Até a última gota de sangue
Depois de ver, no telão 3D hiper-realista do Centro de Imprensa, Holanda e Uruguai decidirem a primeira semifinal, pensei em escrever sobre esse duo cada vez mais afinado, Sneijder e Robben. Mesmo quando não oferecem um show de bola – e ainda estão devendo isso -, conseguem resolver as coisas. Não por acaso, o baixinho já é artilheiro da competição. A eles, a Holanda deve bastante de sua chegada a uma final de Copa do Mundo 32 anos depois. São personagens fundamentais desses derradeiros momentos do evento máximo do futebol.
Mas, apesar de todo o mérito embutido na impressionante campanha nederlandesa (seis jogos, seis vitórias), não tive como ficar indiferente a esse surpreendente Uruguai. Antes de mais nada, é preciso dizer que a seleção de Oscar Tabárez traz a marca inconfundível do futebol que celebrizou seu belo país ao longo da história. Só por isso já lhe cabem todos os louvores possíveis. De uma seleção espera-se que saiba representar dignamente seu país. Os guerreiros liderados por Forlán reproduziram, em cores modernas, a raça e a fibra inquebrantável de ilustres antepassados, como o lendário caudilho Obdúlio Varela, o inexpugnável Roque Máspoli e o maestro Pedro Rocha.
Quando a Copa começou, duvido que alguém tivesse coragem de atribuir ao Uruguai um papel relevante no torneio. Na verdade, o time se inseria naquele grupo intermediário dos que nada aspiram na competição, a não ser sair sem dar maiores vexames. Era esse o comportamento que todos julgavam competir à Celeste Olímpica. Qualquer conversa que girasse sobre prognósticos incluía, no capítulo sul-americano, as referências obrigatórias ao Brasil e à Argentina.
Por concessão, ainda se falava de raspão no Paraguai, mas o Uruguai e o Chile eram solenemente ignorados. No caso uruguaio, havia uma explicação lógica: a classificação foi obtida no apagar das luzes, na repescagem contra Costa Rica. Contra toda essa descrença, Tabárez foi construindo sua caminhada na competição. Centrado numa defesa forte, às vezes até dura demais, a seleção tinha como pontos fortes os atacantes Suárez e Forlán. Nada mais que isso, com o detalhe incômodo de que o meio-campo é sofrível, sem técnica e pouquíssima qualidade de passe. Os ataques nascem,
invariavelmente, de ligações diretas do goleiro Muslera para a correria dos avantes. Sempre que há necessidade de resolver um enrosco na meia cancha, os meias dão caneladas e são facilmente anulados.
Pois, apesar dessas terríveis fragilidades, amplificadas quando ocorrem numa Copa do Mundo, o Uruguai não arrefeceu o ânimo de cumprir um traçado redentor na África do Sul. Passou com alguma tranquilidade pela primeira fase do torneio e chegou às oitavas. Superou então os sul-coreanos e marchou para a batalha das quartas, contra Gana. Venceu, com pinceladas de dramaticidade e heroísmo. Surpresa no país da Copa. Enquanto os gigantes Brasil e Argentina enrolavam a bandeira mais cedo, Forlán e seus companheiros avançavam. Os eternos favoritos saíam de cena, abrindo espaço para o penetra da festa.
O confronto de ontem contra a Holanda era uma batalha quase perdida. De um lado, a técnica e o apuro ofensivo. Do outro, a defesa firme e a velha fibra. Os estetas acreditavam desde sempre na Holanda, que não perde desde 2008, que tem craques à disposição e que não tem medo de cara feia. Ainda assim, o Uruguai se portou com valentia e destemor. Foi melhor no primeiro tempo. Sofreu o primeiro gol, mas igualou logo a seguir. Deu o azar no chute que Van Bronckhorst salvou em cima da linha logo no reinício do segundo tempo. E mais ainda quando Sneijder achou o desempate, num chute rasteiro de fora da área. Piorou tudo, em seguida, no cabeceio certeiro de Robben.
Com 3 a 1 no placar, imaginei que os vizinhos de continente iriam jogar a toalha, como o Brasil de Felipe Melo há menos de uma semana. Ledo engano. Nos últimos minutos, o sangue e o orgulho falaram mais alto. E aí se desenrolaram alguns minutos memoráveis desta Copa. Mesmo diante da derrota iminente, um Uruguai lutador, incansável, jamais aceitando se dobrar ao inimigo. Veio um pequeno prêmio, nos acréscimos, com o gol de Maxi Pereira. Nos três minutos que restavam, os bravos se agarraram ao último fio de esperança e foram à frente em busca do milagre, que não veio. Mas um outro já estava sacramentado: a volta triunfal à elite do futebol, que quase ninguém julgava ser mais possível.
Show de elegância na leitura do jogo
Tão firme quanto seu time foi a postura equilibrada e orgulhosa de Oscar Tabárez depois da batalha. Na entrevista coletiva, onde normalmente os pobres de espírito destilam seus ressentimentos, o comandante foi preciso. Com a elegância dos grandes desportistas, Tabárez disse que sentia muito orgulho do que seus jogadores fizeram até aqui. Passou por cima, elegantemente, do clamoroso impedimento no lance do segundo gol holandês. Nem reclamou do penal cometido no fim do primeiro tempo sobre Pereira. “Se fosse para escolher uma maneira de perder, seria essa”, resumiu, demonstrando plena consciência do valor da empreitada. Foi, de longe, a frase mais edificante desta Copa, uma perfeita tradução do verdadeiro sentido de uma derrota.
Corrida pela Seleção ainda indefinida
O burburinho em torno da escolha do novo treinador da Seleção produz situações curiosas. Quase todos os nomes citados fazem um esforço danado para esconder que estão em campanha pelo cargo. Leonardo, até o momento, foi o único assumir abertamente o interesse. Aqui em Johanesburgo, onde acontece hoje a grande festa da CBF para dar o pontapé inicial para 2014, há quem garanta que o ex-técnico do Milan só será o eleito se aceitar ser uma espécie de esquenta-banco para Felipão. Enquanto isso, um outro nome corre por fora e começa a ser mencionado em todas as especulações: Ricardo Gomes, que já dirigiu uma seleção olímpica e tem boa experiência internacional, embora sem as credenciais do campeão mundial de 2002.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 7)
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