‘Calçada da má fama’ mostra como Bolsonaro tornou o Brasil um país pária

Bolsonaro come pizza na calçada em Nova York, com ministros: presidente não tem comprovante de vacinação exigido para frequentar restaurantes

Duas cenas mostram como o governo Bolsonaro conseguiu o que queria: tornar o Brasil um país pária. Ao chegar nos Estados Unidos para a Assembleia Geral da ONU, o presidente entrou pela entrada lateral do hotel para não esbarrar com um grupo pequeno que fazia manifestação contra ele. E depois veio a foto de uma cena na “calçada da má fama”: parte comitiva brasileira comendo uma pizza na calçada para driblar e não querer entregar o comprovante de vacinação para entrar no restaurante, regra sanitária de Nova York. O presidente disse que ainda não se vacinou contra a Covid. É tão deprimente que isto seja feito por este motivo. 

As cenas mostram como o Brasil foi se tornando periférico e fora das grandes discussões. Pela tradição, o país é o primeiro a discursar na abertura da Assembleia da ONU e sempre foi um momento importante para a diplomacia brasileira ao utilizar para mostrar a sua ligação com o mundo, com as grandes questões. Neste governo, todos os discursos foram raivosos contra a ONU, a cooperação internacional e o meio ambiente. Na época, as falas tinham a assinatura de Ernesto Araújo e Ricardo Salles, que comandavam os ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, respectivamente. 

Os substitutos, Carlos Alberto França e Joaquim Leite, estão tendo um comportamento neutro, de não falar muito nem criar atrito, mas também sem nenhum movimento para recuperar o terreno perdido nem estão mudando a postura do governo brasileiro nestas questões importantes. O mérito dos dois é não ser seus antecessores. 

Se tudo der certo, vai ser um discurso “arroz com feijão”, como defende França, sem criar o conflito e falando o mínimo possível, administrando o estrago causado pela política externa de Jair Bolsonaro.

Chama atenção na comitiva a presença do presidente da Caixa, Pedro Guimarães. Ele não deveria estar lá, não há nenhuma razão, é  uma presença dispensável. Está usando o banco público para promover sua carreira política. A Caixa Econômica merece respeito. (Por Miriam Leitão)

Bastidores do rock

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Keith Richards aquecendo nos camarins do Madison Square Garde, em Nova York, idos de 1972.

Foto: Joseph Sia

A direita abriu o jogo: o queremismo está na mesa

Por Luiz Eduardo Soares

Confesso, com o estômago embrulhado, que nunca me senti tão mal reconhecendo erros meus quanto, agora, ao reconhecer meu acerto. No dia 20 de maio, em artigo publicado pelo GGN, comentei a subestimação midiática dos atos contra o governo, ocorridos na véspera: “Enquanto o povo vai às ruas, as elites se recolhem, planejando seus lances, e começam, tudo indica, a examinar a hipótese QUEREMISTA: Pós-Bolsonaro com Bolsonaro. Não duvidem, meus amigos, minhas amigas: o ardor moralista desses vetustos patriotas é tão volúvel quanto são elásticos seus elevadíssimos valores.”

Neste domingo, dia 19 de setembro, o editorial de O Globo não deixa mais dúvidas de que a maior rede de comunicação do país está de braços abertos, pronta para acolher a candidatura Bolsonaro, disposta a apoiar um segundo mandato, se ele prometer ser um bom menino, daqui em diante: “Faria bem Bolsonaro se decidisse, inspirado na carta escrita com o ex-presidente Michel Temer, dar meia-volta também nos temas ligados ao meio ambiente e direitos humanos. Se conseguir mostrar ao mundo seu lado “Jair Peace and Love”, talvez começasse a reverter os danos que seu governo causou ao país na cena internacional. É improvável que convencesse a todos, mas seria, pelo menos, um começo.” (O Globo, editorial).
Está ficando claro pela sequência de pesquisas que uma candidatura viável não se inventa e que a única opção minimamente competitiva à direita contra Lula será mesmo o garimpeiro genocida do Planalto. No jantar em São Paulo, homenageando a intervenção de Temer que devolveu o impeachment à estaca zero, os digníssimos comensais confundiram terceira via com terceira idade. A ceia dos barões cavilosos que riem está condenada a varar noites e dias. Sem sabê-lo, protagonizaram o ágape em looping de Buñuel: O Anjo Exterminador. Se procuravam o tertius, beberão para sempre, o banquete não terá fim.
Compreendendo tudo isso e pragmáticos como são, porta-vozes da elite já ensaiam o desembarque do desembarque do bolsonarismo e começam a preparar o recuo do recuo, sugerindo que talvez o fascista não seja tão ruim assim, talvez os militares a seu lado só queiram o bem da pátria, talvez tudo não passe de um mal-entendido, nada que não possa ser esquecido e superado em nome do futuro do país. Nada que um brinde em torno da mesa de brancos bilionários não dilua, nada que um bom vinho não torne palatável. Esse movimento lança pontes sobre o abismo (a tal pinguela para o futuro) e acena para Bolsonaro, como que a sussurrar em seus ouvidos: respeite a austeridade fiscal, cultue o teto de gastos, mantenha a agenda neoliberal selvagem, preserve a lealdade subalterna ao imperialismo e venha conosco, que o sangue a gente limpa.

Consulte um coach de boas maneiras, passe a comer com garfo e faca, não limpe o nariz no guardanapo, que, do resto a gente cuida. Diga na ONU alguma coisa que justifique nossa mudança, para que a possamos atribuir à sua elogiável metamorfose, e nos permita levar adiante o projeto queremista. O próximo passo seria centrar fogo em Lula, mostrar que sua eventual eleição significaria um desastre econômico: o país cairia prostrado na estagflação, haveria desemprego e aumento da miséria. Já imaginaram um futuro assim ameaçador? Creiam: não há limites para o cinismo, quando se trata de manter privilégios de classe e a alma já foi negociada há décadas, na era em que as virtudes estavam em alta no mercado de pecados capitais.

A frase do dia

”O Brasil já engoliu Jair Bolsonaro por mais tempo que o estômago de uma nação consegue institucionalmente suportar. É hora de peidá-lo e expeli-lo pelos canais competentes.”

Ruy Castro, jornalista e escritor

Na raça e na superação

Paysandu está no quadrangular da Série C 2021 — Foto: John Wesley/Paysandu

POR GERSON NOGUEIRA

Não deu para ganhar na técnica, mas a raça salvou o PSC em Teresina. Em jogo dramático, o time de Roberto Fonseca se aplicou intensamente em todas as jogadas, mesmo nas mais bisonhas. Essa entrega garantiu o excelente resultado de 3 a 2 sobre o Altos, no sábado. A importância da vitória se confirmaria ontem com o empate entre Manaus e Ferroviário (1 a 1), que deu a classificação antecipada à próxima fase da Série C.

Com base na campanha, não se esperava uma apresentação exuberante do PSC. O que estava em pauta era uma resposta ao vexame da rodada anterior, quando a equipe foi goleada pelo Ferroviário.

A resposta veio, mas a etapa inicial foi preocupante. Desorganizado e inseguro, o time errou muito e conseguiu às duras penas igualar o marcador antes do intervalo. Robinho marcou logo aos 7 minutos. Ele tocou de cabeça encobrindo o goleiro Fábio e o zagueiro Mimica.

A abertura do placar deu a falsa impressão de que o jogo seria tranquilo. O Altos se movimentava com desenvoltura no ataque. Aos 12’, o bom Manoel recebeu na área, fintou Denilson e Marino e mandou na gaveta de Victor Souza. Um golaço. O jogo virou então um festival de erros, chutões e trombadas com a contribuição do gramado esburacado.

Aos 33’, veio a primeira virada. Em cobrança de falta de Netinho, um estabanado Leandro Silva desviou para as redes, fazendo 2 a 1 para o Altos. O lance teve origem numa arrancada de Manoel pela direita. Ele driblou Diego Matos e recebeu uma sarrafada junto à área.

Cinco minutos depois, Diego Matos se reabilitou cobrando falta da intermediária. O cruzamento em curva enganou a trôpega linha de zaga piauiense e Perema, como um centroavante-raiz, bateu para as redes.

O empate foi providencial, pois manteve o Papão vivo na partida. Logo no recomeço, aos 7 minutos, Leandro Silva se recuperou do gol contra mandando para as redes certas um rebote surgido na cobrança de escanteio por José Aldo, que havia substituído ao inoperante Ruy.

Conquistada a virada, o PSC teve que se desdobrar para suportar a pressão dos donos da casa. É verdade que a necessidade de atacar levou o Altos a abrir a guarda permitindo várias chances para contra-ataques, todos desperdiçados pelos atacantes bicolores.

Ofensivo no tempo inicial, o Altos se perdia no excesso de toques laterais e dribles desnecessários junto à grande área. Criou mais sensação de perigo do que ataques realmente agudos.

Com José Aldo articulando as jogadas, Laércio atacando pela direita e Tiago Santos no lugar de Grampola, o PSC teve duas grandes oportunidades. Na primeira, Diego Matos cobrou falta e a bola explodiu na trave. Depois, Tiago Santos entrou livre e errou o alvo.

O Altos ameaçou com um cabeceio de Mimica e um chute de Cesinha que bateu na trave. No fim das contas, mesmo aos trancos e barrancos, confuso como sempre, o PSC conquistou o resultado que precisava, e é isso que importa. (Foto: John Wesley/Ascom PSC)

Japiim sai de cena, apesar da melhor campanha

Melhor time da fase de classificação da Série D, o Castanhal sofreu um duro golpe ontem. O time foi eliminado pelo Moto Clube, por 2 a 1, após fraca atuação no estádio Modelão. No placar agregado, o rubro-negro maranhense marcou 3 a 1 – havia vencido o primeiro jogo por 2 a 0.

Esperava-se da equipe castanhalense um jogo de superação, capaz de garantir a reversão. Lutando por três gols de diferença para garantir a classificação, o Japiim começou timidamente e permitiu ao Moto pressionar desde os primeiros minutos.

Os gols saíram no 2º tempo. Vander marcou aos 4 minutos após boa trama do ataque motense. Depois, Samuel fez pênalti em Felipe Cruz. Ted Love cobrou, a bola foi na trave e Felipe Cruz aproveitou o rebote: 2 a 0.

Guilherme, escorando de cabeça um escanteio aos 22’, diminuiu para o Castanhal. Nos minutos finais, o time de Cacaio impôs uma pressão forte, mas não conseguiu acertar nas finalizações.

Os castanhalenses reclamaram de um pênalti em Leandro Cearense ainda no primeiro tempo. O atacante foi atingido na área, mas o árbitro Paulo Renato Moreira (RJ) ignorou a falta. Apesar da frustração, Cacaio foi elegante e reconheceu a superioridade do Moto no mata-mata.

Falsetas de um regulamento que não premia mérito e regularidade. Na fase de pontos corridos, o Castanhal foi absoluto, mantendo-se invicto por 14 rodadas. Quando a competição se tornou eliminatória, o time fracassou. 

Em tempo: foi notória a falta que Willian Fazendinha fez ao meio-campo – o armador trocou o Japiim pelo PSC.

Paragominas classifica com vitória longe de casa

Com valentia e frieza, o Paragominas defendeu a vantagem de 1 a 0 imposta no primeiro jogo e foi além: venceu o S. Raimundo-RR, ontem à noite, em Boa Vista, por 2 a 1. A equipe de Robson Melo é uma das surpresas da Série D, pois chegou a ficar ameaçada de passar à 2ª fase.

O jogo foi equilibrado no primeiro tempo. O S. Raimundo buscava mais o ataque, mas criava pouco. O gol se desenhou quando Juninho invadiu a área e chutou, mas Dida defendeu. Depois, Tavinho cabeceou para o gol vazio, mas Biro salvou em cima da linha.

Logo aos 22 segundos do 2º tempo, o S. Raimundo marcou. Tavinho roubou a bola na intermediária e tocou de cobertura na saída de Dida. Aos 5 minutos, Eric quase ampliou, mas o chute foi em cima do goleiro.

O Jacaré reagiu com um gol de Paulo Rangel, anulado por impedimento. O empate veio aos 19’. Dutra chutou no canto do gol de André Regly. O S. Raimundo seguiu insistindo, mas falhando nos arremates. A virada veio aos 40’. Michel cobrou falta no segundo pau e Douglas testou para as redes.

Méritos de Robson Melo, que conduziu o Paragominas à classificação após alguns resultados ruins e dificuldades na montagem da equipe. O técnico foi expulso no fim da partida, junto com o meia Fernando. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta segunda-feira, 20)

Bastidores do rock

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The Beatles no programa Ed Sullivan Show, em 1964.

Foto: Ken Regan

Leão apresenta zagueiro contratado junto ao Furacão

Zagueiro Edu é apresentado no Remo — Foto: Samara Miranda/Ascom Remo

O Remo fez a apresentação neste neste sábado, 18, de mais um reforço: o zagueiro Edu, emprestado pelo Athletico-PR. O jogador já estava em Belém há mais de três semanas e vem treinando com o restante do elenco que disputa a Série B do Brasileiro. Antes de ser contratado pelo Remo, atleta estava integrado ao time profissional do Furacão, mas não teve oportunidades. Por isso, optou por reforçar o Leão e ganhar visibilidade na Série B.

“Já escutei falar bem da torcida, da grandeza do Remo aqui no Norte. Estou aqui para contribuir e ajudar a manter o Remo na Série B”, afirmou Edu, 21 anos, ressaltando a força do Fenômeno Azul.

Edu chegou ao Leão juntamente com Raimar, também revelado na base do Athletico. Seu companheiro já vem sendo titular do Remo nos últimos dois jogos substituindo a Igor Fernandes na lateral esquerda e conquistando elogios nas atuações contra Vitória e Avaí.

“Estou trabalhando para que isso possa acontecer comigo também. No dia a dia, evoluindo com a ajuda do professor e dos companheiros. Se Deus quiser, isso vai acontecer”, finalizou o jogador.

Edu já vem treinando com o elenco do Remo há quase de três semanas — Foto: Samara Miranda/Ascom Remo

Empate do Manaus classifica Papão à próxima fase da Série C

O empate entre Manaus e Ferroviário, neste domingo à tarde, na capital amazonense, garantiu a classificação antecipada do PSC à segunda fase da Série C do Campeonato Brasileiro. A partida terminou 1 a 1, deixando o time paraense isolado na liderança do Grupo A, com 27 pontos.

No primeiro tempo, o Manaus abriu o placar com o meia Daniel Costa. Nos acréscimos, Gabriel Silva empatou para o Ferroviário. O resultado favorece as coisas para o Papão porque tem maior número de vitórias, primeiro critério de desempate, em relação ao Ferrão, que manteve chances matemáticas de classificar.

Dois jogos complementam a rodada: Tombense-MG x Santa Cruz-PE e Botafogo-PB x Jacuipense-BA. O Papão volta a campo para enfrentar o Manaus, na Curuzu, quando ficará definida a classificação final dos times no grupo.

Com melhor campanha da Série D, Castanhal perde para o Moto e está eliminado

Foi emocionante, como se previa. O Castanhal precisava de uma vitória por três gols de diferença, mas foi o Moto Club que saiu com a vitória. Fez 2 a 1 na tarde deste domingo, no estádio Maximino Porpino, e garantiu classificação às oitavas de final da Série D do Brasileiro. Os gols da partida foram marcados por Vander e Felipe Cruz para o Papão do Norte, enquanto que Guilherme descontou para o Japiim. Todos os gols saíram no segundo tempo.

No confronto de ida, no Maranhão, o time maranhense havia garantido a vantagem de 2 a 0. Com a melhor campanha na fase inicial da competição, o Castanhal entrou em campo neste domingo disposto a reverter o resultado, mas quem começou melhor foi o Moto. Logo no início, Abu fez uma jogada em velocidade pela esquerda, cruzou rasteiro à área e ninguém apareceu para finalizar.

Em seguida, o Castanhal pressionou a zaga motense e reclamoude uma penalidade em Leandro Cearense, mas o árbitro mandou o lance seguir. O Japiim abusava dos levantamentos à área, porém parava no bom posicionamento defensivo do adversário. Aos 38 minutos, nova investida do visitante: Ted Love deu passe açucarado a Vander, que disparou forte em direção ao gol, mas o goleiro Axel defendeu bem.

Nem bem começou a etapa final, o Moto chegou ao gol. Vander recebeu passe precioso e mandou para as redes, aos 2 minutos. A situação piorou de vez para o Japiim aos 10′. Samuel cometeu pênalti em Felipe Cruz. Ted Love cobrou na trave, mas na volta o próprio Cruz marcou o gol: 2 a 0.

A partir daí, o Moto procurou administrar a partida, satisfeito com o placar agregado de 4 a 0. No desespero, o Castanhal diminuiu aos 19′, em uma cobrança de escanteio que Guilherme finalizou de cabeça. Depois disso, o Japiim partiu para o abafa, mas esbarrava na afobação e na falta de qualidade para romper a barreira de marcação do Moto. Placar final: Moto 2 (2) x 1 Castanhal.

Sem bússola

Por Dorrit Harazim

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Estão fazendo tempestade em copo d’água, avaliou na sexta-feira o hemodinamicista Marcelo Queiroga, com a nonchalance recém-aprendida de simular segurança. Quarto titular da pasta da Saúde de Jair Bolsonaro, Queiroga é o mais recente equilibrista/prestidigitador com a saúde dos outros. Referia-se à grita nacional gerada pela abrupta suspensão de vacinas para adolescentes, anunciada 24 horas antes. A medida também abortava o próprio calendário oficial de imunizar jovens de 12 a 17 anos a partir da quinta-feira, empurrando os brasileiros para novo patamar de desinformação bolsonarista. Todos ao mar, sem bússola.

O jornalismo fez o que pôde para aquietar a população quanto à confiabilidade da vacina Pfizer — única autorizada para essa faixa etária — e convocou às pressas as vozes da ciência mais serenas e seguras para que se pronunciassem. Margareth Dalcolmo e Drauzio Varella, entre tantos outros, atuaram como dique para o desassossego em erupção. Coube ao médico sanitarista Gonzalo Vecina, a bordo do seu par de suspensórios e barba de Papai Noel, ser mais tonitruante. Por ter sido fundador e presidente da Anvisa, além de coidealizador do Sistema Único de Saúde (SUS) na década anterior, não lhe faltava conhecimento das entranhas e necessidades da saúde pública no Brasil. Ele rugiu.

“É um desastre, perdemos os rumos no Ministério da Saúde. Nada se faz sem inteligência, nada”, explicou em entrevista ao Estúdio I da GloboNews, alertando sobre a implosão de inteligência imposta ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) na era bolsonarista. Apesar de criado em 1973, quando a ditadura militar foi soberana para matar e fazer desaparecer opositores, o PNI sempre teve à mão um conselho que reunia dezenas de médicos do vasto Brasil. O grupo se reunia periodicamente e tomava as decisões mais relevantes — que vacinas aplicar, como e quando aplicar. “Essa inteligência respeitada foi jogada no lixo quando Bolsonaro extinguiu o grupo”, diz Vecina. (Vale acrescentar que, nesta semana, outro órgão, desta vez subordinado ao Ministério da Educação, também fez tábula rasa de sua inteligência técnica. A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes, Cláudia Queda de Toledo, no cargo há cinco meses, destituiu os 20 integrantes do colegiado que avalia os quase 5 mil programas de pós-graduação do país. Serão substituídos por 18 outros, que talvez venham a exercer o poder de revogação de decisões anteriores.)

O diagnóstico do sanitarista Vecina sobre a atuação de Queiroga à frente do ministério e do combate à Covid-19 foi transparente: “Um profissional de sala de hemodinâmica que pode até ser competente nessa área, mas de saúde pública não entende nada. O que ele quer mesmo é continuar a ser ministro”. Sua subserviente participação na live semanal de quinta-feira, ao lado de Bolsonaro, confirma o diagnóstico: Queiroga virou claque. Aprendeu a rir em sincronia com os espasmos do “mito”, achou graça até em piada sobre função erétil. O país, à mesma hora, tentava sobreviver. E não se desesperar.

Em junho deste ano, a jornalista Chloé Pinheiro publicou na plataforma Medium Brasil um denso relato sobre uma vítima despreocupada e negacionista, em harmonia com seu círculo familiar bolsonarista. Nas três vezes em que recorrera a um pronto-socorro Prevent Senior em 2020, por ter contraído Covid-19 da filha, foi dispensada. Mas nunca saiu de mãos vazias — sempre segurando a mesma receita de oito medicamentos do “kit Covid”. Na quarta vez, com a saturação de oxigênio beirando os 89%, acabou sendo internada e entubada. Morreu pouco depois.

À época da reportagem, o convênio dirigido ao atendimento de idosos contava com 485 mil mutuários, a um custo médio de R$ 800 mensais, e afirmava ter tratado 12 mil com hidroxicloroquina, com 100% de sucesso. A reportagem já apontava para a obrigatoriedade dos médicos do grupo de prescrever o “kit Covid”, com plena anuência do Conselho Federal de Medicina, da Agência Nacional de Saúde Suplementar e demais autoridades. “A empresa encerrou 2020 com um lucro de R$ 495 milhões. Mil reais para cada vida no bolso dos sócios”, escreveu a jornalista. E acrescentou que foi somente em abril deste ano, depois de 12 meses de experimentação da Prevent Senior com seus usuários, que o Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar o grupo. Inquérito apenas civil.

Hoje o Brasil se aproxima de 600 mil vítimas fatais da Covid-19. O número de brasileiros idosos que firmaram contratos com a Prevent Senior também já pode estar beirando os 600 mil, a um lucro anual equivalente. Nesta semana, graças a um dossiê/denúncia elaborado por médicos e ex-médicos do próprio grupo, encaminhado à CPI da Covid e divulgado em primeira mão pelo repórter Guilherme Balza, a real criminalidade dos experimentos da Prevent Senior com suas cobaias crédulas e pagantes veio à tona. O quadro é de horror lesa-humanidade, apontando para Brasília — e não se faz uso fácil do termo neste espaço.

Por ora, a resistência do SUS e a determinação da maioria dos integrantes da CPI em honrar nossos mortos são raros motivos de esperança nacional. Não é preciso ter lido Voltaire para repetir quantas vezes for necessário — toda pessoa que consegue convencer a acreditar em absurdos é capaz de fazer cometer atrocidades.