Uma lição para ser copiada

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Por Gerson Nogueira

Em declaração feita no começo do ano passado, o brilhante meio-campista alemão Paul Breitner (campeão mundial em 1974) resumiu bem o que se passava com a Alemanha nos idos de 2000. Esquemática e previsível, apostava tudo nas bolas aéreas e esquecia de jogar. Segundo Breitner, a seleção ia mal porque agia com arrogância, como se não precisasse aprender nada. Como se recusava a aprender, não evoluía e passou a jogar cada vez pior.
O vexame da eliminação na primeira fase da Eurocopa de 2000, realizada na Bélgica, fez com que os alemães percebessem que estavam ficando para trás. De imediato, gestores e autoridades partiram para uma drástica tomada de atitude. Sabiam que era necessário fazer com que o país voltasse a ser uma potência do futebol no mais curt espaço de tempo possível.
A mobilização envolveu todos os setores, seguindo a lógica de que o futebol era o principal ponto de unificação do país. Foram criados mais de 300 centros de treinamento nas principais cidades, dotados da estrutura necessária para a prospecção de novos talentos. Do grupo atual, que disputa a Copa no Brasil, somente Miroslav Klose não passou pelas peneiras montadas para garimpar  e formar craques.
Na outra ponta do processo, os clubes foram obrigados a prestar contas anualmente sobre suas gestões. Um protocolo extenso foi firmado para controlar com rigor a vida financeira das agremiações, sujeitas a perderem pontos nos campeonatos em caso de descumprimento das normas.
Além disso, as empresas privadas ganharam estímulos para investir no futebol profissional, ajudando a viabilizar a maior revolução esportiva já vista na Europa do pós-guerra. Superior e mais arrojada até do que a estruturação da Premier League pelos clubes ingleses a partir dos anos 70.
Quem administra as coisas por lá é a poderosa DFB (Associação de Futebol), cuja maior façanha foi a reformulação da Bundesliga, que em dez anos se tornou o campeonato com maior média de público no mundo inteiro. É um campeonato rentável porque reúne equipes competitivas e de alto nível técnico, capazes de fazer sucesso também na Liga dos Campeões da Europa, como o Bayern nas últimas três temporadas. Ao contrário da CBF, a DFB é subordinada ao governo alemão, o que garante a fiscalização permanente de seus atos.
Quanto à seleção, os resultados não apareceram logo. Para a Copa de 2006, a Alemanha formou uma seleção recheada de jovens, quase todos oriundos dos centros de treinamentos espalhados pelo país. Ficou em terceiro lugar, com direito a comemorações efusivas em todo o país. Eu estava lá e testemunhei os festejos que invadiram as ruas de Munique. Havia a consciência geral de que aquele era o pontapé inicial de um grande projeto, fadado a êxito um pouco mais à frente. Em 2010, com o time mais amadurecido, deu mais um passo importante: foi às semifinais da Copa da África do Sul. O apogeu do projeto está acontecendo agora e nós descobrimos isso da pior maneira, sofrendo aquele bombardeio impiedoso no Mineirão.
Que os gestores do nosso futebol mirem-se no exemplo de seus pares germânicos e aproveitem este momento de choque para abrir caminho para mudanças. Sem isso, o futebol brasileiro corre o risco de virar um imenso museu de novidades.
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Argentina aposta no bloqueio defensivo
Os jogos da Argentina estão entre os mais enfadonhos desta Copa. Não deu show, não se esmerou em buscar vitórias arrasadoras e chegou à final sem uma partida inesquecível para exibir no currículo, ao contrário da Alemanha, que arrasou com Portugal e humilhou o Brasil. Foi uma seleção preocupada o tempo todo em não levar gol, limitando-se a povoar sua intermediária com o maior número possível de defensores. Conseguiu chegar quase à perfeição: em seis partidas, levou três gols apenas. O ataque é econômico – apenas oito gols marcados, a mais baixa produção entre os semifinalistas.
Ao técnico Alejandro Sabella parece só interessar mesmo o resultado. Poucas vezes um time argentino apostou tanto na cautela como arma de guerra. O pragmatismo tem origem nas dúvidas quanto ao rendimento físico e técnico das estrelas da companhia. Messi, Di María e Aguero chegaram ao mundial muito desgastados pela temporada na Europa. Nessas circunstâncias, Sabella entendeu que seria fundamental reforçar a zaga.
Curiosamente, sua linha de zagueiros é reconhecidamente limitada, com o estabanado Garay à frente, mas é no meio-de-campo que a obsessão defensiva se manifesta com mais clareza. Mascherano comanda a brigada com a disposição de sempre e tem sido decisivo no trabalho de dar primeiro combate aos ataques adversários.
Contra a Holanda, anteontem, essa capacidade de enfrentar atacantes rápidos e habilidosos foi posta à prova e Mascherano & cia. se saíram brilhantemente. Anularam por completo Robben, Van Persie e Sneijder, o trio avançado holandês. Em determinados momentos, Robben parecia irritado diante de vigilância tão forte. Passou o jogo em branco, assim como Van Persie, substituído por Huntelaar.
Mesmo que não ganhe a Copa, a Argentina já marcou sua passagem pelo Brasil empreendendo uma campanha estrategicamente planejada, com um sucesso muito acima do esperado até pelos próprios argentinos. Contra a Alemanha no domingo será possível ver até onde pode ir a determinação marcadora do time de Sabella diante do conjunto mais afinado da competição.
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Boato fajuto só ilude distraídos 
Como ocorre desde 1998, quando o Brasil foi derrotado pela França na final da Copa, a internet propaga um texto apócrifo que tenta ludibriar incautos com uma mal ajambrada teoria conspiratória. Naquela ocasião, o estopim dessas especulações foi a convulsão sofrida por Ronaldo em episódio que tirou do eixo a seleção então dirigida por Zagallo. Normalmente vulnerável a boatos sobre armações, o torcedor assimila com facilidade tudo o que é passado com tintas dramáticas. A explicação para uma derrota é tanto mais aceitável quando envolve forças ocultas ou tramoias de bastidores.
Isso fica bem evidente agora, depois da goleada sofrida pelo Brasil diante da Alemanha. Em questão de horas, as redes sociais começaram a reproduzir e ecoar uma cópia quase integral daquele texto de 98, com substituição apenas dos nomes das pessoas supostamente envolvidas no ardil para que o Brasil abrisse mão da Copa. O português tosco e pretensamente jornalístico da mensagem ainda cita como fonte uma emissora de televisão, que já desmentiu energicamente a história há 16 anos.
A situação expõe de maneira chocante as porteiras escancaradas da internet para a difusão de textos fakes, explorando a desinformação de um público que pouco lê jornais ou mesmo portais de notícias. Antes de acreditar (e repassar) a mentira, o internauta deve questionar os detalhes ali divulgados. A história é tão inverossímil que não resiste à análise crítica de uma criança, mas é espantoso que ainda consiga enredar tanta gente.
O ponto mais amalucado do texto é a acusação de que teria havido uma gigantesca armação, envolvendo a Fifa e o governo brasileiro, para “dar” a Copa à Alemanha em troca da realização de outro mundial daqui a oito anos. Além de soar sem sentido, pois o Brasil estaria supostamente abrindo mão da taça, a lorota escorrega na divulgação de nomes de uma fictícia reunião.
De mais a mais, a própria evolução do futebol como negócio globalizado inviabiliza qualquer tipo de manobra entre seleções de primeira linha, como Alemanha e Brasil, que movimentam fortunas em contratos de patrocínio e imagem, além de serem formadas por alguns dos futebolistas mais bem pagos de todos os tempos.
Há ainda o componente de desrespeito pelos adversários e o ressurgimento da velha miopia patrioteira. É como se o invencível escrete brasileiro só pudesse ser derrotado por força de uma novelesca artimanha de bastidores.
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E o Rio não viu a Seleção
Nas ruas do Rio de Janeiro, bandeiras brasileiras ainda repousam nas sacadas dos prédios e nas varandas das casas, mas o clima já é de fim de festa. O anti-clímax veio com a funesta semifinal de Belo Horizonte, que sepultou as possibilidades de a Seleção pisar no mítico gramado do Maracanã pelo menos uma vez. Quando as sedes foram definidas, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, com a empáfia que o caracterizava, justificou a exclusão do Rio da rota do Brasil na Copa com uma sentença típica de quem não manja nada dos caprichos do futebol.
Segundo ele, o risco de só vir ao Maracanã na final não existia, pois a Seleção seria campeã. Na verdade, a frase escondia implicâncias pessoais de Teixeira com o governador Sérgio Cabral. Manteve a Seleção longe do Rio como forma de atingir Cabral, mas golpeou o futebol brasileiro, privado de ver a equipe canarinho pelo menos uma vez na Cidade Maravilhosa.
Em contrapartida, os hermanos estrearam no estádio carioca e irão participar do banquete de gala no domingo.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 11)

10 comentários em “Uma lição para ser copiada

  1. Apenas um comentário Gerson, a Liga Alemã (bem como a segunda divisão) é organizada pelos clubes, diferentemente do Brasil, que tem a CBF como organizadora da competição e a Globo como organizadora do calendário.

    A Federação Alemã coordena os trabalhos de base espalhados pelo país que irá alimentar os clubes, além de ser responsável pelas selecionados nacionais.

    Um modelo a ser copiado…

    Enquanto isso, aqui no Pará, Nunes vai fincanciando torneio que não revelam jogadores (as ligas interiorioranas, com todo respeito) para manter-se no poder.

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  2. Em 98 os coxinhas do futebol inventaram aquela história da troca da copa, ou seja, a França ficaria com o titulo e o Brasil sediaria a copa de 2014.

    Esse ano diziam os coxinhas do futebol que a copa já tava comprada, o Brasil seria Hexa.

    Agora os coxinhas do futebol estão dizendo que o Brasil vendeu a copa, para que em 2022, volte a se realizar aqui, pois a FIFA s arrependera da escolha de Catar.

    Muito parecido com que os coxinhas daqui do nosso futebol dizem sobre o papão, que este glorioso clube comprou todos os campeonatos que conquistou.

    O primeiro brasileiro da série B, comprou até o Remo, que estava no torneio kkkkkkkk

    E agora na copa, todas as 31 seleções foram compradas.

    Quanta babaquice, idiotice, imbecialidade etc…

    Quem não sabe perder, sempre inventa inverdades.

    Na minha opinião a arbitragem foi horrorosa num contexto gera, mas não que tenham sido desonestos, apenas foram orientados a fazerem uma arbitragem a modo que não comprometessem muito as equipes, mas acabaram robotizando a competição.

    Nós perdemos, e isso é fato, devemos aceitar.

    Pra mim e pra muitos o ideal seria que semana que vem começasse outra copa, pra gente tentar ganhar, mas as coisas não funcionam assim, vão se passar longos 4 anos, e ainda vamos pessar pelo crivo das eliminatórias.

    Enquanto isso, devemos aceitar o que aconteceu, e entender que o Brasil, perdendo de 1 ou de 10, é o BRASIL, o líder do futebol mundial.

    Podemos sim dar a volta por cima. Lembro que meu pai dizia antes de 94 que nunca mais iriamos ganhar uma copa, e já ganhamos duas.

    Em resumo, essa desconfiança sobre tudo, mas que algo pra se desconfiar, é uma pura idiotice e covardia e desmerecimento daqueles que de alguma forma conquistaram suas metas.

    Os 7×1, doeram, mas não tiraram as nossas conquistas.

    A Argentina pegou de 5×0 em Buenos Aires da Colombia e nem por isso acabou, e vai ser campeã, Tri campeã domingo.

    O resto é chororô!

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  3. Não menospreze os 7 – 1 amigo Edson. Marin e Del Nero estão querendo exatamente isso. O placar frente Alemanha, por mais esdrúxulo que seja, mostra claramente o nível do futebol praticado em nosso país e dos nossos supostos craques (Neymar ja estava sendo alçado a novo Pelé, o cara não é nem o Romario ainda, se é que será).

    Não somos mais lider do futebol mundial, a arrogância de pensar desta maneira cega e inviabiliza o crescimento do futebol nacional.

    Que esse massacre sirva para reorganizar o futebol nacional. Se tivessem vergonha na cara Del Nero, Marin e sua trupe saian e pediam para o último apagar a luz..

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  4. A reformulação tem que ser completa, inclusive da imprensa, que critica o tempo todo, afinal é seu papel. Queremos futebol de qualidade, dribles, esquemas qualificados e goleadas. Não temos mais nada disso. Criticamos e invejamos a retranca de nossos hermanos que domingo tem a chance real de jogar no lixos todas essas analises maravilhosas da super endeusada “ALEMANHA”. Se os semideuses perderem qual será o discurso. Contra títulos não há argumentos, exceto para o Brasil e no Brasil. Vamos cuspir para cima?

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  5. Muito bem notado, Carlos Lira ! O ”Curunér” deveria vir a público dar explicações de a Liga Intermunicipal, financiada pela FPF, não ter revelado jogadores para os clubes paraenses.

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  6. Os gestores de nosso futebol, os oficiais e os privados, querem passar muito longe de experiências do tipo desta pela qual passou o futebol germânico.

    A obsessão defensiva dos hermanos faz parelha com aquela exibida pelo time brasileiro. Não é idêntica porque eles parecem psicologicamente mais firmes que os nossos amarelinhos e demonstraram isso neutralizando com firmeza o assédio do bom time holandês. Torço pela Alemanha, mas tenho expectativa que não será um jogo fácil.

    Quanto à tal venda da copa, certa vez eu me perguntei por que será que ainda tem que se preste iniciar uma presepada destas? Foi quando cheguei à conclusão que é porque tais pessoas gostam de tirar sarro da cara dos “distraídos” que compram e repassam a papagaiada.

    Quanto ao Maracanã e sua existência mitológica, independentemente das armações ilimitadas dos gestores da cbf, talvez a seleção e seu futebol sem qualquer inspiração não merecesse mesmo se exibir naquele templo.

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  7. Há muito tempo deixamos de ser o reis do futebol mundial. Não somos mais. Ontem foram os espanhóis e hoje, são os alemães. E os alemães, caso ganhem domingo, manterão a supremacia durante pelo menos mais duas copas. Se o Brasil não for humilde para entender que não é mais de nada, poderá haver mudanças.Mas fora isso, não tem como. Essa turma do Marin e do Del Nero vai afundar o futebol brasileiro cada vez mais.

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  8. Celira, eu não disse, e se dissesse seria um bobão, que o Brasil é o líder do futebol mundial na atualidade, obviamente que me referí em todos os tempos.

    Até amanhã quem manda no futebol mundial é a Espanha, depois, será Argentina ou os alemães.

    Aliás uma das coisas que deveria acabar no futebol, é esse show de jogador naturalizado.

    O Brasil graças a Deus não precisa desse recurso.

    Até os hermanitos via camaronesi ( italiano ) já se valeu disso. A Alemanha atual, é um carnaval de jogadores de outras nações, assim é um abraço.

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