O acaso não ajuda sempre

Por Gerson Nogueira

“Vi o futuro do rock’n’roll, e o seu nome é Bruce Springsteen”. A sentença saiu da pena afiada de Jon Landau, dono de um dos mais inspirados textos do jornalismo musical dos anos 70. Lançando mão, meio na marra, da frase célebre, quero dizer que eu também vi o futuro do futebol paraense e ele não passa pela insistência com técnicos meia-bocas e jogadores em fim de linha e descompromissados. Enquanto não houver a consciência de que a saída está na valorização das crias, o caminho irreversível será o abismo.

As últimas temporadas têm demonstrado isso de maneira escancarada, repetitiva até. Pikachu, Roni, Leandro Carvalho, Alex Ruan, Rodrigo, Djalma, Reis, Paulo Rafael, Cicinho, Tiago Cametá. Foram todos revelados por Papão e Remo. Por incrível que pareça, os clubes formadores parecem nem perceber o alcance dessa prática.

Apesar da miopia dos dirigentes, formar jogadores em casa é o que resta a um futebol que o Brasil esqueceu com o passar dos anos e dos sucessivos fiascos em competições importantes. Um futebol que se mantém vivo exclusivamente por força da rivalidade centenária, da paixão enlouquecida dividida entre duas torcidas.

unnamed (2)O hábito recorrente de sair contratando a rodo já mostrou sua inadequação para clubes que mal conseguem pagar suas despesas mensais. Insistir na política consumista é apressar a morte. Daí a necessidade premente de investir nas divisões de base.

Eu sei, o discurso é antigo e soa como conversa romântica. A realidade, porém, sinaliza que não há alternativa mais barata para levantar o futebol do Pará. Cabe agir rápido, tomar a iniciativa profissional de valorizar os boleiros formados em casa, antes que isso acabe ocorrendo por falta absoluta de outras opções.

O maior obstáculo para a mudança está na cabeça das pessoas que dirigem os clubes. Presidentes e diretores da dupla Re-Pa vivem sob a pressão da cobrança diária das torcidas. Quando o ambiente está calmo até conseguem pensar em planos e providências lúcidas. Diante do primeiro revés em campo, agem como crianças, desesperam-se e saem repetindo os erros de sempre.

No fim das contas, o volume de dívidas só aumenta, sem que se tenha nada a comprovar pelo dinheiro atirado no lixo. Contratações de nomes conhecidos, de passado mais ou menos luminoso lá fora, deixaram de ser garantia de sucesso aqui. Chegam, jogam mal e arrumam as malas. Deixam ainda as heranças malditas dos débitos trabalhistas.

Os treinadores, alguns também empresários, barram os garotos revelados pela base, apontam seus defeitos sem piedade e vão empurrando as nulidades que indicam para as diretorias desinformadas.

Chegou a hora de dar um freio nos maus hábitos. Cartolas precisam parar de premiar enganadores, distribuidores de camisas e animadores de auditório. Se a prática não cessar, conselheiros devem forçar a saída dos maus dirigentes. Só não dá mais para ficar esperando o milagre do acaso porque até o acaso já nos abandonou faz tempo.

———————————————————

Jogo decisivo para Papão e Vica

Quando os dirigentes mostram insatisfação com o desabafo do técnico Vica, em entrevista depois da derrota para o Coritiba, evidenciam apenas que estão sem rumo, sem saber direito o que fazer neste momento de turbulência. Preocupados com as queixas do torcedor, irritam-se com as verdades que o treinador revelou, principalmente quando ao descompromisso de alguns atletas.

É claro que a franqueza não absolve Vica. Ele está há poucas semanas no comando, mas já teve tempo para dar ao time um mínimo de organização. Quando assumiu o elenco do Papão, encontrou um sistema de jogo baseado na força de marcação. Mazola Jr. usava sempre três volantes para proteger sua linha de zagueiros.

Vica tem sido mais ousado, mas a defesa ficou muito vulnerável. Foi atrapalhado também pela queda de rendimento de jogadores fundamentais, como Charles e Pikachu. No caso do segundo, o problema está diretamente ligado à indefinição de seu papel no time. Sem saber se é lateral, ala, meia ou atacante, Pikachu se perdeu em campo. A equipe foi junto com ele.

O confronto de hoje contra o Crac-GO em Castanhal, sem torcida, é um teste definitivo para as pretensões do Papão na Série C e talvez a última oportunidade para Vica mostrar a que veio.

———————————————————–

BID ou o atestado de incompetência

As mudanças que a CBF ensaia tomar para normalizar o sistema de registro de atletas no Boletim Informativo Diário (BID) chegam com imenso atraso. Como todo mundo sabe, a burocracia atravanca o progresso e a entidade parece ter ignorado essa verdade. A demissão do diretor de Registro e Transferência, Luiz Gustavo de Castro, indica que a CBF finalmente se conscientizou do anacronismo de seu sistema de acompanhamento da situação contratual dos jogadores nos clubes.

Alvo de críticas de clubes e advogados, o BID tem sido pivô de embates judiciais que atentam contra a credibilidade dos campeonatos. Ao contrário da Europa, onde os campeonatos têm controle rígido e transparente dos contratos dos atletas, aqui a CBF parece ter inventado um modelo talhado para promover confusão.

Neste ano, vários incidentes expuseram a fragilidade do sistema informatizado da CBF, que passou a correr o risco de enfrentar processos indenizatórios na Justiça Comum.

O caso mais ruidoso envolve o Brasília, acusado de escalar na final da Copa Verde quatro jogadores sem inscrição no BID. Por conta disso, o clube foi denunciado pelo Papão e perdeu o título que havia vencido em campo, ficando também sem a vaga na Copa Sul-Americana 2015.

No último domingo, por ocasião do clássico Botafogo x Flamengo, o árbitro registrou na súmula que dois atletas alvinegros (Emerson e Edilson) não constavam do BID e não deveriam jogar. Só depois de esclarecida a falha do sistema é que o Botafogo se livrou da punição prevista, embora ainda possa vir a ser penalizado, caso o Flamengo o denuncie.

A confissão de culpa da CBF nos dois casos não impediu a enxurrada de críticas e a desconfiança generalizada quanto ao boletim informativo sobre os mais de 20 mil futebolistas registrados no país.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 03)

2 comentários em “O acaso não ajuda sempre

  1. Até o Águia se deixou levar pela loucura das contratações, enquanto isso Paty e Roni quebram o galho azul e Pikachu é a estrela solitária bicolor. Triste fim.

    Curtir

Deixe uma resposta