Por Zuenir Ventura
Já devia estar acostumado com esse tipo de engano. Numa outra edição da Flip, mal havia chegado a Paraty e fui cercado por um grupo de jovens me exaltando: “Sou sua fã, li todos os seus livros.” Eu estava me achando, quando alguém da turma gritou para uma amiga que passava do outro lado: “Fulana, vem ver o Saramago!” Agora, foi ainda mais inverossímil, e ainda bem que não havia repórter por perto, senão a cena entraria na disputa para ser das mais engraçadas desta última Festa Literária.
Na manhã do sábado passado, sentei-me num banco da praça principal da cidade para ler meu jornal e tomar um pouco de sol por causa do resto de frio herdado da madrugada, quando umas quatro ou cinco senhoras pararam à distância e uma tomou coragem e se aproximou: “Desculpe interromper sua leitura, mas posso tirar uma foto?” Respondi que sim, com prazer, e ela então perguntou: “Você é o….?” Decidi não ajudar, e ela completou: “Claro, é o Millôr Fernandes.” Disse que não: “Este ano ele não pôde vir.” As amigas, que me reconheceram, morreram de rir.
Continuei lendo meu jornal, e voltei a ser interrompido por outra senhora. Fizemos a foto, quis saber de onde ela era (não vou revelar, para que a autora do mico não seja descoberta). Era de uma cidade do Sul, e perguntei se tinha vindo especialmente para a Flip. “Sim, e para tirar uma foto com o homenageado”, informou, feliz por tê-lo encontrado ali. A cena se repetiu logo em seguida, com uma personagem do Nordeste. Tudo igual: “Você veio especialmente para a Flip?” Resposta: “E para homenagear o homenageado.” Voltei logo para a pousada com medo de que acabasse sendo acusado de roubo de homenagem. Algumas pessoas não acreditaram na história, mas juro que é verdade.
Na véspera, encontramos Marcos Caruso, com quem também já fui confundido e vice-versa. Mas o seu sósia preferido é o médico Dráuzio Varela. Contou que numa viagem da ponte aérea o vizinho do lado, antes de comer o sanduíche que a aeromoça lhe deu, dirigindo-se a ele perguntou: “Como o senhor é infectologista, posso comer?” O ator tentou esclarecer o equívoco, mas não terminou a frase: “Ah, sim, desculpe, o senhor é oncologista.” Aí, para acabar logo a consulta, o “Doutor Drauzio” receitou: “Tudo bem, come o seu sanduíche.”
Ainda não acabou. No dia seguinte, no café da manhã, o salão vazio, um simpático funcionário da pousada veio puxar conversa: “O senhor sabe que fui criado lendo seus livros infantis?” Agradeci (pra quê decepcioná-lo?) e perguntei qual era o preferido. “Ah, o Menino Maluquinho!”, revelou. Eu disse que era o meu também.
Essa crise de identidade já me deu a sensação de que às vezes não sou, pareço — com Saramago, Millôr, Ziraldo, Caruso, Drauzio e até comigo mesmo