Conexão África (22)

Enfim, o futebol do Brasil deu as caras

Foi, de longe, o melhor jogo do Brasil na Copa. Não apenas pelo placar folgado e a importância da vitória, mas pela forma categórica usada pela Seleção para se impor perante um adversário aguerrido e que inicialmente tentou dar o bote. A maneira como o time brasileiro se lançou ao ataque, com técnica e velocidade, deu desde o começo a impressão de a vitória viria naturalmente. Com a disposição tática empregada, usando três jogadores leves (Ramires, Daniel Alves e Kaká) no meio-campo, o jogo ofensivo fluiu e empurrou o Chile para seu campo de defesa. Aos poucos, os espaços foram aparecendo, mesmo com a ostensiva marcação do adversário, que até sofrer o primeiro gol mantinha seis jogadores atrás da linha da bola.
Quando partia com a bola dominada, pelos pés de Kaká e Alves, distribuindo o jogo para Robinho e Luís Fabiano, a Seleção criava situações de grande perigo, pois obrigava a defesa chilena a se distribuir entre três e até quatro atacantes. O panorama era tão favorável que até nos rebotes, ao contrário de outras jornadas, o Brasil levava vantagem. Ramires e Gilberto Silva, também com atuação destacada, se aproximavam dos meios e preenchiam um vácuo crônico na meia cancha do time. Os laterais tinham dificuldades, cenário que deve se repetir contra todos os adversários, principalmente em relação a Maicon, que chegou a ser combatido por até dois jogadores.
Sem poder contar plenamente com os laterais, Kaká e Robinho abriam o jogo pelas pontas e o expediente funcionou bem, principalmente depois
que Juan abriu o placar, escorando cobrança de escanteio. Com os chilenos mais soltos do meio para a frente, a Seleção teve condições de variar jogadas e usar a habilidade para manter o controle da bola, sem precisar cair nas jogadinhas laterais improdutivas. Com domínio das ações, a bola podia ser encaminhada aos vários lados do campo, sem tomar conhecimento dos bloqueios montados por Bielsa. O segundo gol resultou dessa imposição de categoria. Kaká deu o toque final, entre três zagueiros, para Luís Fabiano driblar o goleiro e finalizar.
A vantagem no marcador tornou o jogo ainda mais corrido, sob feição para a exploração de contragolpes. Por pouco, o Brasil não marcou o terceiro ainda no primeiro tempo, tantos eram os buracos criados na defensiva chilena. Há quem possa dizer que o Chile facilitou as coisas, ao falhar na cobertura defensiva. Ora, os erros foram motivados pelos acertos brasileiros. Ninguém pode tirar os méritos da atuação da equipe, que foi alavancado por grandes participações de jogadores fundamentais. Lúcio e Juan estiveram impecáveis lá atrás. O quadrado de meio-campo funcionou afinadamente, com destaque para Ramires, Gilberto Silva e Kaká, que jogou como nos velhos tempos, inclusive quanto às arrancadas.
Depois do intervalo, com o Chile previsivelmente mais empenhado em diminuir o prejuízo, o Brasil se assentou e ficou à espera dos contra-ataques, que acabaram não sendo explorados na dose certa. O gol de Robinho foi apenas uma das várias chances criadas. De todo modo, um triunfo com a marca do verdadeiro futebol brasileiro, com dribles e muitos gols. Mais que isso: com obstinação pelo ataque. Sempre que age assim, historicamente, a Seleção leva vantagem.

Dunga e a sorte nas escolhas

Nelson Rodrigues já dizia que, até para atravessar rua, é preciso ter sorte. Dunga, reconhecidamente um sortudo no comando da Seleção, teve o trabalho de escalação facilitado pelo destino. Sem Elano, lançou mão de Daniel Alves, que distribuiu o jogo e auxiliou Kaká a abastecer o ataque. Sem Felipe Melo e sua truculência habitual, apostou em Ramires. Foi a melhor das escolhas. Com velocidade e bom posicionamento, o volante do Benfica se adaptou perfeitamente ao quadrado montado para o jogo. Para o próximo compromisso, contra a Holanda, Ramires não poderá ser mantido, pois recebeu o segundo cartão amarelo. Uma pena, pois Felipe Melo é um freio à velocidade nos passes. Com ele, a Seleção fica mais lenta e exposta a infiltrações pelo meio da defesa. Por sorte, Elano deverá estar apto a voltar e pode ser uma opção para manter a fluidez no meio-campo.

O renascimento do craque Kaká

Kaká teve sua melhor atuação na Copa e a mais expressiva na Seleção desde o ano passado. E a explicação para isso é bem simples: depois de muito tempo, ele teve espaço para transitar até o ataque. Usou toda sua categoria para envolver os marcadores e descobrir espaços para os atacantes. A continuidade de seu futebol depende basicamente dessa liberdade e da companhia de bons jogadores. Precisará disso para manter o nível pelas próximas partidas.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 29)