
Por Gerson Nogueira
No cenário amplo e diversificado do rock, há bandas e bandas. No Lollapalooza, que rolou em São Paulo de sexta a domingo, foi possível acompanhar muitas das tendências que dominam (ou subvertem) o gênero. O Pearl Jam, uma fábrica de grandes canções ao longo de duas décadas, aproveitou a noite de clima agradável no Jóquei Clube para passar em revista o repertório consagrado na excursão comemorativa pelos 20 anos de banda, conseguindo fazer um show ainda superior à grande apresentação de novembro de 2011 no Rio de Janeiro.
É claro que, para fãs empedernidos, como eu, as virtudes normalmente são amplificadas e os defeitos raramente observados, mas o fato é que o PJ vem se especializando em valorizar essa instituição chamada “show de rock”. E não falo de megashows, sustentados por efeitos especiais hollywoodianos, capazes de confundir o espectador entre pirotecnia e música, quase sempre com desvantagem para esta última.
O PJ segue rota própria, desafiando a mania mundial de super palcos e cenários deslumbrantes. Com a banda de Seattle não funciona assim. É apenas a música que ganha evidência. Os cinco músicos entram em silêncio, pegam os instrumentos e, literalmente, o couro come. Observando a apresentação em São Paulo notei, com alegria, que a banda atingiu uma curva de amadurecimento que só fez bem ao tipo de som que desenvolve. Os longos solos de Mike McCready ficaram mais econômicos e ainda mais certeiros. Stone Gossard, o segundo guitarrista e fundador do grupo, mantém a linha sóbria, construindo as bases para as pancadas sonoras.

Matt Cameron, ex-batera do Soundgarden que definitivamente vestiu a camisa do PJ, está ainda mais seguro, caminhando a passos largos para vir a ser um dos maiores de sua geração. Sucessos que a multidão – cerca de 100 mil pessoas, maior público do festival – canta junto crescem muito a partir da pegada sempre limpo da banda. Jeremy, Alive, Daughter, If Not For You, Even Flow, Black, Reavermirrow, Release, Corduroy e Why Go. Covers habituais como Baba O’Riley (Who) e I Believe in Miracles (Ramones), que homenageiam duas das principais influências de Eddie Vedder e do PJ, também foram reproduzidos com a fibra habitual.
Um show impecável. Apesar de reduzido do tamanho normal de quase três horas para 2h15 a fim de se adequar à formatação do festival, deu para matar a saudade dos fãs e saciar a curiosidade da garotada que nasceu quando a banda já ralava na estrada. Valoriza tremendamente a mística em torno do PJ, um grupo assumidamente de esquerda, o engajamento político de Vedder. Ao contrário de Bono Vox, que faz do discurso um fim em si, o roqueiro de Seattle expõe posições, sem hesitações ou fraseados. Desta vez, aplaudiu a aprovação da lei que autoriza casamentos entre gays.
Antes, arranjou um tempinho para falar do privilégio de tocar no Brasil, cujas plateias são algumas das mais vibrantes do mundo, e saudou bandas que se apresentaram no Lollapalooza antes do PJ. Cake, Flaming Lipps, Killers, Queens of the Stone Age, Hives, Kaiser Chiefs e Black Keys foram citadas nominalmente. Mais cedo, ali pelas 16h, com sol a pino, Vedder aterrissou no show do Puscifer servindo vinho para os amigos de estrada. O show rolava meio chinfrim, mas a simples presença de um PJ no palco deu ânimo novo à banda e ao público.
Outras bandas valorizaram tremendamente o último dia de shows. Destaco Kaiser Chiefs, numa apresentação eletrizante de 60 minutos. The Hives não ficaram atrás, com barulho, sarro e ritmo, como manda a velha lei do rock. Havia o penúltimo show, do Planet Hemp, mas fiquei sem prestigiar a gangue de Marcelo D2 por incompatibilidade quanto ao som e preocupação em guardar um bom lugar para ver o Pearl Jam. Lamentável apenas que, por desacordos contratuais, o show não tenha sido transmitido por canal fechado. Todos mereciam ver o showzaço de Vedder & cia.