O perigo da extrema direita

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POR RENATO JANINE RIBEIRO (*)

Cresce a extrema direita no Brasil. Felizmente, tirando os deputados Feliciano e Bolsonaro, tem pouca presença institucional. Mas, de duas uma: ou criará um partido novo, ou continuará numa relação ambígua com o PSDB, que lhe dá votos mas perturba a identidade.

A extrema direita não elege quase ninguém aqui. Para cargos executivos, menos ainda. Mas se fortalece na expressão de suas ideias. É fraca em poder, mas avança no berro. Para usar a expressão de Gramsci, disputa a hegemonia. Degrada o debate no país.

Durante alguns anos, PSDB e PT, representando nossa centro-direita e centro-esquerda, viveram uma aproximação na prática – ainda que ela fosse negada no discurso de ambos. Mas nos últimos anos a retórica subiu em decibéis. Temos um paradoxo: candidato, Aécio Neves prometeu continuar a política social do PT; reeleita, Dilma Rousseff adotou medidas econômicas dos tucanos. Portanto, a realidade não os afasta tanto – mas, na aparência, eles parecem estar quase em guerra. O que vale, a realidade fria ou a aparência raivosa? As políticas econômicas e sociais, ou a retórica desenfreada? a razão ou a paixão? Porque guerras favorecem os extremos.

Extremistas têm muita voz mas poucos votos

Onde é mais fácil ver a extrema direita é na internet. Ela povoa os comentários das redes sociais e das edições online dos jornais. É incrível o ódio que destila. Há poucos dias, lendo as notícias sobre o fuzilamento de Marcos Archer na Indonésia, me surpreendeu a quantidade de comentários atacando o PT, que nada tinha a ver com o assunto. A maior parte era escrita por pessoas desinformadas da realidade e desacostumadas ao cultivo da língua. Mas são veementes. Felizmente, não vão muito além do Facebook e dos blogs.

Ou não iam. Saíram da internet e foram para as ruas nos últimos meses – numa paródia, em menor, das manifestações de 2013. Pediram que os militares rasgassem a Constituição e tomassem o poder. No diagnóstico, erram. Misturam em seu ódio homossexualidade, Hugo Chávez e programas sociais. Nas suas propostas, nem percebem que o mundo atual não está para golpes. O que fariam as Forças Armadas, se tomassem o poder? Meio século atrás, os golpistas tinham uma agenda inteira montada. Os militares não tinham afeição pela democracia. Os empresários receavam os movimentos sociais, que avançavam. A economia estava em grave crise. O governo norte-americano apoiava qualquer golpe de direita na América Latina. Hoje, nada disso existe. Os extremistas são, literalmente, reacionários. Querem que o mundo recue. Não têm projeto viável.

Esse público nas ruas e na Internet vai além de seus próprios pregadores na mídia. Alguns colunistas de jornal chegaram perto de declarar ilegítima a eleição de 2014, o que é uma afirmação bastante grave de se fazer numa democracia, mas não lembro nenhum que tenha pedido a derrubada do governo eleito. Entre os ideólogos e seus seguidores que foram às passeatas ou escrevem em blogs, há uma distância. Os primeiros são mais informados, mais inteligentes. Os segundos, não. Apenas radicalizam.

Mas um problema sério é que essa extrema direita, que tem votado no PSDB nos momentos decisivos, pressiona nosso partido que porta em seu nome a social-democracia – uma denominação típica da esquerda – a ir para a direita. E isso traz alguns resultados. Assim se entende o uso do aborto na campanha tucana em 2010 ou a ênfase de Alckmin numa política repressiva de segurança. Esse fato cria problemas de identidade no PSDB, reduzindo o peso do passado glorioso de Montoro, Covas, Ruth Cardoso. É óbvio que FHC não deve se sentir confortável com esse avanço dos extremismos.

Pode essa extrema direita, que é mais forte em São Paulo, mas cujo tamanho exato ninguém no Brasil é capaz de mensurar, alterar a natureza do PSDB? Não me parece provável. Ela deve manter seu papel de aliada subordinada. Presta o serviço de destruir imagens petistas e recebe alguma compensação midiática por isso. Mas é uma aliada incômoda. Não gosta dos direitos humanos, com os quais o PSDB histórico tem um forte compromisso. Não gosta dos programas sociais, dos quais os tucanos não querem ou não podem abrir mão.

Pior, a extrema direita carrega o risco de convencer demais. Ela ajuda o PSDB na medida em que reforça o antipetismo de parte razoável do eleitorado – mas, se crescer em votos, pode fazer os tucanos perderem os votos de seus eleitores iluministas e, pior, tornar-se dominante em algumas seções regionais do PSDB, o que poria o partido em sério risco.

Há outra possibilidade, para a qual me alertou o cientista político português Álvaro Vasconcelos, ora professor visitante no IRI da USP. Sem o PSDB, a extrema direita pode se tornar um partido próprio, e este pode ganhar força. É o que sucede na Europa. A Frente Nacional ameaça a política francesa há anos. Tem uma votação elevada, embora o sistema eleitoral francês traduza esses sufrágios em pouquíssimos cargos de efetiva significação.

Mas essa é uma possibilidade remota. Como a extrema direita brasileira, dado o seu exacerbado antipetismo, acaba apoiando o PSDB, ela não se organiza para tomar o poder. Prefere operar nas laterais. Sabe que – hoje – teria poucos votos, se disputasse as eleições para valer. Mas é preciso fazer constantemente o balanço do que é melhor para o país e para os tucanos – se é a extrema direita continuar subordinada, sem voz independente mas podendo minar um partido sério, com história e com futuro, ou se é ela adquirir voz e identidade próprias, com o risco de crescer mais. Porque o atual, talvez crescente, desencanto com os políticos favorece aventuras.

(*) Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na USP.

Um comentário em “O perigo da extrema direita

  1. A mídia, ainda a serviço da elite e sub-repticiamente, sugere que a democracia no Brasil fracassou. Estranhamente, o discurso parece ainda buscar legitimar um golpe contra a democracia. Cada dia mais a História, afastando-se no tempo e deixando a ditadura militar para trás e distanciando-se também da sua influência, evidencia que os militares não foram os titulares do poder, antes, apenas representaram aqueles que o detinham, a elite econômica, as velhas oligarquias históricas de sempre, sempre mais interessadas nos próprios lucros e menos no desenvolvimento do país, associadas ao capital estrangeiro, o que também não é nenhuma novidade. O discurso requentado da ameaça comunista soa como piada atualmente, uma vez que a política liberal de crescimento reduziu o estado e, desse modo, reduziu, consequentemente, sua capacidade de promover justiça social, de equilibrar as coisas entre ricos e pobres. Discursos de direita no Brasil sempre cheirarão a golpe. Talvez tenha sido um ato desesperado, mas a estratégia de associar os tempos de relativa tranquilidade dos anos 70 e 80 como resultado de liderança de pulso firme, tentando comprovar que manda quem pode e obedece quem tem juízo, errou a mão na dose autoritária e reacionária. Certamente, o povo não quer de volta a submissão da senzala que, liminarmente, estava embutida no discurso da direita copiado da ARENA. Daí, entendo, vem a força e a fraqueza da extrema direita brasileira, resumida na figura da patroa socialite que abusa da empregada, na fisionomia do patrão bom que não existe na prática.

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