Tarde tranquila de terça-feira, famílias dirigindo-se ao Baenão para apreciar o clássico Re-Pa da garotada sub-20. Eis que, de repente, irrompe a pancadaria, com dois ou três focos simultâneos em torno do estádio, numa estratégia dos baderneiros para confundir a ação da polícia. Pânico, correria, balas de borracha, tiros de verdade, gente ferida nas calçadas. Era o primeiro tempo da baderna. O pior ainda estava por vir.
A bola rola e estouram novas agressões entre as gangues rivais, indiferentes à força policial presente. Os brigões lá da rua conseguem, não se sabe como, entrar no estádio para prosseguir com o show de truculência e aterrorizar os verdadeiros torcedores. Aos gritos, mulheres e crianças correm sem rumo para tentar se proteger da violência gratuita, banalizada.
Não há nada que justifique tanta selvageria. Apesar da histórica rivalidade em campo, o confronto não decide nada. O clima que antecedeu a partida não revelava qualquer animosidade entre as equipes. A própria polícia parecia surpresa com o súbito embate entre os hoolligans ao tucupi.
Os parágrafos acima reproduzem quase fielmente o relato de um pai de jovem atleta do Paissandu, que foi ao Baenão ver o filho jogar. Aflito com a refrega, principalmente depois de ouvir disparos na área externa, mal conseguiu acompanhar os lances que se desenrolavam no gramado.
Platitudes sociológicas à parte, vejo na sobrevivência das “organizadas” uma ameaça concreta e imediata ao futebol como espetáculo popular. As gangues, que debocham das leis e desrespeitam ordens judiciais, caminham para extinguir um dos poucos programas permitidos às camadas mais humildes da população.
Conseguiram acabar com as ruas de lazer (lembram delas?), com os terreiros juninos, as festas suburbanas. Nessa toada, rigorosamente nada impede que tenham êxito nessa cruzada contra o futebol e seus adeptos.
Armados, dispostos a ferir e a matar, os integrantes dessas hordas não encontram resistência. Diante do torcedor pacífico e indefeso, aumentam a dose de covardia sanguinária. Sentem-se mais fortes, inatingíveis.
Há muito deixaram de fingir paixão por seus times. Não cantam os hinos, nem usam as camisas oficiais, desconhecem as escalações. Preferem canções de guerra, envergam símbolos de morte e destruição. Ingênuos são os que se referem a essas quadrilhas como torcidas. De torcedores, eles nada têm. São malfeitores, a serviço de nenhuma causa ou bandeira.
Ah, depois de algumas horas de agonia e suspense, o placar da contenda apontava: Remo 3, Paissandu 2. Mentira. O Remo não venceu. O Paissandu não perdeu. Ambos foram derrotados. A vitória foi dos insanos.
Como todo mundo, torci para a Argentina se estrepar. Não deu. O consolo é que estão mantidas as expectativas quanto à mãe de todas as batalhas – uma inédita final de Copa do Mundo entre os gigantes do continente.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quinta-feira, 15)