Na contramão da história

POR GERSON NOGUEIRA

O presidente do São Paulo, em meio a uma série de ideias meio amalucadas, saiu-se ontem com uma análise certeira e lapidar sobre o futebol brasileiro. “Nós somos exportadores de atletas, mas quem forma treinadores é a Argentina”, disse Miguel Aidar.

Há tempos que a realidade está aí, à nossa frente, explicitando a supremacia dos técnicos argentinos sobre os nacionais. Os daqui cobram salários até mais vultosos, mas os resultados – em competições internacionais – indicam que a mão-de-obra dos hermanos é mais competente.

É bom considerar que a desvantagem não é apenas em relação aos profissionais argentinos. No seio da categoria, predomina a convicção arrogante de que são bons e até superiores aos gringos. Não se preocupam nem mesmo com reciclagem e revisão de métodos de treinamento.

Enquanto isso, os argentinos avançam. Diego Simeone e Marcelo Bielsa, para ficar em apenas dois casos, são técnicos respeitados no mundo inteiro. Jorge Sampaoli e José Pekerman estão no mesmo nível, comandando seleções importantes (Chile e Colômbia, respectivamente) no continente. Nem por sonho imagina-se hoje um brasileiro dirigindo equipes sul-americanas ou europeias.

No continente africano, ainda engatinhando em termos de futebol profissional, a preferência é por treinadores europeus. Carlos Alberto Parreira e Joel Santana foram os últimos a trabalhar no continente, comandando a África do Sul.

Até no imberbe futebol árabe, onde tempos atrás Zagallo e Abel marcaram presença, não há mais espaço para técnicos brasileiros. Resta de verdade apenas alguma brecha na Ásia, onde Cuca representa solitariamente a classe na primeira divisão chinesa.

Como explicar esse menosprezo generalizado aos “professores” brazucas, tão geniais e solenes nas entrevistas pós-jogo?

A resposta está na desatualização profissional. Os técnicos não saem do país, não se preocupam em aprender e se fecham no ambiente protetor e autoindulgente dos campeonatos nacionais. Impõem manias aos jogadores e executam táticas que destoam do que se faz lá fora. São responsáveis diretos pelo abismo em que o futebol do Brasil se encontra.

Quando Barcelona x Juventus se enfrentaram, no sábado passado, a maneira estudada e estratégica com que se lançaram ao jogo não pode nem de longe ser comparada à indigência tática dos times brasileiros, quase todos entregues a sistemas arcaicos e voltados exclusivamente para a destruição de jogadas adversárias.

Pep Guardiola disse, quando ainda treinava o Barcelona, que o segredo da qualidade do time estava no futebol refinado do Brasil de outrora. Sua frase foi como navalha na carne do orgulho nacional. Deveria servir para que todos entendessem que sempre é possível aprender com a própria história.

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Planos na cabeça e calculadora na mão

O Papão tem 12 pontos, venceu seus quatro últimos jogos e está na quinta colocação da Série B. Posição privilegiada para um começo de caminhada no campeonato mais competitivo do país. Nas próximas rodadas, o time sai de casa para defender essa condição em duas partidas difíceis. Na sexta-feira, encara o ABC, em Natal, e logo em seguida vai ao Recife enfrentar o Náutico, vice-líder da competição.

Quando instado sobre a projeção que fazia para os dois próximos jogos, no programa Bola na Torre, o técnico Dado Cavalcanti desconversou, preferindo não revelar sua expectativa. É provável que esteja trabalhando com a hipótese de trazer quatro pontos, o que é uma pretensão aceitável.

Como o Papão começou a engrenar, jogando de forma mais compacta e mostrando capacidade de reação, é possível fazer planos de uma vitória sobre o ABC e um empate diante do Náutico. Quatro pontos colocariam o time seguramente no G4 e consolidaria a excepcional campanha neste começo de Série B.

Pelo que expôs durante o programa, Dado tem em mente fazer em Natal um jogo parecido com o de Varginha, quando se expôs a alguns riscos, mas ficou à espera de uma oportunidade para liquidar a fatura. Na ocasião, a equipe ainda demonstrava estar assimilando o esquema proposto pelo técnico. Agora, depois dos triunfos sobre Ceará, Santa Cruz e Paraná, espera-se que o Papão saia mais para o jogo e busque a vitória sem excesso de cautelas.

Com quatro atacantes à disposição, Dado pode avaliar bem as qualidades do adversário para utilizar sua dupla ofensiva mais adequada. Contra um ABC conhecido pela rapidez que emprega ao jogo do meio para a frente, mas com defesa hesitante, o mais provável é que Aylon e Leandro Cearense continuem como titulares.

Já contra o Náutico, dono da defesa mais sólida e entrosada da competição, é recomendável que o ataque seja rápido e ágil, surgindo a chance de que Aylon tenha Bruno Veiga (ou Edinho) como companheiro lá na frente.

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Titanic azulino

O Remo tem se notabilizado por produzir notícias ruins nas últimas semanas. Depois da querela judicial envolvendo o presidente Pedro Minowa, eis que ressurge o drama da área do Carrossel. Com a proposta oficial de compra por R$ 7,6 milhões (acima da avaliação), apresentada por João Felizolla Bentes, torna-se iminente a perda do patrimônio.

Atento observador da cena azulina comparava ontem a gestão de Zeca Pirão e o começo da administração de Pedro Minowa com o segundo mandato de Raimundo Ribeiro no clube. Na ocasião, foi vendida a sede campestre também sob parcelamento, fato que não ajudou a resolver as pendências trabalhistas existentes pois inviabilizou descontos junto aos credores.

Há dois anos, o grande benemérito Ronaldo Passarinho vem alertando que, além dos bloqueios de renda, o clube corria o risco de perda de patrimônio. Em mensagem recente ao blog, ele comentou: “Estavam todos no salão de festas do Titanic, discutindo a qualidade do vinho, enquanto o iceberg se aproximava. Pobre Remo”.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 10)