POR OSWALDO COIMBRA
Fazia vinte anos que não voltava a Belém, onde nasci. Contratado pela UFPA e casado com uma professora da instituição, durante o doutorado na USP, fomos morar, perto da Praça Batista Campos, na Rua Tupinambás, diante de uma escolinha onde matriculamos nossos dois filhos pequenos. Algum tempo depois, para meu espanto descubro algo que havia muito tempo já era conhecido na vizinhança. Bem ao lado da escolinha, funcionava um comércio de drogas distribuídas através de motocicletas. Um dia, ao entrar no meu prédio, vejo três carros policiais estacionados em frente daquele local. Animado, comento na portaria: “Finalmente, vieram acabar com este absurdo”. O porteiro ri e responde: “Acabar nada, professor! Hoje é o dia de pagamento da propina deles”.
Depois nos mudamos para perto de outra praça, a da República. E como sempre acontece comigo, ali também terminei me tornando amigo dos vendedores de rua, que trabalham nas proximidades da minha residência. Como frequentadores permanentes daquela praça, eles viam tudo o que acontecia nela. E me contavam. Inclusive estas três histórias.
A primeira. Um ladrãozinho rouba a bolsa de uma senhora, dá uma rápida corrida, e, distanciado dela, volta a andar normalmente. Um dos vendedores pergunta: “Você não tem medo de ser preso pelos policiais da praça?”. O moleque responde: “Por que? Já dei a parte deles”.
A segunda. Policiais rodeiam o pipoqueiro da praça. E comunicam: “Tivemos a notícia de que você está vendendo drogas. Vamos revistar seu carro”. Na gavetinha do carro, encontram o dinheiro obtido com a venda de pipocas. “Vamos ter de aprender este dinheiro para levar à delegacia”, dizem para o pipoqueiro desolado. E, naturalmente, em outro lugar da praça, dividem a grana entre eles.
A terceira. Um comerciário gay, pede, choroso, a um dos vendedores ambulantes: “Você poderia me emprestar dinheiro para eu pagar minha passagem de ônibus”. O vendedor estranha. E pergunta: “O que aconteceu?”. O rapaz conta: “Eu tinha acabado de receber meu salário e estava com meu namorado na praça. Os policiais nos cercaram dizendo que queriam nos revistar para verem se não tínhamos drogas. Encontraram meu salário no bolso da minha calça. E se apropriaram dele argumentando que eu traficava drogas”.
Agora chega aqui a São Paulo a notícia de que um bar modesto, instalado perto da Praça da República e frequentado por estudantes, artistas e intelectuais, é administrado por gente corajosa a ponto de denunciar as tentativas de extorsão que sofrem por parte de policiais. E que o bar foi fechado há dois dias pela Polícia sob alegação de venda de drogas.
(Na foto, frequentadores do “8 Bar”, diante da porta dele, fechada. Eles criaram no Facebook a comunidade “Libertem Karllana e João”)