Por Gerson Nogueira
Como muita gente da minha geração, costumo sentir saudade das coisas legais que marcaram a minha infância e adolescência. Beatles, Stones, Hendrix, Dylan, Led. Hemingway, Konrad, Chandler, Machado, Lobato. Tenho o consolo de poder ir atrás de todos esses gênios a qualquer momento, com seus discos e livros ao alcance da mão.
Mas quando a saudade é do bom futebol aí a porca torce o rabo. Refiro-me a futebol bem jogado, bola no chão, rolando rente a grama. Futebol de dribles em velocidade e lançamentos primorosos, não de faltas e esbarrões. Futebol de mais passes e menos chutão. Diferenças importantes que demarcam os limites entre arte e pragmatismo.
Sim, existem filmes para rever e o YouTube ajuda bastante a amenizar a carência dos grandes lances que fizeram a história e a glória do Brasil pelos campos do mundo. Ocorre que, ao contrário da música e dos livros, não é possível mais ver os lances se reproduzindo à nossa frente nos embates de hoje. E aí tudo se complica. O que se pratica com a camisa da Seleção Brasileira é algo muito distante do que já foi um dia.
Tudo isso me veio à mente ao assistir o amistoso Brasil e Japão. Já tinha sido assim na vitória sobre a Argentina, sábado. E olha que eram eles, os nossos velhos rivais. Já ontem, ao contrário de outras vezes, a Seleção mostrou-se até resoluta ofensivamente, saindo rápido da defesa e praticando o tal futebol moderno e pragmático.
Acontece que jogávamos com o Japão e isto basta para explicar a imensa facilidade que os comandados de Dunga tiveram no jogo. Não diminui, obviamente, o prazer de ver o show particular de Neymar. Aceso, inspirado e abusado, o jovem atacante do Barcelona é aquela última faísca que nos resta. É como se a velha chama ainda insistisse em sobreviver.
Pena que seja só Neymar a praticar as diabruras com a bola que no passado dezenas de craques de uma mesma geração eram capazes de fazer. No momento já nos damos por satisfeitos por ver em ação pelo menos um sobrevivente do extermínio de craques levado a cabo no Brasil.
Nem se pode culpar Dulga ou, antes dele, Felipão. Na verdade, seja qual for o treinador a situação se manterá inalterada, pois o problema tem a ver não com um técnico específico, mas de todos os técnicos brasileiros. Toda crítica dirigida a Dunga deve ser democraticamente estendida a seus pares, responsáveis diretos (embora não exclusivos) pelo beco sem saída do futebol nacional.
Não estou aqui dando voltas para choramingar pela surra de 7 a 1 para os alemães. Não, aquilo já é história. Até mesmo a humilhação mundial pelo escore vexatório passou rápido neste mundo de notícias que chegam a cada fração de segundos. E o mundo não nos julgou pela derrota em casa na semifinal da Copa das Copas. O mundo nos julga há alguns anos pelo desperdício de talentos, pela falta de cuidados com a arte única que ornava o futebol daqui.
Toda a admiração e reverência de décadas dos estrangeiros pelo nosso futebol têm sido sistematicamente devastadas e esta realidade ficou mais transparente com a geração surgida depois da Copa 2002. A partir da aposentadoria dos derradeiros craques (Ronaldos, Rivaldo, Roberto Carlos), o Brasil se dedicou à mesmice e tornou seu jeito de jogar exatamente igual ao de todos os times do mundo.
As bases desse projeto tinham sido fincadas um pouco antes, lá em 1994, quando Dunga recitava um mantra: para ganhar títulos é preciso jogar feio. Os europeus nos iludem com essa história de futebol-arte e o Brasil vai ficando para trás, raciocinava o capitão do escrete dirigido por Parreira, que pensava exatamente como ele.
Pois agora, como comandante pela segunda vez do escrete, Dunga não pode ser tachado de único responsável pelo estado de coisas, mas é irônico e ao mesmo tempo justo que a ele tenha sido dado o papel de comandante num dos piores momentos do futebol no Brasil. Tudo a ver.
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Um mico internacional no currículo
O técnico da Seleção comportou-se de forma mais republicana à beira do gramado, ontem. Depois do show de agressividade gratuita na partida com os argentinos, quando chegou a relembrar o velho Dunga de outras ocasiões, o treinador parece ter assimilado algum puxão de orelha e mostrou-se um lorde contra os japoneses.
Os argentinos se notabilizaram ao longo dos anos pela marra e a capacidade de provocar. São insuperáveis nisso. Gerações inteiras de craques nacionais penaram nas mãos dos milongueiros hermanos, sempre hábeis na arte de tirar do sério qualquer adversário.
Dunga comportou-se no amistoso de sábado como se estivesse disputando um título mundial. Exagerou nas grosserias e pagou um tremendo mico internacional, revelando a incrível capacidade de pegar pilha.
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Vacilante, Cruzeiro põe o bi em risco
Um troço curioso ronda esse Campeonato Brasileiro. O Cruzeiro disparou na frente, cravando marcas inéditas em quantidade de vitórias e saldo de gols. A rigor, o título parece quase nas mãos da Raposa. Só parece, pois há pelo menos duas rodadas o time de Marcelo Oliveira cismou de tropeçar. Perdeu dois jogos seguidos, com direito a um revés acachapante no Maracanã diante do Flamengo.
O confronto colocou frente a frente um time rubro-negro veloz e empolgado contra uma esquadra cruzeirense meio cansada de guerra, detonando falta de entusiasmo. Pode não ser um retrato da realidade. É possível que o Cruzeiro esteja passando por um momento ruim na longa competição. Mas nunca seu bicampeonato esteve tão ameaçado. A sorte é que seus perseguidores mais diretos – Internacional e São Paulo – também vacilam muito.
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Decisão da Segundinha
Com Guilherme Guerreiro e toda a grande equipe da Rádio Clube do Pará, participo da cobertura da grande final do Campeonato Paraense da Segunda Divisão, hoje, às 15h30, no estádio Jornalista Edgar Proença. Tuna e Vênus de Abaetetuba são os finalistas desta fase do Parazão 2014.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 15)