Cunha: fenômeno de sobrevivência política ou talento para exercer o poder da chantagem?

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Réu num processo por corrupção e lavagem de dinheiro, alvo de seis inquéritos e de um pedido de afastamento protocolado pela Procuradoria-Geral da República, além de um processo por quebra de decoro no conselho de ética, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem demonstrando uma espantosa capacidade para se manter agarrado ao cargo – graças a uma mistura de manobras regimentais, solidariedade de aliados e indecisão do Judiciário.

Esse caldo é perceptível particularmente no processo por quebra de decoro que se arrasta no conselho de ética da Câmara. A ação já atingiu uma marca histórica: é a mais demorada desde a criação do colegiado, em 2001, tendo superado 170 dias corridos sem que seja possível prever a data do seu desfecho.

Ajuda de aliados

Há meses as atividades do conselho vêm sendo marcadas por episódios que beneficiam o deputado. Aliados de Cunha no colegiado tumultuaram seguidamente as sessões e apresentaram mais de 30 questões de ordem para retardar o andamento do processo.

Houve até mesmo a suspeita de que um dos membros teve a assinatura falsificada para beneficiar o presidente (o deputado em questão negou a fraude e disse que estava bêbado quando assinou). Entre outros episódios, o primeiro relator foi destituído em dezembro por aliados de Cunha e um novo parecer foi anulado em fevereiro por meio de um recurso.

Cunha não conta só com os aliados dentro do conselho para atrasar o andamento. Muitas das decisões do colegiado sofrem interferência da mesa diretora da Câmara, controlada pelo próprio deputado. O presidente do conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), por exemplo, não tem obtido resposta da mesa aos seus pedidos por verbas para custear viagens e ouvir testemunhas.

Mas recentemente, a sensação de que o processo contra o deputado caminha para um desfecho de impunidade (ou pizza, no linguajar coloquial) foi reforçada por uma decisão do vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA). Na semana passada, ele determinou que o conselho deve se limitar a investigar a acusação de que o deputado mentiu à CPI da Petrobras quando declarou não possuir contas na Suíça.

Com isso, devem ficar de fora as acusações envolvendo recebimento de propina e uso do cargo em benefício próprio. Cunha também conta com uma série de aliados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que tem o poder de julgar os recursos apresentados pelo deputado. Um deles, que pede a anulação de todo o trabalho já efetuado pelo conselho até agora, deve ser analisado em maio.

Vai ter punição?

Mesmo que os trabalhos do conselho de ética avancem, não há garantia de que o mandato do deputado esteja realmente ameaçado. Mudanças recentes na composição de 21 membros do conselho resultaram na saída de um deputado hostil a Cunha e no ingresso de uma parlamentar que já declarou “admirar” o presidente da Câmara.

Com a nova composição, existe uma tendência de que o placar de 11 a 10 pela continuidade do processo venha a ser alterado a favor de Cunha. Ainda que uma maioria contra o deputado seja formada, também não é certo que o conselho recomende a cassação do mandato. Ao limitar as investigações, surge a possibilidade da aplicação de uma punição mais leve, como uma suspensão ou uma mera censura.

“Cunha escancara as deficiências do sistema brasileiro e a promiscuidade do financiamento eleitoral. Ao usar sua influência com empresários para garantir doações a dezenas de outros deputados, ele montou uma rede formidável de aliados – e eles têm demonstrado sua lealdade”, afirma o analista francês Gaspard Estrada, da Sciences Po. “É muito difícil que ele seja derrotado na Câmara.”

STF como último recurso

Membros do conselho contrários a Cunha já declararam que, diante da forma como o processo (não) tem avançado, a única alternativa viável para que a Câmara consiga se livrar do deputado seria uma intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou um pedido de afastamento em dezembro, com base em acusações de que Cunha tem usado o cargo para intimidar testemunhas da Operação Lava Jato.

Só que quase cinco meses depois, o STF ainda não se manifestou. O relator da Lava Jato, o ministro Teori Zavascki, afirmou na semana passada que ainda está analisando o assunto.

“O STF é mesmo lento. Outros processo da Lava Jato tem avançado com vagarosidade. Mas também prevalece entre os ministros o entendimento de que Cunha já é alvo de um processo na Câmara e que essa questão pode ser resolvida internamente. Só que isso é um equívoco. Cunha tem efetivamente usado o cargo para garantir a sua impunidade”, afirma o professor de direito constitucional Oscar Vilhena Vieira, da Fundação Getúlio Vargas. “Não há nenhum boa razão jurídica para que o STF não se manifeste.”

O analista Estrada concorda. “O STF está se omitindo. E a imagem do Brasil está sendo prejudicada. O público externo se pergunta que seletividade é essa que faz com que o processo contra Dilma avance ao mesmo tempo em que uma figura como Cunha consegue se segurar no cargo”. (Do DCM)

Será que a Câmara examinou acusações contra Dilma?

POR WALTER MAIEROVITCH

O impeachment nasceu na Inglaterra no ano de 1376, cunhado pelo Parlamento e no reinado de Eduardo III. Surgiu como instrumento voltado a resolver o problema da incompetência administrativa dos servidores e para reprimir a corrupção dos ministros e da influente e rica Alice Perrers, amante do rei. Pela previsão da época, o impedimento poderia também ser aplicado aos juízes. Como instituto jurídico, o impeachment, no sentido de imputação, passou a integrar a Common Law.

No século XVIII, o impeachment ingressou nos Estados Unidos pela porta da Constituição da Filadélfia de 1787. No Brasil, temos, para oimpeachment, previsão constitucional, rito por lei de 1950 e pela jurisprudência apoiada na experiência, em 1992, do caso Collor de Mello.

À luz da nossa Constituição, são crimes de responsabilidade, ensejadores deimpeachment, os atos do presidente da República atentatórios à Constituição e, especialmente, os contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e dos demais poderes das unidades federativas. Também a Constituição lista e tipifica, de forma aberta e a exigir cotejo com as leis suplementares e ordinárias específicas, atos de improbidade administrativa, contra a segurança interna, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Nos crimes comuns da presidenta da República, por exemplo os previstos no Código Penal, a nossa Lei Maior estabelece como juiz natural o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, como condicionante, determina dever passar pelo crivo da Câmara dos Deputados a denúncia acusatória formulada pelo Ministério Público. O nihil obstat da Câmara dos Deputados é uma condição de procedibilidade, um sinal verde para se seguir a instrução e o julgamento de crimes comuns no STF.

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Para os crimes de responsabilidade, ao contrário, estabelece-se o Senado como juiz natural do presidente da República: um julgamento político pelo Senado, com anterior autorização da Câmara (condição de procedibilidade), em regular procedimento preparatório, preprocessual.

No domingo 17 de abril, e com relação ao procedimento (não há processo no momento) deimpeachment da presidenta Dilma, a Câmara Federal formada por 513 deputados autorizou, por 367 votos abertos, a remessa do procedimento pré-processual ao Senado. Sob o prisma legal, os deputados apreciaram e julgaram imputações dadas como típicos crimes de responsabilidade em face de “pedaladas” relativas a operações no Banco do Brasil em 2015, acerca da safra agrícola, e decretos de créditos suplementares no mesmo ano e emitidos sem aprovação do Congresso.  Num julgamento político, frise-se sem a motivação exigida para as decisões judiciais, os deputados votantes invocaram, até, a “paz em Jerusalém”. A pergunta que não quer calar: será que examinaram as duas acusações???

Mais uma vez na nossa história constitucional, e o mesmo acontece com o Júri Popular (este juiz natural e soberano para decisão de mérito nos comuns crimes  dolosos contra a vida), temos, por permissão da Constituição e em impeachment do presidente da República, decisões  imotivadas, políticas, na base do “sim” ou “não”. Um absurdo nesta quadra civilizatória.

O caso Dilma, também para julgamento político e soberano, ingressou na esfera de competência do Senado. Pelo rito deverá percorrer três fases distintas: denúncia, pronúncia e julgamento definitivo.

Da mesma maneira que ocorreu na Câmara, e vedadas chapas avulsas consoante decidiu o STF, será constituída uma Comissão Especial de 21 senadores, com poderes exclusivamente opinativos. Desses 21 membros sairá um presidente (PMDB) e um relator (PSDB). Se o Plenário do Senado, após parecer da Comissão, aprovado ou não pelos seus 21 integrantes, ratificar o decidido pela Câmara, ou seja, receber a denúncia que se encontra balizada, delimitada, terá início o processo legislativo de impeachment.

Como consequência, a presidente Dilma será afastada por até 180 dias, conforme expressa previsão constitucional: a decisão será por maioria simples (metade e mais 1 do total dos presentes à sessão: não os 81 senadores, mas os que comparecerem). Uma rejeição à denúncia levará à extinção do processo de impeachment e impossibilidade, pelos mesmos fatos, de instauração de um novo.

Recebida a denúncia e para as demais fases posteriores à instrução, teremos, na Comissão e no procedimento preparatório da pronúncia ou impronúncia, a presidência do ministro Ricardo Lewandowski. Nessa fase encaminha-se parecer da Comissão para votação pelo Plenário de pronúncia ou impronúncia, ou seja, decide-se sobre eventual existência de prova de materialidade e presença de indícios com suficiência de autoria. A pronúncia leva, com balizamento feito por peça chamada libelo crime acusatório, à decisão final, pelo Plenário do Senado. Para se ter o impeachment, será sempre necessária maioria qualificada: dois terços dos 81 senadores.

Quem viver verá.

Rock na madrugada – Bruce Springsteen & E. Street Band, Purple Rain

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