Por Inácio Araújo
Tenho a impressão de que essa pergunta vai e volta, desde os tempos em que Spencer Tracy era locutor esportivo. Se temos uma grande paixão pelo futebol, então os filmes sobre o assunto deveriam constituir um filão ao menos tão rico quanto, digamos, o do cangaço.
“Invictus”, o novo Clint Eastwood, ajuda a dar uma resposta, embora pudesse ser “The Longest Yard”, a primeira versão, ou vários outros. A resposta é: não existe filme sobre esporte. Os jogos não são um bom assunto, mas aquilo que existe em torno deles.
Existe também um pequeno filme, mas bem sucedido, me parece, chamado “Coach Carter”, em que um técnico de basquete transforma uma escola público do depósito de gente que era em um lugar de formação, servindo-se para tanto do basquete. Em “The Longest Yard” era o jogo de futebol americano opondo os presidiários aos guardas de presídio. Clint Eastwood usa mais ou menos o menos recurso. Saca do rugby, um esporte que mal conhecemos por aqui, como o futebol americano, para dizer duas ou três coisas sobre Nelson Mandela e, sobretudo, a integração racial.
Em todos os filmes sobre esporte que dão certo o importante é o que está fora de campo. É o que está em torno dele. Aliás, foi assim que Ugo Giorgetti fez também em “Boleiros” (no primeiro, sobretudo) e deu muito pé.
Quanto a “Invictus” é aquela coisa: Clint tem algo a dizer e diz. Desde o estado de oposição entre brancos e negros na África do Sul (resumido de forma magnífica no plano de abertura) à ação de Mandela, servindo-se da paixão esportiva para criar a hipótese de esquecimento do “apartheid”, passando pela inteligência dos grandes políticos, tudo está lá.
Mas me parece, antes de mais nada, um filme da era Obama. E Clint é o mais democrata dos republicanos, nunca vi.
(P.S. – Pode-se apontar uma série de fraquezas no filme. Pode-se dizer que existe um “núcleo branco” desenvolvido quase que nem em novela. ou que a cena da distribuição de um ticket para a empregada é frouxíssima (dessa eu não discordo, aliás). Mas a grandeza de Clint está, em parte, em ser alguém muito prático. Faz filmes modernos não porque recorra a técnicas modernas ou acelere absurdamente a duração dos planos. Mas porque tem algo a dizer ao tempo presente, concorde-se ou não, e diz. Seu cinema nunca é um passatempo, embora pareça, de tão agradável que é.)
P.S. 2 – O jogo em questão aqui é rugby, outro que no Brasil a gente mal sabe o que é. Mas a emoção que suscita é aquela de um esporte que conhecemos profundamente. Porque, como eu disse, a rigor o esporte não importa, ele é apenas o lugar vazio onde se joga uma grande carga emocional. O filme do Cao Hamburger era de certa forma assim, embora ali os dois assuntos, o desaparecimento do pai e o campeonato de futebol, corressem um tanto paralelos, como em “Pra Frente Brasil”.)
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