Que fazem palpitar com mais força o coração deste velho ao contemplar os milagres de Deus em suas vidas. Pois, dando a eles, o Senhor alegra o meu espírito, sendo impossível para mim que eu não cante com a Virgem: “A minha alma engrandece ao Senhor…”

    Há também o trabalho – o Banco, no passado; o TRE hoje – que é sempre um lugar onde posso desempenhar com profissionalismo os dotes recebidos, sendo útil à sociedade e à Igreja.
    Presente especial tem sido a comunidade, que me permite estar na Igreja, receber uma Palavra que me corrige, me educa, me exorta e me direciona para uma pertença mais concreta a essa família que a santinha levada na berlinda representa.
    E à qual eu almejo encontrar um dia, apesar dos meus muitos pecados. Família sagrada que Deus procura fazer presente no meu cotidiano, mesmo que eu –cego – às vezes não consiga enxergar.

    Por tudo isso e muito mais – que não cabe aqui – é que desejo um Feliz Círio a todos nós!

    Curtir

  2. Pois é, meu camarada. Talvez esta tarde, por razões pessoais, esteja saudosamente melancólica. Que os companheiros de blog entendam o discreto desabafo.

    Curtir

    1. Rss.. obrigado, amigo Cláudio, mas não é nada grave, só mesmo aquele cansaço que às vezes insiste em querer abater os guerreiros.. Mas já estamos firmes, reagindo.

      Curtir

    2. É verdade ,posso muitas vezes exercer meu direito de discordar do sr.Gerson ,mas que ele é um baita de um jornalsita escritor nato isso é verdade.E ao contra´rio dos que não conseguem elogiar e reconhecer as qualidades das pessoas isso é ser justo e não bajular .Até porque não sou funcionário do escriba baionense,por isso me sinto livre pra elogiar se for caso e discordar tbm,como de fato já fiz aqui.Quanto á essa melancolia é assim mesmo.De vez em quando nos sentimos assim.O importante é que saibamos em nosso intimo que nada é relevante o suficiente pra nos deixar abatidos ou sem forças pra lutar.E todos nós temos problemas,mas o Salmo 40 afirma sabiamente”Confiei e clamei ao SENHOR e ele se inclinou para mim e ouviu meu CLAMOR ‘.CONFIANÇA E PACIENCIA VENCEM qualquer obstáculo.

      Curtir

  3. Grande baiones, isso passa..logo passa..isso sempre passa comigo..ai escancaro a janela..

    Da janela lateral do quarto de dormir
    Vejo uma igreja, um sinal de glória
    Vejo um muro branco e um vôo, pássaro
    Vejo uma grade, um velho sinal

    Mensageiro natural de coisas naturais
    Quando eu falava dessas cores mórbidas
    Quando eu falava desse homens sórdidos
    Quando eu falava desse temporal
    Você não escutou

    Você não quer acreditar
    Mas isso é tão normal
    Você não quis acreditar
    Que eu apenas era

    Cavaleiro marginal lavado em ribeirão
    Cavaleiro negro que viveu mistérios
    Cavaleiro e senhor de casa e árvores
    Sem querer descanso nem dominical

    Cavaleiro marginal banhado em ribeirão
    Conhecia as torres e os cemitérios
    Conhecia os homens e os seus velórios
    Quando olhava da janela lateral
    Do quarto de dormir

    Curtir

    1. Ok , meu irmão.Obrigado .Espero aqui seus comentários.Vou sair pra visitar uma pessoa doente e fazer uma oração e talvez até ter que levá-la pro hospital,ou pra algum P.U , Posto de Urgencia.Voltarei quem sabe pro segundo tempo.Vou entar no twitter e lhe seguir.Meu palpite é empate 1×1,2×2 ,mas seria legal uma vitória..

      Curtir

  4. Gerson, nada de melancolia somos apenas privilegiados, Deus nos deu a graça de poder viver esses momentos, pobre dos outros mortais que nao presenciaram esses tempos, amigo quando perguntam a minha idade, digo apenas que já tive a felicidade de ter vivido um pouco mais do que os outros, como nao existe fonte da juventude e recordar e viver, vamos que vamos, a vida segue e o tempo nao para. Feliz Círio!

    Curtir

  5. Bom, Gérson. Do tempo posso falar pouco, pois tenho estado menos com ele do que você, mas posso compartilhar o sentimento de hoje com a melancolia que está aqui pelo fato de não estar em casa sentindo cheiro de maniçoba hoje. A vida profissional me fez optar por caminhos distantes de Belém e o dia de hoje, em especial, é o dia em que a saudade se faz mais presente e a vontade de estar com a família mais necessária. Desejo um feliz círio a todos os paraenses, já que hoje é a consagração da nossa força e da nossa fé como cultura e como povo. Um abraço

    Curtir

  6. Gerson, não estás sozinho com tais sentimentos. A cada prosa com amigos de longos carnavais e que viram, sentiram, leram e cantaram grandes acontecimentos e transformações, o sentimento de vazio vem à tona e de forma tremenda. Estou lendo um livro de autoria de Márcio Borges, grande poeta, letrista e parceiro de composições de Milton Nascimento, chamado “Histórias do Clube da Esquina”. Os relatos do irmão de Lô Borges (outro grande compositor do movimento esquineiro) desnudam estes sentimentos, que não são apenas saudosistas por si só, mas trazem intrinsecamente um vazio deixado justamente pela falta de referências em praticamente todos os campos da atividade humana, seja na música, na política, no futebol, nas artes em geral. Até o viver a cidade e na cidade mudaram. Trabalhamos tanto e os compromisso são tão exigentes que nossas relações no trabalho e fora dele são quase automáticas. Encontrar tempo para aquela velha e boa prosa em fins de tarde virou artigo de luxo.
    Certa vez vi um livro que tratava de forma panorâmica os anos 80 do qual até hoje tento recordar o nome e o autor, e ao folheá-lo fui logo de encontro a uma frase que dizia que os anos 80 marcaram o fim do futebol mágico, afirmando ser o ano de 1982 como o ano cabalístico desta morte. Outro dia ouvi um crítico musical do qual também não recordo o nome dizer que “a música do futuro é o silêncio”. E a cada audição de velhos sons, algo novo sempre se descortina, e sou obrigado a concordar com o tal crítico. Mas tenhamos ânimo amigo Gerson. Embora aceitemos que “Nada será como antes”, não nos esqueçamos do que disse Guilherme Arantes no já longínquo ano de 1976: é preciso “nunca perder o sorriso largo e a simpatia estampada no rosto”.

    Curtir

    1. Obrigado, amigo Daniel. Foi apenas um ligeiro instante de reflexão mais melancólica diante das coisas que a gente vê. O ato de exprimir esses sentimentos através de uma postagem já foi suficiente para melhorar o astral. Além disso, em função de compromissos pessoais, me vi impedido de viajar ao Rio para ver o show de Mr. Clapton, como me planejara há meses. Fica para a próxima.

      Curtir

  7. Gerson,sempre falo que nossas desavenças restrigem-se ao campo futebolístico e que admiro teu gosto musical, pois considero-me um roqueiro das antigas ( embora nem tão dinossauro assim ) Dizer que a música perdeu muito de sua magia é notório seja no aspecto tupiniquim,papa-chibé, ou mundial, porém,não creio que os anos 80 foram tão mediocres, pois tivemos bandas incríveis como: The Cure,The Smiths, U2, Depeche Mode,Siouxsie,Joy Division,Genesis,Midnight Oil,e depois na virada pros 90`s tivemos REM,Pearl Jam,Nirvana.Nacionalmente tivemos Titãs,Legião,Barão,Plebe rude,Camisa de Vênus,Replicantes,Inocentes,Lobão, No cenário local tivemos o auge nos anos 80 com Mosaico de Ravena entre outros.Se levarmos pros dias atuais, realmente localmente e nacionalmente é um cenário bizarro, porém quando olhamos para fora do Brasil, temos muitas coisas boas como:Kaiser Chief,Counterpoints,Phoenix,Kings of Lion entre outros.

    Curtir

Deixar mensagem para Cláudio Santos - Técnico do Columbia - Val de Cans Cancelar resposta