Briga de cachorro grande

Por Gerson Nogueira

São dois finalistas que estavam nas listas de todo mundo para levantar a taça na decisão da 20ª Copa das Copas. É natural que, como país-sede, o Brasil aparecia sempre como um dos mais cotados, mas sua eliminação nas semifinais não tira o brilho da festa, nem significa que Alemanha e Argentina não mereçam estar na posição privilegiada em que se encontram.

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Todo mundo sabia que os alemães vinham se preparando febrilmente para fazer boa figura na competição, como coroamento de um trabalho de renovação interna iniciado ainda em 2004. Quanto à Argentina, a confiança não era tão grande, mas havia sempre o fato especial de possuir um jogador acima de discussões: Lionel Messi, tricampeão de Bolas de Ouro da Fifa e reconhecidamente o melhor atacante do planeta.

Com essas credenciais, as duas seleções fizeram uma Copa dentro de suas possibilidades. A Alemanha foi tecnicamente melhor, com uma caminhada sem maiores percalços e atropelando impiedosamente os adversários mais temíveis que encontrou pela frente, Portugal e Brasil. Só isso já justificaria sua presença na final.
Joachim Low formatou um time que conta na verdade com pelo menos 16 titulares, que se revezam e permitem ao time contar sempre com fôlego renovado.
A preparação no interior da Bahia já é destacada como a mais adequada entre as seleções visitantes, pois garantiu aos alemães uma perfeita adaptação ao clima tropical. Em nenhum dos jogos que disputou – nem mesmo na prorrogação contra a surpreendente Argélia – a equipe acusou cansaço, o que é sempre um ponto decisivo em Copas do Mundo.
Outro aspecto a ajudar a seleção germânica é a juventude do elenco, que tem média de 27 anos, com jogadores que se conhecem desde as escolinhas de futebol. Além disso, a base é o Bayern de Munique, que tem sete atletas entre os titulares de Low. Entrosamento, portanto, não é problema para a equipe, que se dá ao luxo de ter um repertório excepcional de variação de jogadas.
Já a Argentina, que sofreu sobressaltos sem conta, atrapalhando-se com adversários pouco expressivos (Bósnia, Nigéria, Irã e Suíça), notabilizando-se por escores magros e lançando mão de recursos próprios de times limitadores: uma defesa forte e um contra-ataque afiado. Até o craque Messi se escondeu em muitos momentos, embora tenha sido decisivo nas jornadas contra bósnios, nigerianos e iranianos. Por essa razão, o médio Di María, que apoia as ações ofensivas, teve um papel mais reluzente na estrutura montada pelo técnico Alejandro Sabella. Sua ausência na semifinal contra a Holanda foi sentida por toda a equipe, que perdeu dinamismo na saída de bola e mobilidade no ataque.
Não se viu uma atuação espetacular da Argentina ao longo de toda a Copa e é inegável também que a seleção de Messi se beneficiou de um chaveamento mais tranquilo do que, por exemplo, o do Brasil e da própria Alemanha, mas salta aos olhos que o time foi adquirindo a cada jogo um nível de confiança que lhe permite desafiar o favoritismo alemão na tarde deste domingo.

Será uma das decisões mais interessantes de todas as Copas, apesar de não ser inédita (em 1986, deu Argentina; em 1990, a Alemanha venceu). O simples fato de colocar em disputa a hegemonia Europa-América do Sul já torna o confronto especialíssimo, visto que nas últimas duas Copas as finais foram protagonizadas exclusivamente por europeus. Ainda não foi desta vez que foi possível ver a chamada mãe de todas as batalhas, o clássico Brasil x Argentina, mas é indiscutível que as duas seleções mereceram chegar ao topo.
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História não registra surpresas em finais
Desde que Dodô sambava no Andaraí que as Copas são quase sempre vencidas pelos times considerados favoritos. Uma exceção notável a confirmar a regra é o desfecho do mundial de 54, quando a fulgurante Hungria de Puskas e Kocsis caiu diante da briosa Alemanha do capitão Fritz Walter. Quatro anos antes, na primeira Copa brasileira, já havia acontecido uma quase zebra. O Uruguai de Máspoli e Obdúlio não era um timinho qualquer, mas era reconhecidamente inferior ao seleto grupo de craques do escrete canarinho, onde pontificavam Zizinho, Ademir e Danilo.
Depois disso, somente em 1974 o mundo voltaria a ver uma surpresa em decisão de Copa. Naquele ano, na Alemanha, a revolucionária Laranja Mecânica de Rinus Michels acabou torpedeada pela disciplina tática de uma seleção apenas regular, embora também formada por craques do nível de Beckenbauer, Sepp Mayer e Breitner. Acontece que o Carrossel Holandês de Cruyff, Neeskens e Kroll tinha um sistema inovador, que propunha ao mundo a filosofia do futebol-total. O primeiro time a atacar e defender com a mesma volúpia e habilidade. Massacrou muitos times pelo caminho, inclusive o Brasil, mas desmoronou justo na final em Berlim.
Caso vença hoje, a Argentina será a feliz protagonista da quarta zebra na história das finais de Copa.
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Kroos na pole para levar Bola de Ouro
Outra disputa paralela envolve a escolha da seleção da Copa e do craque da competição. Na última Copa, para espanto geral, a Fifa deu a Bola de Ouro ao uruguaio Forlán, que marcou gols importantes, mas não se destacou a ponto de merecer o troféu máximo. Antes, em 2002, a escolha foi ainda mais desastrosa. O goleiro Oliver Khan, da Alemanha, foi premiado um dia antes da final e horas depois falhou terrivelmente no primeiro gol brasileiro, marcado por Ronaldo.
Essa infeliz premiação de Khan forçou a Fifa a mudar seus procedimentos. Passou a fazer escolhas provisórias, com base em notas por rendimento técnico. Na pré-lista de 10 jogadores selecionados para levar a Bola de Ouro estão nomes como Neymar; Messi, Di María e Mascherano (Argentina); Robben (Holanda), James Rodriguez (Colômbia); Toni Kroos, Lahm, Muller e Hummels (Alemanha).
A forte presença de alemães faz justiça à excelente campanha da seleção. Apesar da excelente Copa de Robben e James Rodriguez, considero que o médio Kroos foi o mais brilhante da Alemanha e tem grandes chances de ficar com o troféu. A não ser que ao longo da partida final alguém se destaque mais que ele. Rodriguez já é a maior revelação da Copa, superando a jovens promissores, como Pogba (França) e Schuerrle (Alemanha).
A seleção do mundial deve contar com a presença de pelo menos um dos zagueiros brasileiros, com boas perspectivas para David Luiz, pois Tiago Silva ficou de fora da semifinal. Prova de que, cada vez mais, o Brasil se torna o país dos zagueiros.
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Apesar dos vira-latas, a Copa das Copas
Já que ninguém ligado à gestão do futebol no Brasil se preocupou com mudanças depois da trágica semifinal em Belo Horizonte, a presidenta Dilma Rousseff fez uma manifestação importante para o momento vivido pelo principal esporte praticado no país. Afirmou na sexta-feira que a derrota deve ensinar a aprender, projetando profunda reforma de todas as instituições que regem o futebol brasileiro. No começo do ano, Dilma já havia prometido isso aos jogadores que lideram o grupo Bom Senso F.C. em reunião no Palácio do Planalto.
A goleada de 7 a 1, na opinião da presidenta, aponta para a necessidade de uma mudança ampla, que visaria entre outras coisas reter talentos no país. Dilma observou que o Brasil é a sexta economia do mundo, o que lhe daria condições para evitar a exportação em massa de seus jogadores. Infelizmente, apesar de a ideia soar interessante no discurso, a realidade do futebol mundial não encoraja a crença na possibilidade de manter craques nos combalidos clubes nacionais.
É importante ressaltar, porém, que Dilma acerta em cheio quanto à necessidade de se tomar como exemplo a reforma levada a cabo na Alemanha, depois que a seleção fracassou na Eurocopa-2000. Por fim, no balanço da Copa realizada no Brasil, ela foi certeira: apesar do exército de oportunistas e vira-latas que marchou contra o evento, com o apoio da grande mídia, o mundial foi um sucesso de organização, fazendo jus ao título de Copa das Copas.
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Catastrofistas perderam, Brasil ganhou  
Um dos golaços da Copa das Copas foi a maciça presença da torcida nos estádios. Todos os jogos, inclusive aqueles mais chinfrins, tiveram lotação quase completa das arenas. O público prestigiou a competição como nunca havia acontecido antes na história. E o mais interessante é que esse êxito popular se concretizou mesmo depois das mais funestas previsões feitas por especialistas e que boa parte da mídia brasileira abraçou, justificando a definição de “vira-lata” por parte do escritor Ruy Castro, que observou uma tremenda má vontade com a Copa.
Em função desse clima hostil no Brasil, a imprensa internacional repercutiu as mazelas e problemas nas obras da Copa, dando a isso importância quase sempre exagerada. Ainda assim, milhares de torcedores do mundo inteiro vieram ao país acompanhar os jogos e puderam constatar que a alegria brasileira não é apenas um estado de espírito folclorizado pelo carnaval. Viram que há um povo que adora receber bem as pessoas e que tem orgulho de seu país, apesar dos muitos problemas decorrentes de séculos de incompetência e desprezo pelas instituições.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 13)

22 comentários em “Briga de cachorro grande

  1. Desde o primeiro jogo, contra Portugal, que me pareceu que a Alemanha não vinha sendo rigorosamente exigida e que até se poupava, impressão que para mim se confirmou no último jogo da primeira fase contra os EUA, quando fez um treino de luxo. Mesmo contra Gana o placar não retratou que os alemães tenham ficado sob qualquer periclitancia, seja tática, seja tecnica , seja física. Tudo esteve sob inteiro controle, sem maiores exigências. Nas partidas eliminatórias tambem nao ha que se falar em exigencia ou rigor por parte dos adversários. Aquele que ainda ensaiou alguma resistência foi a Argélia. Contra o Brasil, foi menos que um treino de luxo, e o placar de 7 a 1, não traduz jogo a facilidade que foi o jogo para eles, o dobro não seria nenhum exagero ja que visivelmente tiraram o pé.

    Já a Argentina enfrentou dificuldades em todos os jogos, foi crescendo e avançando, avançando e crescendo, na competição. Tendo na semi feito o jogo mais exigente, mais rigoroso, mais pegado e qualificado da competição. Enfim, o jogo mais difícil de jogar e passar desta copa.

    Por tudo isso é que eu acho que a Argentina não fez uma campanha melhor que a Alemanha, mas que será o único, verdadeiro, e literalmente definitivo teste para os alemães. Torço por eles, creio que o futebol deles, os alemães, será o campeão. Mas, se a Argentina impedir que a Alemanha passe neste ultimo teste, o time ficará bem entregue aos portenhos. (…)

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  2. Quanto ao melhor jogador da copa, em primeiro lugar, de dizer que estou de acordo com a lista dos indicados. Meu voto vai para o Colombiano James. Acho que foi o que jogou mais bonito de todos até aqui, inclusive marcando dois golaços, exibindo a mais apurada técnica.

    Todavia, se os indicados alemães e/ou argentinos fizerem um jogo excelente hoje alterou meu voto para um deles, eis que a dificuldade e importancia de uma finalíssima qualificam uma boa atuação e elevam a pontuação num nivel capaz de superar o James.

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  3. Argentina parece bem mais impetuosa hoje do que durante toda a copa. Já levou perigo em três oportunidades no contra golpe. A posse de bola alemã é maior, porém ainda não assustou efetivamente.

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  4. Kross acaba de dar uma entregada monumental, a qual para mim sepulta suas chances de levar o titulo de melhor da copa. Sorte dele que o Argentino desperdiçou o gol.

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  5. Pela primeira vez a Alemanha chegou com verdadeiro perigo. Mas a dupla de atacantes se atrapalhou com a bola perdendo uma excelente chance de conseguir um chute a gol da pequena área.

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  6. 30′ Argentina mostrando que apesar de jogar retraída tem muita força para se impor perante a Alemanha. Parece que o verdadeiro teste Alemão vai ser muito difícil. Mas ainda acredito que ela passe.

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  7. Argentina teve uma grande chance e algumas boas jogadas. Já a Alemanha domina o jogo, mas não cria tantas oportunidades, já que a Argentina congestiona a entrada da área. Mesmo assim criou boas oportunidades e esteve bem próximo do gol com a cabeçada na trave.

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  8. Em síntese, jogo equilibrado, já que são propostas diferentes de jogo. Eu, particularmente, gostaria da Alemanha campeã pelo futebol ofensivo que se propõe.

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  9. Alemanha equilibrou o jogo no final. Agregou à posse de bola a maior efetividade no ataque e encerrou a primeira etapa com a iniciativa do jogo inclusive enfiando uma bola na trave numa cobrança de escanteio obtido apos uma blitz alemã.

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  10. A propósito, não tivesse o Higuain se afobado e entrado em impedimento, o jogo teria encerrado a primeira etapa com um a zero. Isso sem contar com a entregada alemã que o mesmo Higuain desperdiçou atabalhoadamente.

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  11. Minha expectativa para o segundo tempo é que a Alemanha mantenha esta postura com a qual encerrou o primeiro tempo agregando à posse de bola a efetividade, e com isso conseguir se impor.

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