Com Júlio Batista, o Brasil fica menor
O risco da perda de respeito dos adversários talvez seja o maior prejuízo do Brasil depois da pífia atuação diante de Portugal. O jogo não valia quase nada, apenas a definição da primeira posição no grupo, mas era importante como fator de afirmação na Copa do Mundo. Este é um torneio que mede capacidades e méritos, mas tem um forte componente emocional, que muitas vezes influi no comportamento dos times. O futebol é rico em situações nas quais um oponente mais fraco ganha força extra ao perceber que um dos favoritos não está com essa bola toda.
Ficar no 0 a 0 com Portugal não desonra, nem diminui ninguém. A rigor, é resultado normal entre duas equipes fortes e que dispõem de bons valores.
A decepção fica por conta da ausência de organização vísivel e total indigência técnica. Sobrou correria, mas faltou talento. Quando a troca de ataques ficou mais intensa, o jogo se tornou ainda mais pobre em beleza plástica. Os jogadores se entregavam à disputa como legionários romanos, mas não avançavam além do burocrático.
Nenhuma iniciativa que surpreendesse o adversário, nem mesmo um disparo de longa distância para testar a perícia dos goleiros. Um outro aspecto desmascarado ontem foi a tal insistência de Dunga com os treinos secretos, como forma de preservar suas táticas especiais. Pelo que se viu no belíssimo Moses Mabhida, o Brasil deve treinar muito pouco ou então treina errado. Portugal entrou em campo com nítida cautela, respeitando em demasia o histórico da Seleção. Usava duas linhas de Com o passar do tempo, como normalmente tem ocorrido em jogos da Seleção, a equipe de Carlos Queiroz foi se animando em campo à medida que percebia as dificuldades brasileiras. Passou a tentar jogadinhas de afunilamento para Cristiano Ronaldo e Tiago, principalmente. E cresceu no jogo.
O Brasil se comportava como aqueles times formados às pressas, com jogadores que mal se conhecem. Nilmar ia para um lado, Luís Fabiano para outro. Michel Bastos nem entrou em campo. Maicon era o mais assíduo atacante, buscando a linha de fundo, mas sem bons resultados nos cruzamentos. Quando acertou o primeiro, Nilmar perdeu gol ao errar o toque final. Minutos depois, encaixou outro chuveirinho e aí foi a vez de Luís Fabiano cabecear sem direção. Mas a tragédia se desenrolava no meio-de-campo, onde Júlio Batista tentava exercer a função que cabe a Kaká, a de criador de jogadas e condutor da ligação com o ataque.
O que 62 mil torcedores entusiasmados assistiram foi um espetáculo patético e indigno das tradições nacionais. Qualquer timeco de quinta categoria põe a camisa 10 e as funções de armar jogadas nos pés de quem tem habilidade. Batista não tem nem indícios de técnica para jogar ali. É desajeitado, mata bola de canela, não consegue driblar. Suas raras virtudes podem ser melhor aproveitadas em outros setores – talvez como beque ou atacante trombador, que é seu papel no Roma. Nunca no coração da equipe. E a culpa não pode ser atribuída ao jogador, cujas características são amplamente conhecidas.
Ao lado do campo, Dunga esbravejava, xingava a própria sombra, enquanto o Brasil se esmerava em entregar bolas e errar passes. Fiquei imaginando que o irascível treinador estava a se autoflagelar, pois as escolhas são exclusivamente dele. Todos os jogadores que estão aqui na África do Sul foram eleitos por Dunga como os melhores, tendo como principal critério o fato de terem trabalhado com ele desde o final de 2006. A tal coerência, tantas vezes invocada pelo técnico.
Desgraçadamente para a Seleção, o conceito nem sempre vale, ainda mais em Copa do Mundo. Para disputar (e ganhar, se possível) a competição, é necessário ter os melhores jogadores, que nem sempre são os mais leais e bonzinhos. Ficaram fora da lista peças que poderiam ajudar Dunga a sair de
enroscos sérios, como o de ontem, quando poderia ter perdido o jogo por falta de alguém que soubesse o que fazer com a bola. A função de maestro de um time deve pertencer a um craque. Na ausência deste, deve haver outro craque. A tristeza é que outras seleções não têm como repor peças, por absoluta carência natural. O Brasil tem jogadores em abundância, mas o selecionador preferiu trazer os de sua preferência. Desconfio que escolheu errado.
Lúcio, o melhor em campo
O zagueiro não ganhou o prêmio de melhor jogador da horrorosa partida entre Brasil e Portugal. Os analistas da Fifa preferiram Cristiano Ronaldo. Se o critério foi a busca incessante do gol, a escolha é justa. Mas, como marcador implacável do português, Lúcio merecia ser destacado. Jogou muito, assim como Juan. Resolveu situações difíceis para a defesa brasileira. No segundo tempo, exasperado com a anemia criativa do time, chegou a ensaiar arrancadas com a bola para servir aos atacantes. Quase conseguiu armar duas boas jogadas, mas falta-lhe jeito. Na sua função, lá atrás, foi praticamente perfeito.
Caso de propaganda enganosa
As torcidas fizeram o grande espetáculo da tarde de ontem no estádio Moses Mabhida. Mais de 62 mil torcedores promoveram uma festa divertida e colorida, animada em todos os instantes. Estranhamente, a empolgação só murchou quando a bola começou a rolar. Quem pagou até 300 dólares por um lugar nas arquibancadas deve ter se sentido lesado. A Copa gerou ontem um caso típico de propaganda enganosa. Todos acreditavam que veriam um grande clássico, mas tiveram que se contentar com uma pelada bem fajuta.
(Coluna publicada no caderno Bola/DIÁRIO, edição de sábado, 26)
