As últimas semanas trouxeram de volta ao cotidiano do futebol aquele noticiário árido e hermético, recheado de referências a leis e regulamentos. Não tem jeito, o juridiquês volta para azucrinar o torcedor, desde que lambanças da própria CBF fizeram a Série C mergulhar em incertezas e controvérsias, culminando com a paralisação determinada pela 7ª Vara Cível do Rio de Janeiro.
Protagonista involuntário dessa novela, o Rio Branco tem adotado posicionamento desconcertante. Depois de anunciar sua desistência no Twitter ontem à tarde, a diretoria mudou de idéia à noite: a briga judicial pela permanência na competição está mantida.
A situação que se desenhava desde o fim de semana apontava para o recuo do clube acreano e a volta do Luverdense à competição, colocando um fim às escaramuças na Justiça Comum. A mudança de planos interessa diretamente ao Paissandu, que é o segundo maior interessado – por motivos óbvios – na permanência do Estrelão na disputa.
A decisão de insistir na luta pela permanência na Série C não altera, pelo menos por enquanto, a situação de impasse. Depois de declarações do presidente do clube, Natal Xavier, indicando que iria retirar a ação na Justiça, a reunião entre dirigentes da Federação de Futebol do Acre (FFAC), diretores do Rio Branco e advogados da Procuradoria Geral do Estado do Acre definiu outra direção. Se desistisse, o clube estaria automaticamente aceitando o rebaixamento à Série D.
Xavier foi voto vencido na decisão de ignorar os riscos de retaliação por parte da CBF e até de desfiliação junto à Fifa. A posição de enfrentamento tem suporte na influência política do PT acreano, mas pode trazer sérias complicações ao Rio Branco.
Exemplos anteriores (América-MG e Gama) indicam que, a partir de agora, a atitude do clube passa a ser encarada pela CBF como rebeldia. E rebeldes costumam ser tratados a ferro e fogo pela entidade que manda e desmanda no futebol brasileiro.
Alheio às possíveis conseqüências, o Rio Branco demonstra coragem e desassombro. Tem sido relativamente bem sucedido nessa empreitada. Além de neutralizar a decisão do STJD que beneficiou o Luverdense, impôs agressiva estratégia nos tribunais para reivindicar seus direitos. Graças a isso, acabou forçando a suspensão dos jogos, algo surpreendente para uma modesta agremiação nortista. Por tudo isso, é bom não duvidar de suas chances de vitória nessa guerra de foice.
A situação ficará melhor ainda para o Paissandu, depois de vários capítulos desfavoráveis, se o STJD julgar logo o recurso do Campinense contra o CRB pelo célebre jogo da armação com o Fortaleza, na rodada final da fase anterior. Pelas evidências do arranjo em campo, o clube paraibano tem boas chances de sucesso no tapetão. O atual líder do grupo do Papão corre o risco de ser penalizado e até afastado da competição. Inexplicavelmente, porém, o julgamento da ação vem sendo protelado e a previsão é de que só aconteça daqui a três semanas, quando pode ser muito tarde.
Ronaldo fugiu da concentração da Seleção Brasileira durante a Copa do Mundo de 1994. Todo mundo sabia que Romário havia feito isso, até porque o marrento atacante nunca se preocupou em esconder o fato. A surpresa é que o então jovem craque estava junto com Romário nessas aventuras. Obviamente, a revelação só aconteceu agora, depois que o Fenômeno pendurou as chuteiras e não corre mais riscos de retaliação. Ronaldo contou a traquinagem ao lado dos moleques Neymar e Lucas, aproveitando para acrescentar conselhos sisudos quanto à importância da disciplina e da dedicação. Pelo sorriso irônico de Neymar, o mais provável é que decida seguir as normas não escritas da malandragem.
A história, mais ou menos comum a todas as Copas, expõe o quanto é caduca a instituição da concentração no futebol. A Holanda de 74, um dos times mais cultuados de todos os tempos, baniu o sistema de reclusão dos jogadores. Por outro lado, os grandes clubes europeus já adotam um sistema bem flexível de acompanhamento de seus caríssimos craques. Só no Brasil persiste a visão me-engana-que-eu-gosto quanto aos supostos benefícios da concentração.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 25)