POR GERSON NOGUEIRA
Nunca dei a importância devida à conquista do tetracampeonato. Curti mais a Copa do Mundo de 1970, menino, quando ainda vivia em Baião. As lembranças do período falam alto ao coração, por motivos óbvios – camaradagens, presença de meus irmãos e amigos, o inconfundível cheiro de jasmim nas ruas –, mas é inegável que o tetra (24 anos depois do tri) foi uma festa de maior amplitude. Transmissão em cores já era normal, jogos exibidos ao vivo também, Galvão Bueno idem.

Acompanhei ontem a reprise daquela decisão. E pensar que abri mão de cobrir a Copa norte-americana em função de tarefas no jornal. Em meu lugar, foi o amigo Sérgio Duarte (que dirigia a 99 FM e tinha inglês fluente), juntamente com a equipe de Guilherme Guerreiro. Lamento até hoje ter desistido. Calejado pela frustração de 94, fiz questão de ir às Copas de 2002, 2006 e 2014.
Todos que amaram ver a Seleção de Telê em 1982, sem o prazer de festejar o título, não encontravam motivos relevantes para se apegar ao time que Parreira montou com alguns remanescentes da má jornada de 1990 na Itália. Dunga era a lembrança mais forte (e negativa), mas Taffarel também veio da experiência anterior.
Ironicamente, ambos foram importantíssimos em 1994. Lembra até o ocorrido com Gerson em 1966, quando o meia saiu como covarde e acabou se erguendo em 1970 como um dos pilares do tricampeonato.
De nome estigmatizado (a campanha na Itália virou “era Dunga”), o volante carniceiro se reinventou nos EUA. Foi o melhor passador, fez lançamentos preciosos e atuou como verdadeiro líder dentro e fora de campo.

Na finalíssima, diante da Itália, que havia sido a pedra no sapato em 1982, a Seleção mostrou na plenitude o que tinha de mais singular: a capacidade de jogar coletivamente, aproveitando ao máximo as principais individualidades – Romário e Bebeto.
Passados 26 anos, é justo reconhecer a qualidade do time, embora seu ponto de referência estivesse na força de marcação e na segurança da última linha, com o gigante Aldair à frente. Cafu e Branco honravam com eficiência a tradição brasileira de grandes apoiadores laterais.
Zinho, outro que saiu marcado de 1994 como enceradeira, cumpria um papel decisivo na transição de um time que não tinha meia-armador de ofício. Aliás, talvez por isso mesmo, aquela seleção até hoje receba tantas críticas. A estrutura e a maneira de jogar subvertiam a lógica dos esquadrões nacionais campeões do mundo.
Romário, senhor absoluto da grande área, conduziu o Brasil à final e acabou pagando um preço alto por isso. Os italianos cercaram-no com até três marcadores. Teve uma grande oportunidade, aos 4 minutos do tempo final da prorrogação, mas a bola saiu caprichosamente à direita do gol de Pagliuca quase triscando no poste.
Em grande forma, Bebeto se movimentava o tempo todo, trocando de direção com a bola nos pés, um estilista leve e ágil. Recebia às vezes a ajuda de Mazinho, o mais avançado volante da equipe.
Antes que a memória me traia, quero destacar a excepcional figura de Aldair, seguramente o melhor zagueiro daquele mundial. Diante da Itália teve uma atuação soberba, minimalista, sem nenhum excesso. Com excepcional poder de antecipação, era um beque que dominava a bola como só ilustres camisas 10 sabem fazer.
A três minutos do fim da prorrogação, ele dominou com destreza e arte uma bola alta vinda da defensiva italiana, apesar do cansaço de quase 120 minutos de embate. Aldair foi um legítimo sucessor de Domingos da Guia e Mauro Ramos, embora sem o devido reconhecimento. Foi craque, o que não é coisa muito comum de se dizer sobre defensores.
Nem lembrava mais como tinham sido difícil e torturante a sequência de penais. Baresi e Márcio Santos perderam os primeiros. Albertini e Romário marcaram. Evani fez 2 a 1 para a Itália. Branco foi lá e empatou. Massaro bateu o 4º da Azzurra e Taffarel fez pegada maravilhosa. Dunga marcou 3 a 2 para o Brasil. Faltava uma cobrança para cada lado. Baggio mandou nas nuvens e tudo virou festa.
“É tetra! É tetra! É tetra!”. Um bordão histórico que virou meme definitivo nos gritos emocionados de Galvão Bueno, quase um 12º campeão mundial pela participação como animador da massa.
No blog, lembrança de Chico e da sovinice da CBF
O amigo Jaime, confinado em Atlanta (EUA), observa que Caxiado que sempre nos aperreios e sarros chamava ‘dr. Chico Melo’ para socorrer, numa sempre e respeitosa brincadeira. “Deus tenha misericórdia de sua alma”, diz, em memória de Francisco, que nos deixou há sete dias.
“Quando vejo a CBF com seus jogadores milionários, anunciarem, depois de três meses de pandemia no Brasil, que arrecadou R$ 5 milhões entre 10 jogadores da seleção, fica a impressão de que estão dando esmola. Parece que a indiferença com o sofrimento alheio são apenas esmolas, mesmo que ajudem 32 mil famílias como dizem. E vendo que só o Neymar arrecada mais de R$ 300 milhões. Comparando com os outros astros do futebol europeu, só o Cristiano Ronaldo já doou mais de 2 milhões de euros. Falta de humanidade e consciência em relação aos europeus”.
Rádio Clube promove uma feliz viagem ao passado
No rádio, a grande atração para a torcida paraense é a série Jogos Memoráveis, da Rádio Clube, consolidada ao resgatar um punhado de páginas legendárias do nosso futebol. Ontem, outro show. Grandes narrações de Ronaldo Porto e Guerreiro reconstituindo Vasco x Remo e o Re-Pa 690. Destaque para a vibrante voz do “pequenininho” Geo Araújo na partida que deu ao Papão a Copa dos Campeões. Depoimentos marcantes do goleiro Marcão (PSC) e do meia Alex Oliveira (Remo). Programa se torna imperdível para quem ama futebol e sofre com esse jejum forçado.
(Coluna publicada na edição do Bola desta segunda-feira, 27)