Nunca a era hippie foi tão bem dissecada pelo cinema quanto no musical “Hair”, dirigido por Milos Forman, em 1979. O filme conta a história de um jovem de Oklahoma recrutado para lutar na guerra do Vietnã. No caminho, ele conhece um grupo de hippies em Nova York e é apresentado a conceitos inteiramente novos sobre comportamento, amor e sociedade. Belíssimas canções pontuam a obra.
Dia: 11 de fevereiro, 2017
A dor alheia
POR ORLANDO BRITO (*)
Nos últimos anos, a taxa de moralidade infantil no Brasil caiu em torno de 47 por cento, segundo dados do Censo do IBGE. Até o ano de 2000, em cada mil crianças nascidas vivas, pelo menos uma morria antes de completar 12 meses de idade.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o fotógrafo sul-africano Kevin Carter, após ser premiado com o Prêmio Pulitzer de Fotografia de 1993. Sua imagem é terrível: mostra uma criança pobre no Sudão, vítima da guerra, rastejando em busca de alguma comida. Logo atrás, um abutre à espreita, como se para a ave de rapina também a menina fosse um alimento. A foto suscitou à época uma discussão ética. Carter fez o clic, enxotou o abutre e partiu em busca de novas imagens. Ninguém sabe o que aconteceu à menininha faminta. Mas Kevin não resistiu ao efeito psicológico por ter visto de perto e transformar em foto a dor dos outros: suicidou-se no ano seguinte.
Certa vez eu viajava pelo interior do Ceará com o amigo Evandro Teixeira porque fazemos há anos um trabalho sobre o Nordeste brasileiro. Numa manhã, paramos o automóvel para fazer essa foto aí, que é bem uma mostra do tema “diante da dor dos outros”: o pai, seguido pela mulher e dois filhos, leva nos braços para o cemitério o caixão do caçula morto. Triste, muito triste. Nem Evandro nem eu tivemos espírito para enxergar temas amenos. A dor daquela família que fotografamos nos atingiu em cheio.
Susan Sontag, enfim, tinha toda razão. Quantas vezes eu mesmo tive de demonstrar frieza para, cara-a-cara com a desgraça, ficar indiferente a ela. Indiferença não, aparente distância. Mas, em minha profissão, com a câmara pendurada no pescoço, não há como deixar de registrar uma realidade nada agradável. (Transcrito de Os Divergentes)
(*) Fotojornalista