O preconceito histórico dos europeus em relação a países do terceiro mundo é costumeiramente disfarçado, mas de vez em quando aflora com toda virulência. É o que se vê agora em relação à África do Sul, país-sede da Copa do Mundo de 2010, cuja escolha contemplou declarada preferência do presidente da Fifa, Joseph Blatter.
Como seu antecessor, João Havelange, Blatter alimenta a pretensão de expandir os horizontes da entidade. Pretende levar o futebol a todos os continentes e, através disso, aumentar seu poder de fogo. Seu projeto óbvio é conquistar o mundo através do futebol. Nada contra, é direito (e problema) dele.
A Fifa, confederação de nações mais poderosa até que a própria ONU, só não conseguiu dar um jeito no ranço da discriminação. A menos de cinco meses da abertura da competição, duas potências do futebol, Inglaterra e Alemanha, através de seus dirigentes, demonstram sérias desconfianças em relação à copa sul-africana, que ainda nem começou.
Com alguma dose de razão, acham que o país é muito pobre, inseguro e sem estrutura hoteleira e de transportes para receber a quantidade de turistas que a Copa atrai. Phil Brown, do Hull City, foi o primeiro cartola britânico a romper os muros do silêncio, mirando na questão da segurança.
Mostrou-se assustado com o atentado que vitimou a delegação de Togo na Copa Africana de Nações e insinuou que o mesmo pode ocorrer na África do Sul. Os jornais londrinos são menos fleumáticos: aconselham a torcida – normalmente assídua em Copas – a não viajar para a terra de Nelson Mandela, por ser um lugar hostil e violento.
Brown ecoa um sentimento que é amplo na Europa, continente que concentra hoje o melhor futebol de clubes do planeta e paga os melhores salários desde que o esporte entrou na era profissional. O ícone alemão Franz Beckenbauer, normalmente contido e diplomático, também saiu da toca. Disse que a baixa procura por ingressos tem a ver com as dúvidas sobre a organização do torneio.
Em defesa de Blatter e seu projeto expansionista, o secretário-geral da FIFA, Jerôme Valcke, reclama da bateria de ataques ao primeiro mundial promovido em solo africano. Vê má vontade, preconceito e intenção de denegrir a imagem do país. Como cidadão francês, Valcke certamente sabe o que diz.
As notícias vindas da África do Sul revelam problemas na conclusão dos estádios – três ainda estão em obras –, mas as cidades são tão intranqüilas quanto qualquer outra metrópole do planeta. Sem esquecer que não partem apenas do Primeiro Mundo as recriminações ao país-sede. De certa maneira, a opinião de um típico representante do Terceiro Mundo, o paraense Antonio Carlos Nunes, como embaixador da CBF na Copa das Confederações, foi até mais ácida que a dos europeus: o coronel revelou a tal “sensação de insegurança” dos tucanos ao sair à noite pelas ruas de Soweto, como se nunca tivesse passado perto do Guamá ou da Terra Firme.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 29)