POR GERSON NOGUEIRA
Fiel às suas mais ricas tradições, o Papão se superou diante da adversidade e arrancou um empate heróico no derradeiro instante, diante de 8 mil torcedores que foram à Curuzu no sábado à noite e que já demonstravam irritação com o mau resultado desenhado ao longo de 90 minutos.
Além do ponto obtido, o Papão teve gana e coração e, acima de tudo, exibiu capacidade de reação, virtude preciosa em qualquer competição. Não desistiu jamais da luta, mesmo que em certos momentos tudo parecesse perdido.
Lutou contra o terceiro melhor time do campeonato e avançou uma posição na tabela, chegando ao 14º lugar. Embora sofrendo gols, não perdeu a invencibilidade, que já dura 11 jogos na Série B. De quebra, o ataque quebrou o incômodo jejum, com o gol de Leandro Cearense.
Ah, além de todos esses aspectos, o Papão ganhou um novo herói. Simples, humilde e improvável, Domingues, autor do gol de empate aos 47 minutos, saiu de alma lavada, celebrado pelos aplausos dos que até minutos antes o vaiavam – e com razão.
Domingues viveu a saga que o futebol costuma desenhar em situações dramáticas, como se tivesse prazer especial em contrariar a lógica cartesiana. Até 47 minutos, o defensor improvisado de meio-campista avançado era um dos mais erráticos em campo.
Errou cinco passes no primeiro tempo e seis no segundo. Seus críticos – entre os quais me incluo – defendiam a entrada de Jonathan naquela faixa de campo. O técnico Gilmar Dal Pozzo escalou Domingues e bancou sua permanência em campo. Aos 5 do segundo tempo, Domingues já poderia ter assumido a persona de herói. Quase empatou a partida, mandando um chute que explodiu no travessão de Júlio César.
Jonathan entraria, a 20 minutos do fim, substituindo a Ricardo Capanema. Ruan havia entrado no intervalo no lugar de Rafael Costa. Com os dois em campo, nos 15 minutos finais, o Papão foi mais produtivo ofensivamente do que no restante da partida. Com Ruan e Fabinho bem abertos pelos lados, Leandro Cearense conseguiu receber bolas e quase marcou de cabeça em duas ocasiões.
Por seu turno, o CRB desenvolvia um jogo metódico e inteligente. Bem distribuído em campo, fazia da transição ágil sua principal arma, através de Roger Gaúcho e Gerson Magrão. Era justamente o que faltava ao Papão.
Com calma, sem precipitar lançamentos ou desperdiçar correria, o CRB chegou ao primeiro gol em descuido de marcação na retaguarda bicolor. De fora da área, Olívio bateu forte no canto esquerdo, sem defesa para o recordista Emerson.
Os alagoanos podiam ter feito 2 a 0 se Sandro Meira Ricci não tivesse cometido erro grave de interpretação. Ao repor a bola em jogo, o goleiro Emerson disparou um chute nas costas do atacante Zé Carlos. Caprichosamente, a bola foi se aninhar nas redes do Papão.
Ricci, confirmando a fama de árbitro supervalorizado, anulou o gol. Deixou de observar (ou nem viu) que Zé Carlos de fato havia atrapalhado Emerson na pequena área, mas quando o chute foi disparado ele estava de costas – e já fora da grande área.
O Papão veio mais disposto para o segundo, embora sempre desorganizado e dispersivo. O CRB continuou firme nas saídas pelos lados e perigosíssimo na troca de passes pelo centro do ataque. Aos 17 minutos, Mazola Junior tirou Zé Carlos e botou Neto Baiano. Três minutos depois, o atacante desviou para as redes um cruzamento de Roger Gaúcho.
Na sequência, com Wellington Junior no lugar de Luigi, o CRB desperdiçou três oportunidades para ampliar. Ousado, Mazola lançaria ainda um terceiro atacante, Assizinho. Foi então que o Papão, já com Jonathan e Celsinho, passou a buscar alternativas de infiltração.
Quase aos 30, Gilvan e Wellington foram expulsos após se agredirem. Emerson também chutou o atacante, mas Meira Ricci não viu. Aí, em lance pela direita, sem maior perigo, o lateral Mateus derrubou Celsinho e a história mudou.
Cearense cobrou o penal com perfeição e o que era exasperação virou esperança, na Curuzu. A 10 minutos do fim, o Papão passou a acreditar na redenção se lançou todo ao ataque. Chegou ao empate após boa jogada de João Lucas pela esquerda. A bola chegou a Domingues à altura da marca penal. Com tranquilidade, mesmo marcado, ele bateu forte, à meia altura, e correu para os abraços. Estava redimido. Da humilhação à glória numa fração de segundos. Assim é o futebol, assim é a vida.
Por alguns preciosos minutos, o torcedor viveu a euforia de uma quase vitória ou uma derrota evitada a tempo. A alegria de um empate salvador às vezes supera o encantamento de uma vitória tranquila. Domingues proporcionou isso, mas o time do Papão continua a pecar muito e a exagerar na repetição de velhos erros.
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A força cabalística do 2 a 0
Comentava o jogo na Rádio Clube quando, por volta dos 30 minutos, CRB vencendo, o repórter Francisco Urbano perguntou se a lua-de-mel entre a torcida e o técnico Gilmar Dal Pozzo estava chegando ao fim. Respondi que era cedo ainda, pois já vira muitos jogos serem decididos em fração de segundos. Mencionei o 2 a 0, fator imponderável e sempre significativo no futebol – e ainda não suficientemente explicado pela ciência.
Pois não demorou muito para começar o renascimento do Papão no jogo. Domingues viraria herói e Dal Pozzo sairia preservado, apesar de alguns equívocos na própria escalação. Vamos a eles.
A presença do próprio Domingues improvisado de volante não se justifica quando há um Jonathan e um Rodrigo Andrade no grupo.
Ratinho voltou a ser o Ratinho dos primeiros dias na Curuzu. Aliás, por onde anda Ronieri¿ E Raí poderia ser testado na meia-cancha, como fez ao longo da Copa Verde.
É fato que o excesso de mexidas tem feito mal ao entrosamento do time, que já era precário. Contra um CRB bem ajustado, saltou aos olhos a falta de aproximação entre os jogadores do Papão. E a dispersão na meia-cancha é a mais danosa das imperfeições de uma equipe.
Aliás, Tiago Luís pode até vir a ser um dia o tão esperado camisa 10, mas no sábado ele ficou por 70 minutos em campo sem produzir nada.
Felizmente, a infalível mística do 2 a 0 desta vez pesou em favor do Papão. O escore fez o CRB acreditar que já tinha vencido, mas não tirou as possibilidades (mesmo remotas) de uma reviravolta bicolor. E assim foi.
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De barbeiragem em barbeiragem, Fogão desaba
E o Botafogo persegue, com fúria assombrosa, o direito de cair de novo para a segunda divisão. As patetices, burradas e cochilos dos zagueiros indicam que o torcedor alvinegro terá um restante de temporada dos mais exasperantes.
Ontem, contra a Chapecoense, outro presentaço da zaga garantiu a derrota, igualzinho como aconteceu contra o Santos e o Fluminense.
Ó Estrela Solitária, zelai por nós.
(Coluna publicada no Bola desta segunda-feira, 25)