Que as invenções parem por aqui
Quando Dunga assumiu a função de técnico do Brasil, fui um dos primeiros a questionar tal escolha. Escrevi a respeito, bestificado com a surpreendente decisão da CBF. Não podia dar certo. Nunca vi no ex-capitão da Seleção o perfil certo para tamanha responsabilidade. Tinha em mente as explosões do jogador quando disputou a Copa do Mundo de 1994, chegando mesmo a gritar com Bebeto em campo, para fazer prevalecer o tal espírito de liderança. Nunca engoli esse tipo de ascendência. Claro que esbravejava com Bebeto porque era o mais frágil de todos naquele time. Duvido que fizesse o mesmo com um Romário ou um Branco, por exemplo. É o típico caso da valentia calculada, que jamais me impressionou.
Na prática, Dunga foi uma invenção que durou tempo demais. Foi chamado, inicialmente, para tentar arrumar a casa depois do fiasco na Copa de 2006. Repetia isso sempre, mostrando que tinha consciência de sua interinidade. Ocorre que foi ficando, ganhou torneios (Copa América, Copa das Confederações) e classificou bem a Seleção nas eliminatórias sul-americanas. Mais que isso: conseguiu bater a Argentina seguidamente, por escores dilatados, um dos quais lá em Buenos Aires.
Diante disso, a CBF não teve outra saída a não ser mantê-lo como técnico efetivo, sempre com endosso da opinião pública, que aprendeu a vê-lo como um misto de bedel e capataz. E que ninguém me pergunte a razão desse estranho pendor dos brasileiros por sujeitos metidos a atrabiliários. Só isso explica que, em plena crise entre Dunga e os jornalistas que cobriam a Seleção na África do Sul, um contingente cada vez maior de pessoas entoasse loas ao comportamento errático do destemperado treinador. Não importa que, a cada entrevista, ele reagisse com rispidez a qualquer pergunta não positiva.
É fato que todas as restrições iniciais foram sendo derrubadas pelos resultados. Nada mais coerente. Dunga é, por essência, um apóstolo do futebol de resultados, que, como se sabe, é um conceito vazio em si mesmo. Dura exatamente o tempo das conquistas, mas não deixa aquele rastro de satisfação que acompanha os grandes feitos. É o resultado pelo resultado. Há quem goste. Os mais exigentes preferem feitos menos efêmeros, mais significativos.
Dunga nunca aceitou essa distinção. Detestava a simples menção a algum tipo de vida inteligente fora das fronteiras do futebol pragmático.
Abespinhava-se sempre que alguém lembrava a diferença entre os “perdedores” de 1982 e os “vencedores” de 1994. Via nisso uma ofensa sem tamanho. Esse duelo conceitual acompanhou todo o período de sua gestão no escrete. Assessorado por um Jorginho cada vez mais messiânico, passou a acreditar no poder de transformar o futebol brasileiro. Queria que seus jogadores funcionassem à sua imagem, jogassem como dunguinhas amestrados. Quase conseguiu. Até o afável Kaká andou vestindo essa roupaentrando no formato, destilando ressentimento e mau humor contra jornalistas.
Felipe Melo, obviamente, foi sua criação mais que perfeita. Até nas entrevistas fazia questão de reproduzir os ensinamentos da caserna. Dunga caprichou tanto no clone que viu-se obrigado a defendê-lo publicamente depois da sanguínea atuação do volante durante a Copa. Foram dois jogos marcantes, contra Portugal, quando foi substituído antes de sair no tapa com um adversário, e diante dos holandeses, quando pisou a perna de Robben e deixou seus companheiros de time a ver navios. Mas deve ter saído de alma lavada, afinal foi fiel aos princípios de seu mestre.
Dunga cometeu inúmeros erros, que devem ser perdoados pela sua inexperiência para o cargo. Cometeu, porém, falhas imperdoáveis para alguém que sempre militou no futebol. Alguém que, por obrigação, deveria saber distinguir um reles perna-de-pau de um craque. Andou frequentando estádios para acompanhar a apresentação de alguns jogadores, mas ao escolher os 23 da Copa fechou-se na cômoda posição de lealdade aos comandados da primeira hora, como se o futebol não fosse tão dinâmico e sujeito a alterações de última hora. Formou seu time com a parcimônia e o conservadorismo dos burocratas. Foi tão zeloso nisso que terminou por esquecer de levar craques na bagagem.
Sua única concessão à essência do futebol brasileiro foi a presença de Kaká, ainda assim sem as condições necessárias para encarar um torneio tão exigente e seletivo. Quando foi cobrado sobre essa avareza em relação aos talentosos, repetia o mantra da lealdade e a cantilena da regularidade. Sim, Júlio Batista é regular na mediocridade. Sempre foi medíocre, nunca destoou disso. Josué, idem. Kleberson e Felipe Melo, também. Em nome do rigor
castrense, deixou de lado a mínima possibilidade de surpresas ou improvisos. Ganso, Neymar, Diego e Ronaldinho foram menosprezados. Na cabeça do Capitão do Mato e seu assistente, o grupo escolhido era capaz de resistir a qualquer acidente de percurso. Todo mundo sabia que não seria bem assim. E não foi.
Quando atende o clamor da massa e afasta a comissão técnica de resultados, a CBF age corretamente. Continuará no caminho certo se entender que o futebol brasileiro, palco da próxima Copa, não pode ser entregue a inimigos da ofensividade. Nossa história está repleta de craques, todos do meio pra frente. Nossas seleções sempre tiveram fartura de gols. É hora de respeitar esse fabuloso passado. Chega de invencionices.
É tempo de voltar à normalidade
Dos nomes citados nas últimas horas, três despontam como favoritos. Luís Felipe Scolari, Vanderlei Luxemburgo e Mano Menezes. A zebra é o atual técnico corintiano, de poucas conquistas e currículo ainda raquítico. Prefiro que os donos da Seleção escolham Luxemburgo, por ser um treinador afeito ao futebol ofensivo, de raízes essencialmente brasileiras. Felipão tem o mérito da conquista de 2002, mas, a exemplo de Mano, tem predileção por esquemas fechados. O país do futebol não pode se apresentar em 2014, diante de sua gente, com esquema defensivista e medroso. É hora de romper com essas bobagens de melhor defesa do mundo. Que se restaure a normalidade e que o Brasil volte a ser conhecido (e respeitado) como o berço dos melhores meias e atacantes do planeta.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta segunda-feira, 5)