A pensão e o privilégio

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(Sergio Moro, na declaração em que anunciou sua demissão)

Bolsonaro admite que, a seu pedido, um PF foi ao Maranhão ouvir o assassino de Marielle

Por Luis Nassif

Os Bolsonaro não têm superego. Entregam-se com uma facilidade impressionante. Carlos Bolsonaro se entregou no vídeo em que mostrava as ligações para a portaria do condomínio em que mora com o pai. A gravação visava comprovar que o motorista que entrou no condomínio, para buscar Ronnie Lessa, não pediu para falar na casa de Bolsonaro, como afirmava o porteiro.

No segundo vídeo, instado a explicar uma ligação às 17 horas para a casa do pai, Carlos acabou revelando uma ligação do Uber para ele próprio. Com isso, admitiu que estava no condomínio no momento da reunião dos assassinos, atropelando o próprio álibi que invocara, de que estava na Câmara Municipal naquele horário.

Nos dias seguintes, Carlos saiu das redes sociais, deletou perfis, dando-se conta da autoincriminação. Eram tempos de reformas e de apoio do mercado, e a imprensa fingiu que não viu. Na fala de ontem, Bolsonaro fez revelações igualmente auto-comprometedoras.

Admitiu que pediu – e conseguiu – que um Policial Federal fosse até o presídio no Maranhão, onde estava preso Ronnie Lessa. Segundo sua versão, a intenção seria apenas a de confirmar se o filho caçula tinha namorado a filha de Lessa. Obviamente, uma desculpa ridícula.

Ronnie é figura chave para revelar os nomes dos mandantes do assassinato, assim como de outras pessoas envolvidas. Era vizinho de Bolsonaro no condomínio, ligado a contrabando de armas, egresso dos porões e das milícias, áreas de contato dos Bolsonaro. É evidente que a preocupação central não era com o namoro de seus filhos.

A questão central é: quem ordenou à PF que enviasse um policial até lá? Qual o envolvimento de Sérgio Moro na operação? Que tipo de relatório foi produzido? Que tipo de mensagem foi enviada?

Em outro momento, admitiu ter pedido acesso a relatórios da PF. Mas, segundo ele, para saber do inquérito sobre o atentado que sofreu.

São apenas duas revelações recentes, às quais devem ser acrescentados outros casos claros de politização da Policia Federal por Moro:

  • Envolveu a Polícia Federal em operação para anular o depoimento do porteiro do Condomínio de Bolsonaro, de que os assassinos haviam anunciado a casa de Bolsonaro. Para imiscuir-se em uma investigação da Polícia Civil do Rio, invocou a Lei de Segurança Nacional.
  • Foi até Fortaleza dar apoio aos amotinados da Polícia Militar, base de apoio de Bolsonaro.
  • Abriu inquéritos contra vários críticos de Bolsonaro, sempre invocando a LSN.

Ontem, no Jornal Nacional, Moro revelou diálogos pessoais com terceiros, mostrando que a falta de escrúpulos não era exclusiva das operações da Lava Jato.

De qualquer modo, entra-se agora em uma fase de grande ebulição.

Do lado dos Bolsonaro, a informação de que o próximo diretor geral da PF é Alexandre Ramagem, indicação pessoal de Carlos Bolsonaro. A tentativa dos Bolsonaro de assumir o controle da PF acende luz vermelha por todos os cantos.

Ao mesmo tempo, no Supremo Tribunal Federal (STF) o inquérito das manifestações foi entregue à relatoria do Ministro Celso de Mello, decano, e há tempos o mais rigoroso crítico dos Bolsonaro, desde a bravata de Eduardo, de que para calar o Supremo bastaria um jipe e um soldado.

No Congresso, Bolsonaro tem perdido sucessivamente apoio das várias bancadas temáticas. Hoje em dia, se tem a bancada ruralista em pânico, com as agressões do governo ao parceiro China; a bancada da bala irritada com os conflitos com Moro.

Muito sangue irá rolar nas próximas semanas, e não apenas das vítimas do Covid-19.

Sem foro privilegiado, chegou a hora de Moro ser julgado pela Justiça

Por Jeferson Miola

Sérgio Moro perdeu o foro privilegiado atrás do qual ele se protegeu e se escondeu para não responder a vários crimes cometidos durante suas funções como juiz e nos 16 meses no ministério bolsonarista. No período, Moro atendeu servilmente a todos os interesses dos Bolsonaro.

A coleção de crimes de prevaricação, omissão, advocacia administrativa e outros crimes cometidos por Moro, o gângster que a partir de agora será adotado pela Rede Globo para representar os interesses eleitorais da oligarquia calhorda, preencheriam uma enciclopédia:

– Moro prevaricou no caso do laranjal do PSL;

– obstruiu a investigação e mentiu em relação às denúncias da Vaza Jato;

– prevaricou em relação às milícias bolsonaristas digitais;

– prevaricou em relação ao atentado terrorista do militante do PSL contra a sede do Porta dos Fundos e permitiu a fuga do criminoso do país;

– tentou destruir provas dos supostos hackers e vazou informações das investigações a autoridades implicadas;

– prevaricou em relação ao tráfico de 39 kg de cocaína no AeroCoca presidencial da FAB;

– prevaricou na investigação do tráfico internacional de armas por Ronnie Lessa, vizinho de Condomínio de Bolsonaro e acusado do assassinato de Marielle e Anderson;

– prevaricou ao não incluir o nome de Adriano da Nóbrega, o miliciano preferido dos Bolsonaro, da lista de bandidos mais procurados do país e etc, etc.

Por todos estes crimes – e também por outros a serem relembrados e que não foram arrolados neste rápido repertório feito de memória – é incontornável que juristas analisem os fatos e promovam no judiciário as ações que correspondem contra Moro.

No discurso de demissão, Moro assumiu diretamente e confessou ter cometido pelo menos outros 2 crimes, além dos citados acima, que o sujeitam às penas da Lei:

  1. ele assumiu ter sido acionado pelo seu comparsa Maurício Valeixo, então delegado que chefiava a PF no Paraná [atual Diretor-Geral da PF e pivô da crise] para interferir ilegalmente, num domingo em que estava em férias em Portugal, para  impedir o cumprimento de ordem judicial de soltura do Lula em 8 de julho de 2018; e
  2. Moro confessou que impôs ao general Heleno e a Jair Bolsonaro, como condição para aceitar o cargo de ministro, que eles garantissem à sua família uma pensão. Ele disse:

Tem uma única condição que eu coloquei – não ia revelar, mas agora acho que não faz mais sentido manter segredo. Isso pode ser confirmado tanto pelo presidente como pelo general Heleno. Eu disse que, como estava abandonando 22 dois anos da magistratura […] pedi […] que minha família não ficasse desamparada, sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição específica no MJ”.

Ao revelar o pedido de pensão, Moro acabou confessando o cometimento do crime de corrupção passiva, que é definido no Artigo 317 do Código Penal com pena de reclusão de 2 a 12 anos e multa:

Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Agora sem foro privilegiado, chegou a hora do encontro do Moro, o “cara” do momento da Globo, se ver com a justiça, se é que ainda existe algum traço de legalidade e de justiça no Brasil.

Moro agora deve responder, finalmente, pelos seus crimes de corrupção do sistema de justiça do país e de destruição do Estado de Direito durante a Lava Jato e, também, pelos crimes perpetrados no período que serviu ao governo genocida e fascista de Bolsonaro.

Com a bofetada dada em Bolsonaro, Moro deu um salto adiante. Sua cambalhota política oportunista tem um cálculo político muito claro. O Brasil não está diante de uma figura trivial, mas de alguém tão ou mais perigoso; tão ou mais nefasto e podre, tão ou mais comprometedor para o futuro do Brasil, que o próprio Bolsonaro.

Moro e Bolsonaro são faces da mesma moeda. O destino de ambos é a cadeia. Esta é a hora de fazer o serviço completo; é a hora de julgar, processar e condenar Moro e Bolsonaro à prisão.